Ode ao corpo feminino

Em imagens poéticas e potentes, a fotógrafa espanhola Carlota Guerrero celebra as mulheres e naturaliza a nudez e a diversidade.

Carlota Guerrero é fascinada pelo corpo feminino. Mulheres de diferentes raças e com as mais diversas silhuetas, muitas vezes nuas, sozinhas ou em grupos, povoam as imagens da fotógrafa e diretora de arte espanhola de 30 anos. Intervenções digitais aparecem aqui e ali, criando novas formas e corpos que se fundem.

O olhar sensível de Carlota, que cria imagens potentes e carregadas de sutilezas, tem chamado a atenção de grifes como Givenchy, Dior e Balmain. Mais do que o apelo estético, no entanto, o trabalho da artista levanta discussões importantes, como a normalização de corpos fora do dito padrão e as inúmeras possibilidades do amor. A performance “Love Different” (na foto que abre esta reportagem), realizada por ela para a marca Desigual no evento Art Basel Miami, no fim do ano passado, correu o mundo: culminava com pessoas de diferentes raças e orientações sexuais se despindo, enquanto se tocavam e se beijavam.

Carlota também realizou parcerias de destaque com outros artistas, como a cantora e compositora Solange Knowles. Depois de ver seu perfil no Instagram, a irmã de Beyoncé chamou Carlota para colaborar na concepção das fotos e dos vídeos do álbum
A Seat at the Table.

Nascida em Barcelona, a fotógrafa sempre teve uma ligação forte com o feminino. Perdeu o pai aos 15 anos e foi criada pela mãe e pela irmã. Em entrevista à ELLE Brasil por e-mail, ela conta como descobriu a fotografia artística quase por acidente e fala sobre seu método de trabalho.

Você começou a fotografar quando ainda era adolescente, certo? Quando percebeu que a fotografia poderia ser mais do que um registro factual e ter uma abordagem artística?

Na primeira vez que fotografei com filme, eu superexpus todas as imagens, sem saber como a câmera funcionava, e todas as fotos vieram em cores surrealistas, como pinturas, o que me fez perceber que poderia usar a fotografia como se eu fosse uma pintora – algo que eu desejava ter talentos para ser.

Seu trabalho é muito físico, envolve muitas pessoas, corpos em movimento. Por outro lado, você também explora possibilidades digitais, como efeitos 3D e fusão de imagens. Essa mistura entre o real e o virtual seria o caminho para a arte hoje? Ou, pelo menos, para a sua arte?

Eu sinto que nossa experiência na vida já é metade virtual, então, definitivamente integrar a tecnologia às minhas criações é algo que vem organicamente. Soa contraditório, mas também faz muito sentido, Virtual é Natural.

A fotógrafa em frente a uma de suas obras, exposta na galeria Alzueta, em Barcelona.

A nudez está presente frequentemente na sua arte. Quão importante é o corpo humano em seu trabalho?

É a minha principal obsessão, meu ponto de partida. Um corpo feminino é a imagem do meu avatar, meu primeiro lar, eu fico mesmerizada por ele todos os dias e preciso capturar sua forma e graça constantemente… Eu estou me espelhando em outras mulheres e elas estão se espelhando nelas mesmas, nós estamos nos vendo umas nas outras.

De que forma você acredita que a arte e a moda podem contribuir para a evolução das questões de gênero e raça na sociedade?

Normalizar e exigir diversidade nas representações é a chave para ir para a frente nesses assuntos e transformar o modo como vemos e julgamos os outros.

A estética do seu trabalho está longe de ser intrincada e rococó – ao contrário, é clean e quase minimalista –, mas o efeito final é grandioso. Como você consegue esse resultado?

Eu procuro por clareza e significado no que faço, e sendo muito ansiosa, criar imagens simples me ajuda a entender melhor as coisas. Eu preciso de espaço e poucos elementos, assim consigo focar no essencial e me conectar realmente com quem estou retratando, sem distrações.


Suas performances costumam envolver muitas pessoas juntas, o tipo de coisa que não era possível de ser feita por causa da quarentena imposta pela Covid-19. Acredita que terá de mudar sua maneira de trabalhar no mundo pós-pandemia?

Nós voltaremos a ter grandes encontros, não tenho dúvida disso, e apreciaremos performances sobre a conexão humana e precisaremos delas mais do que nunca.

Para terminar, você poderia deixar uma mensagem para jovens artistas que estão enfrentando dificuldades por questões econômicas e sociais? O que você diria para novos criadores que lidam com limitações de recurso e acesso?

Eu diria para criarem com o que têm e que não pensem demais a respeito disso. Você aprende criando todos os dias. Crie, crie, crie, não deixe as ideias morrerem num limbo. Mergulhe fundo na fonte que você tem dentro de si e expresse o que encontrar lá, eu acredito que essa é a única história que você realmente pode contar. Arte é terapia e um caminho para florescermos, então, mesmo que você não esteja monetizando com isso, faça arte pelo bem dela própria.

(colaborou Patricia Oyama)