Maconha no skincare? Entenda como o canabidiol está sendo usado para a pele
O CBD (canabidiol), derivado da maconha, está se transformando em um dos ingredientes mais celebrados do mercado de cuidados com a pele devido a sua potente ação anti-inflamatória.
“Mas não é tudo medicinal?”, indaga Charlotte Palermino em entrevista à ELLE Brasil. “Sinto que se as pessoas fazem uso recreativo da maconha, esse uso é medicinal, uma vez que recreação diminui o estresse. Acho que existe uma discussão aí… Os limites entre o recreativo e o medicinal não são tão estratificados assim.”
A escritora e empresária estadunidense acabou de lançar uma marca de skincare chamada Dieux, abertamente pró-cannabis. Até agora, a empresa oferece somente um produto: a Forever Eye Mask, uma máscara reutilizável com canabidiol para a região abaixo dos olhos feita de silicone médico. Ela atua como um escudo que evita a evaporação do seu produto de skincare aplicado previamente. Isso sem falar daquele viço imediato e temporário que as máscaras de modo geral se propõem a entregar.
Em 2021, a Dieux lançou seu primeiro sérum que, assim como a Forever Eye Mask, também vai incluir CBD em sua fórmula, ingrediente que, curiosamente, está em alta no mercado de skincare. Até a atriz hollywoodiana Kristen Bell lançou uma marca (Happy Dance) dedicada aos cuidados com a pele com canabidiol.
“Tudo começou quando eu e minha sócia, Martha Freedman, criamos a Nice Paper, uma newsletter sobre maconha, com o intuito de nos educar sobre a planta. A pergunta-chave é: se tem gente ficando rico porque trabalha com cannabis nos Estados Unidos, por que alguns ainda são ou estão encarcerados por fazerem a mesma coisa?” diz Palermino.
“Fora isso, havia e ainda há pouca pesquisa sobre as potencialidades da maconha. A gente queria mudar isso. Assim, nos juntamos a uma equipe de dermatologistas e químicos para finalmente entender como poderíamos aproveitar o ingrediente no terreno do skincare”, relembra Palermino.
O canabidiol é mesmo eficiente para a pele?
Segundo ela, o processo não é nada barato e o mais complicado é que o campo dos cuidados com a pele também está recheado de confusões e conclusões de pouca sustentação científica. “São coisas que deixam o consumidor ainda mais desconfiado e desesperançoso”, desabafa. Por isso que, na sua empresa, o cuidado para se certificar da eficácia de seus produtos é redobrado.
“Enquanto pessoas brancas estão enriquecendo com a cannabis nos Estados Unidos, pessoas negras estão indo para a cadeia por causa dela. Para mim, o encarceramento em massa é um dos maiores problemas do país”, Charlotte Palermino
No caso do sérum que ainda está para ser lançado, existem três estudos clínicos por trás dele. Um deles, por exemplo, contava com 100 pessoas e tinha o objetivo de entender qual era a dose de canabidiol que funcionaria melhor para a fórmula que eles pretendem atingir.
Canabidiol, skincare e diversidade
Atualmente, as pesquisas da Dieux têm se dedicado às peles com mais melanina em resposta a um dos maiores problemas desse tipo de iniciativa no mercado mais hegemônico de skincare, que é a ignorância frente à importância da diversidade.
Quando a maioria esmagadora das peles analisadas são claras, os produtos derivados dessas experiências fatalmente não vão contemplar a todos. Vale destacar que, no campo da pesquisa científica, o trabalho do brasileiro Antônio Zuardi foi fundamental para que marcas como a Dieux pudessem sair do papel.
Guerra às drogas e maconha
A despeito da guerra às drogas instituída no Brasil, existe uma rica literatura no país sobre o assunto que, infelizmente, não tem o reconhecimento que merece devido ao preconceito. Elisaldo Carlini, falecido no mês passado, por exemplo, foi um dos pioneiros nessa seara.
Vale lembrar que a guerra às drogas é uma política estadunidense iniciada pelo presidente Richard Nixon nos anos 1970 e importada posteriormente pelo Brasil. O termo representa um comprometimento estatal com o combate ao tráfico e ao consumo de drogas que prioriza a fiscalização desses crimes em detrimento da maioria das infrações.
Qual é a diferença entre o CBD e o THC?
A respeito da maconha, nossa fiscalização (assim como o estigma social ao redor da erva) giram em torno de seu uso recreativo. Assim, é importante ressaltar que as propriedades psicodélicas da planta são fruto da ação do THC (tetrahidrocanabidiol).
O CBD, por sua vez, tem qualidades quase antagônicas quando comparado ao outro princípio ativo da cannabis. Isoladas pela primeira vez nos anos 1960, as qualidades do THC e do CBD tiveram poucas chances de serem exploradas individualmente.
Mesmo assim, hoje já sabemos do poder tranquilizante do canabidiol – não à toa fala-se tanto do uso da cannabis como aliada no combate à ansiedade e à depressão. “Eu adoraria ver republicanos direcionarem o mesmo vigor que tiveram para autorização de CBD para libertarem pessoas que estão em cárcere por esses crimes; porque, na real, tem muitas pessoas enriquecendo com cannabis. E elas tendem a ser pessoas brancas”, declara Palermino.
“Enquanto isso, há muitas pessoas presas por causa da maconha e elas são negras – predominantemente homens negros, mas, cada vez mais, mulheres negras também. Isso precisa parar. Para mim, o encarceramento em massa é um dos maiores problemas nos Estados Unidos”.
As máscaras para a região dos olhos da Dieux contam com o poder anti-inflamatório do CBD. Foto: Divulgação / Dieux
Na pele, o CBD fascina por sua característica anti-inflamatória. “A maior parte dos problemas da pele são respostas inflamatórias. Quando você tem uma espinha, seu corpo tem uma resposta inflamatória para que a infecção não chegue na sua corrente sanguínea. Vermelhidão? É inflamação. Dermatite? Inflamação. Tem gente pesquisando outras funções do CBD como na renovação celular, mas só o fato dele ser um agente anti-inflamatório já o torna um ingrediente incrível para skincare“, diz a fundadora da Dieux que comemora a popularização do ativo, mas se preocupa com a possibilidade dele se tornar uma tendência.
Este importante estudo polonês é uma boa introdução para quem quer entender mais sobre essas características do canabidiol. “Tendências vêm e vão. O que eu queria é que ele chegasse no mesmo patamar que a vitamina C chegou. Não é uma onda que chega com um monte de novidades mal pesquisadas e depois vai embora. É um ingrediente que se tornou fundamental para uma rotina saudável de cuidados com a pele.”
O canabidiol em conjunto com a Vitamina C
A BeautyStat, do também estadunidense Ron Robinson, é especializada tanto na Vitamina C quanto no canabidiol. Fundada pelo ex-químico de cosméticos da Clinique e da Estée Lauder, a marca (que antes de ser empresa era um canal digital de conteúdo sobre cuidados com a pele) está por trás do Universal C Eye Perfector, um sérum gelatinoso para o rosto e região dos olhos que combina vitamina C, cafeína e CBD.
“Eu era bem cético a respeito dos benefícios do canabidiol para o skincare. Mas, quando percebi que ele estava ficando tão popular, comecei a pesquisar. Indo mais a fundo, sabíamos que nossa vitamina C patenteada nos ajudaria a lidar com olheiras, rugas, perda de firmeza e inchaço, mas queríamos um ingrediente que tratasse a causa de tudo isso: a inflamação. Assim, os dois ativos trabalham em sinergia“, conta em entrevista à ELLE Brasil.
Ao longo de quatro semanas, um grupo de 31 pessoas usou o tal sérum regularmente e os resultados impressionam: 90% dos integrantes apresentaram melhoras nas linhas ao redor dos olhos, 84% demonstraram maior radiância na pele e 71% deles perceberam uma diminuição das olheiras.
Ron Robinson passou pela Clique e Esteé Lauder antes de fundar a própria marca, a Beauty Stat. Foto: Divulgação / BeautyStat
O canabidiol é permitido no Brasil?
Em dezembro de 2019, a Anvisa aprovou a regulamentação do registro no Brasil de produtos à base de CBD, que entrou em vigor somente em março deste ano. A ideia é oferecer produtos derivados de cannabis com objetivos medicinais em caso de exceção, ou seja, quando as demais terapias farmacêuticas não alcançarem seus resultados. Até agora, a Anvisa recebeu 5 pedidos de cadastro.
Segundo a RDC 327, só serão aprovados produtos derivados de maconha nos quais a concentração de THC seja menor que 0,2%. Como o plantio de cannabis é proibido no Brasil, a resolução indica que deve-se importar “o insumo farmacêutico nas formas de derivado vegetal, fitofármaco, a granel, ou produto industrializado”.
Ainda segundo a instituição, não há como prever se, no futuro, produtos do mercado de skincare à base de CBD sejam incluídos nessa resolução e regularizados nacionalmente.
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