Meu corpo não está na moda
A repórter de beleza Bárbara Rossi disserta sobre supostas tendências corporais e o impacto negativo que elas têm na psique feminina.
A primeira vez que vi a clássica foto de Marilyn Monroe usando um maiô branco na praia foi também a primeira vez que me senti bem com o meu próprio corpo. Veja bem, fui adolescente nos anos 2000, década das calças de cintura baixíssima vestidas por corpos com barrigas chapadas. Minha referência de beleza era Britney Spears no clipe “I’m a slave 4 u”, rebolando na frente do espelho de top branco e piercing no umbigo. Meu corpo curvilíneo, com quadris largos, bunda grande e pernas grossas, não estava na moda – o que afetou brutalmente minha autoestima, fazendo com que eu recorresse a dietas malucas e remédios com efeitos colaterais terríveis para emagrecer. Quando descobri Marilyn, aos 15 anos, eu passei a me confortar com a ideia de que “pelo menos nos anos 1950 meu corpo seria ideal”.
Quando os corpos magérrimos deixaram de ser tendência, admito, comemorei. Com a ascensão das Kardashians e do bundão, eu me sentia, de alguma forma, parte da conversa. Parecia que a moda também começava a entender o meu corpo e pela primeira vez encontrei peças que acomodavam as minhas curvas. Nas redes sociais, ao invés do até então adorado “thigh gap” (o espaço entre as coxas, comum em pernas finas), a dobrinha marcada da coxa com a virilha, dominou. Eu e minha bunda estávamos, oficialmente, na moda.
Se sentir adequado e parte de algo que é desejado, entendo agora, faz com que seja desafiador manter uma visão crítica. Durante uma conversa com uma amiga sobre o assunto, em que eu comemorava o fato de que as curvas eram oficialmente aceitas, ela me disse: “meu corpo gordo nunca esteve na moda e provavelmente nunca estará”. Só então a minha ficha caiu: esse só era mais um padrão de beleza inalcançável, que logo seria substituído por outro, e de todos os lados, continuava sendo extremamente gordofóbico. Apesar das flutuações, o corpo ‘da moda’ muda dentro de um espectro bem definido. O corpo gordo sem silhueta ampulheta, por exemplo, nunca viveu seus 15 minutos de fama. O corpo com deficiência também raramente ganha qualquer representatividade. A obsessão em dissecar e padronizar o corpo feminino, então, era a mesma, só estava desenhada em contornos diferentes.
Agora, mais uma vez, o padrão mudou. As semanas de moda internacionais decretaram a volta da cintura baixa, desfiladas quase que exclusivamente por modelos magérrimas. O corpo de top model, aliás, voltou a ser idealizado, com figuras como Bella Hadid e Hailey Bieber se tornando as principais referências de beleza. Todas as principais estéticas dos anos 2000, do Y2K ao indie, voltam trazendo com elas o desejo pela barriga chapada e pernas finíssimas. Mas só percebemos a força desse movimento quando as próprias Kardashians, mundialmente conhecidas por suas curvas, começaram a aparecer muito mais magras, com bundas e seios visivelmente menores. O que ocorre agora, na verdade, é uma retomada ao centro desse movimento centrifugado. Um lembrete de que esse centro segue existindo, ainda que espasmos de uma suposta liberdade possam ter aflorado nos últimos anos.
Diante desse cenário, fico pensando a respeito da impossibilidade técnica de seguir esses padrões. Desde a ascensão das irmãs Kardashian, o número de BBLs (a Brazillian Butt Lift, cirurgia de aumento dos glúteos considerada extremamente perigosa) cresceu em 77,6% no mundo todo. E agora? Vamos desfazer todos esses procedimentos? E mais, depois disso, ainda vamos ter que emagrecer? A exigência, além de injusta, é incabível. Só a percepção de que certos corpos “estão na moda” já é totalmente fora da realidade.
Enquanto se discute, a cada estação, se curvas são ou não aceitas, mulheres correm para se adequar à nova trend corporal, gastando pilhas de dinheiro e colocando em risco a própria vida na mesa de cirurgia – só para, no mês seguinte, seus corpos estarem inadequados novamente. Além disso, nosso corpo muda o tempo inteiro. Engorda, estica, emagrece, enruga, dobra, estoura, repuxa, encolhe… Tentar controlar as manifestações na natureza humana é agendar para si e para os outros uma circunstância de eterna frustração. Um caminho mais saudável talvez se ensaie exatamente no afastamento dessa percepção e na junção dessa manobra com uma postura de autoaceitação que, ao invés de se cobrar pelo encaixe, enxergue o prazer e viva a liberdade de realmente ser unicamente quem se é.
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