Os perfumes se tornaram um refúgio na pandemia

Como um mercado dependente do teste físico precisou se reinventar e se tornou parte importante do bem-estar durante o confinamento.


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Junto com a falta de paladar, a tosse e a febre, a perda de olfato é um dos sintomas mais marcantes da infecção causada pelo novo coronavírus. Pessoas que se recuperaram da doença dizem, inclusive, não terem ainda recuperado 100% do sentido mesmo semanas depois de ganharem alta. E uma vida sem olfato pode ser difícil – e um pouco perigosa. Como saber se um alimento pode ser sinal de perigo? Ou se algo está pegando fogo?

Por isso, nada mais irônico que, em um momento em que todos estão propensos a deixar de sentir o aroma das coisas, as fragrâncias tenham se tornado uma estrela no mercado de beleza e de decoração durante o confinamento. Trabalhando e passando a maior parte dos dias dentro de casa, as pessoas têm buscado um pouco de calmaria nos cheiros que as entornam. Sejam no perfume que borrifam na pele antes de começar o dia no teletrabalho ou na escolha do difusor que aromatiza seu escritório em casa.

“De cuidados com a pele a géis de banho e perfumes, os consumidores descobriram que perfis aromáticos reconfortantes e que melhoram o humor ajudaram seu bem-estar”, diz Bruna Ortega, especialista em beleza da agência de pesquisa de tendências WGSN. “Aromas escapistas que ajudam as pessoas a tirar férias de seu ambiente cotidiano também são fundamentais para inspirações de fragrâncias, ajudando as pessoas a ‘viajarem em sua mente’, sem sair de casa.”

“Sentir um perfume agradável é como experienciar a vida em sua plenitude”, afirma Celina Bianco, avaliadora olfativa, farmacêutica especializada em perfumaria e gerente de desenvolvimento e operações da Fragram. “Então, durante o isolamento, valorizou-se muito esse sentido tão fundamental e brilhante que é o olfato. As pessoas experimentam intensamente o poder dos perfumes de nos confortar e de nos conectar com o presente. Essas sensações são muito importantes no confinamento.”

De acordo com a psicologia, o olfato é o sentido mais ligado às nossas lembranças. É comum, por exemplo, você não lembrar exatamente como era a sua escola do jardim de infância, mas o cheiro de uma bolacha que costumava comer na hora do intervalo pode desencadear uma sequência nostálgica.

“Durante o isolamento, valorizou-se muito esse sentido tão fundamental e brilhante que é o olfato. As pessoas experimentam intensamente o poder dos perfumes de nos confortar e de nos conectar com o presente”, Celina Bianco, avaliadora olfativa da Fragram.

Essa ligação psicológica com os aromas refletiu nos hábitos de consumo das pessoas. Procuramos formas de nos reconectar com uma vida que existia antes do isolamento através das fragrâncias que colocamos dentro de casa. Os aromas se tornam um refúgio. “Para todos aqueles que o perfume já fazia parte da rotina – esse hábito conduz a uma sensação de controle, diminuindo o estresse associado a novas situações. É claro que muitas coisas estão fora do nosso controle, e nestes períodos ainda mais. Mas, diferente da rotina de tomar drinks com os amigos, viajar, ir ao cinema, perfumar-se não tem contra indicação”, diz Celina.

Esta ideia de controle se transportou, também, para os difusores para casa. Enquanto havia restrições que fecharam escolas, colocaram parte das pessoas em teletrabalho e as confinaram em seus lares, o interesse por fragrâncias para casa tiveram um aumento substancial. De acordo com a agência de pesquisa de mercado NPD Group, as vendas de difusores aumentaram 37% no Reino Unido em março de 2020 comparado ao mesmo período de 2019. Já a consultoria Kline divulgou, em um artigo publicado em seu site, que a decisão de compra do consumidor em relação a perfumes para casa passou de “compra desejável” para “compra essencial” durante a quarentena.

Mas esta transformação não foi exatamente de uma hora para outra. Por ser um produto muito dependente de testes físicos para vendas, o setor de perfumaria viu uma queda nos gastos do consumidor durante o lockdown. Afinal, segundo o NPD Group, um a cada três consumidores de fragrâncias são influenciados pelos testes em loja. Por isso, relatório da consultora McKinsey teria dando conta de uma redução de 30% na receita global do setor em 2020. Ainda assim, a participação das vendas online na categoria de perfumes cresceu de 19% em 2019 para 33% em 2020. O que impulsionou foi a busca pelos clássicos e inovações feitas pelas marcas do setor para tirar essa dependência dos testes físicos.

Como se vende perfumes à distância?

Diferentemente de outros produtos de beleza, o perfume não precisa do toque para ser escolhido, mas o processo pode ser complexo. Requer um pouco de autoconhecimento e paciência. É preciso entender quais são os aromas que mais lhe agradam e, assim, experimentar as fragrâncias, perceber qual é o odor de entrada e de saída, como o perfume reage à sua pele.

Durante a pandemia, há vários impeditivos que interferem nessa experiência. Com restrições mais flexíveis, ainda é muito difícil sentir toda a complexidade de um aroma usando uma máscara social. Além disso, não é aconselhável que os consumidores manipulem os frascos de perfume, já que eles podem ser focos de contaminação. Para transpor esses obstáculos, algumas marcas decidiram, em 2020, jogar no campo seguro.

Em vez de tentar criar novos aromas, elas focaram e promoveram perfumes clássicos ou já bem conhecidos no mercado em uma tentativa de fidelizar seus consumidores. “Quando estão fazendo compras pela internet, os usuários procuram por algo que eles conhecem e confiam”, disse Laura Azaria, executiva de marketing da área de fragrâncias de designers da L’Oréal USA, em entrevista a uma revista estadunidense.

Outra estratégia foi usar o que a cultura digital oferece. A startup brasileira Kásia Cosméticos lançou, em outubro do ano passado, dois perfumes. Sim, no meio da pandemia. Para garantir que os produtos tivessem apelo, eles implantaram um e-commerce em dois meses e se uniram ao casal de influenciadores Alex Mapeli e Flávia Charallo – que, juntos, têm mais de 13 milhões de seguidores – para assinar e lançar as fragrâncias. “Ambos já viviam nesse ambiente há cinco anos e, por meio do perfume, conseguiram fazer um caminho inverso: saíram do virtual e foram para o real, humanizando o que era apenas digital”, explica Alain Muramatsu, um dos sócios da Kásia Cosméticos. Em pouco mais de três meses, os lançamentos já representam 7% do faturamento da empresa.

“Os consumidores descobriram que perfis aromáticos reconfortantes e que melhoram o humor ajudaram seu bem-estar”, Bruna Ortega, expert em beleza do WGSN

Mais do que apenas se unir a criadores de conteúdo, marcas também estão transformando as redes sociais em plataformas para mostrar aromas virtualmente. A L’Oréal Group fez uma parceria com o Pinterest para lançar uma ferramenta de busca de fragrâncias baseado em perguntas feitas aos usuários sobre seu gênero, cheiros favoritos e estilo pessoal. Dependendo das respostas, a aplicação recomenda e compartilha links de produtos incluindo Armani Beauty, YSL Beauty e Viktor & Rolf. A marca Snif, por sua vez, envia aos compradores o frasco do perfume comprado e uma versão menor, de graça. Assim, se experimentar o sample e não gostar do resultado na pele, você pode devolver o item sem custo adicional.

Não é o fim, no entanto, das lojas de perfumaria nem mesmo da representantes de marcas de cosméticos. Com a vacinação em massa da população e as pessoas deixando o confinamento, os meios tradicionais de se vender perfumes devem continuar, mas essas formas inovadoras também terão o seu espaço. “Com menos lojas e um consumidor ainda inseguro, essas abordagens experimentais seguirão firmes”, fala Bruna Ortega, da WGSN.

Segundo especialistas, o perfume deve deixar o papel de um acessório que complementa o nosso estilo para também agir ativamente na forma que nos sentimentos psicologicamente. Mais do que escolher a fragrância que combina com seu estilo de vida, o consumidor também vai querer um perfil olfativo que converse com os seus objetivos de bem-estar. “As pessoas vão querer desenvolver essa conexão e buscar fragrâncias que elevem sua saúde. Os produtos podem oferecer sistemas de suporte de micro-odores, com aromas direcionados ao condicionamento físico, relaxamento, meditação, bem como atividades que estimulam o cérebro, como concentração, foco e melhora do humor”, completa Bruna.

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