Libido é movimento

Não é papo de personal trainer: exercitar o corpo pode ser altamente prazeroso.


ilustração com mulher silhueta de mulher dançando e pesos de academia em volta
Ilustração: Mariana Baptista



Ano novo, libido nova? Espero que pra muita gente, pelo menos as que se sentem estagnadas nesse quesito, sim. Não sei exatamente quando a mágica relativa encontra a concretude nas primeiras semanas do ano, se é o privilégio de viver isso no hemisfério sul, onde o momento casa com o verão, mas sei que gosto muito dessa renovação de ciclo e de esperança, aliada a novas metas e busca pelas possibilidades. Até pra mim, que não sou muito fã das grandes metas no geral, preferindo focar nos pequenos passos e ir vendo pra onde a vida leva (sempre com responsabilidade, claro), é inevitável não me pegar listando o inadiável num ano novinho em folha que surge pela frente. Sim, o tempo não é linear e nosso calendário gregoriano é apenas uma invenção que nos gera aquela gostosa (ou, pra alguns, desesperadora) sensação de que existe algum tipo de controle nele. Mas o ponto aqui não é filosofar sobre as ilusões do tempo, e sim aproveitar esse frisson coletivo sazonal da melhor forma possível. 

Dito isso, me percebi em mais um janeiro falando em alto e bom tom que o projeto Claris Fit deste ano não passa. E se você, assim como eu, também perdeu completamente o ritmo durante a pandemia e ainda sente problema em recuperá-lo, vai me entender bem. A questão central é que libido é movimento, ponto. Ela é totalmente sobre a nossa energia de vida como um todo. Gosto muito dos ensinamentos taoístas que dizem que a energia sexual é a fonte mais poderosa do nosso chi (energia vital), responsável pela nossa saúde e disposição. Além disso, é possível encontrar em livros e escrituras vários tipos de ensinamentos seculares com exercícios físicos capazes de ativar pontos do corpo que precisam dessa movimentação para que tudo permaneça equilibrado. Se você tem interesse pelo assunto e quer adentrar no mundo das atividades e dicas práticas, sugiro o livro O orgasmo múltiplo da mulher, escrito pela médica Rachel Carlton e o mestre taoísta Mantak Chia. 

páginade livro com ilustração de uma mulher nua se alongando com os braços para cima

Página do livro O orgasmo múltiplo da mulher. Foto: Clariana Leal

Coregasm

Fora que, sim, minhas caras leitoras, é possível ter orgasmos ao fazer exercícios físicos. E, por mais maluco que pareça, acontece numa frequência bem maior do que pensamos. O tal do Coregasm é esse orgasmo que acontece sem necessariamente uma intenção erótica durante algumas atividades físicas, como yoga, musculação, equitação, pedalada, escalada, corrida e por aí vai. Como isso acontece? Ao movimentarmos certos músculos abdominais ou a musculatura pélvica com movimentos repetidos, aliando algumas pressões (seja das próprias coxas, seja de outros aparelhos) e a descarga de endorfinas que o momento proporciona, o resultado pode ser justamente o acúmulo de energia na pélvis, seguido dessa explosão que é o orgasmo. Fora as contrações involuntárias que podem acontecer no canal vaginal durante algumas posições (as gatas do yoga e do pilates vão saber do que eu estou falando). Mesmo que não se chegue de fato ao clímax, o que acontece é que, durante essa movimentação, o clitóris e outras partes do corpo podem acender de uma maneira superprazerosa. No livro The Coregasm Workout, da pesquisadora Debby Herbenick, também podemos ver que se exercitar antes do sexo também ajuda a prolongar a excitação durante o ciclo da resposta sexual, levando a orgasmos mais duradouros e fortes. Além de, obviamente, garantir uma boa resistência física pra quem gosta de longas (ou até curtas) jornadas de prazer. 

Inspira e expira

A respiração é um ponto chave quando falamos sobre tudo isso que envolve a energia sexual. Seja pra voltar aos sentidos quando a cabeça vai pra longe durante a relação, seja pra ajudar na circulação do oxigênio, o movimento interno é tão importante quanto o externo. Quando a respiração fica travada, a libido também trava. Por isso, pra além de toda a delícia que é se mexer e ver os resultados enquanto praticamos, precisamos estar atentas ao corpo como um todo. Se desaprendemos a respirar conforme vamos ficando adultos, pelo bem da saúde e da nossa vida sexual, precisamos reaprender e nos reconectar com essa atividade vital. Perceba: como você respira durante o sexo (solo ou acompanhada)? Como fica sua respiração depois do ápice? Você costuma prender o ar quando está chegando lá ou consegue liberar a tensão e o controle? Ao inspirar e expirar, foque nos movimentos que seu pulmão faz, isso é capaz de te trazer de volta pra um estado calmo e presente que a libido precisa pra percorrer de maneira fértil. 

Dance com a sua libido

Depois de prestar atenção e ir atrás do necessário, que tal buscarmos alternativas ainda mais gostosas? Dizem por aí que quem sabe dançar bem também sabe transar bem e, enfim,  não sei se acredito que seja unanimidade, visto que cada pessoa possui suas características sexuais bem distintas, mas entendo o sentido da frase. A dança sempre morou nesse lugar que é reservado ao sensual, fazendo parte dos nossos rituais de acasalamento mais primais há séculos. Mas, se tirarmos um pouco a pressão da conquista e a necessidade de performance, podemos ter momentos de sensualidade & solitude que podem nos levar a um novo tipo de prazer. Imagine a cena: você se tirando pra dançar sozinha na sala de casa, escutando sua música preferida, se movimentando sem medo de qualquer julgamento alheio, sensualizando pra si da maneira mais natural do mundo. Esse pode ser o início de uma masturbação maravilhosa, de um ritual potente, de um orgasmo profundo ou “apenas” dessa reaproximação com a energia vital antes adormecida. Por isso, sempre que puder, dance com a sua libido, leve-a pra dar caminhadas contemplativas, pegue na mão dela e não solte por qualquer bobagem.

Mente sã, assoalho pélvico são

Mais uma vez, voltando ao interno e às movimentações do corpo como um todo, o que configura esse todo? Não adianta muito passar horas na academia treinando, por exemplo, a perna, e esquecer de fortalecer uma das partes que mais sofre com a ação da gravidade e do tempo, o assoalho pélvico. Os exercícios pra região, que variam entre técnicas e termos diferentes, sendo os mais conhecidos o pompoarismo e o kegel, são fundamentais pra manutenção da saúde e da energia sexual/vital que já falei acima. Ao botar a musculatura pélvica pra trabalhar, conseguimos não só nutrir a melhor versão do orgasmo que podemos conhecer e despertar novos pontos de prazer durante a prática (as noções de preliminares podem ser atualizadas agora mesmo), mas também prevenir condições sérias e cruéis como incontinência urinária, prolapso uterino e da bexiga, danos no canal vaginal durante o parto e flacidez na região. Inclusive, quero aqui puxar a orelha das gatas do crossfit que não cuidam do assoalho pélvico ao se exercitarem. Sabia que estudos recentes comprovaram que uma boa parte delas está com problemas de perda de urina involuntária justamente por estarem forçando a parte externa e esquecendo de trabalhar em conjunto a interna? Equilíbrio é tud, e sua pélvis tá aí pra ser ativada com carinho. 

gif com trecho do filme perfect, em que jamie lee curtis e john travolta fazem movimentos com a pelvis numa aula de ginastica

Cena do filme Perfect (1985).

Impossível não falar de exercício e libido sem trazer imagens do filme Perfect, com a Jamie Lee Curtis e o John Travolta, não é mesmo? Vou deixar aqui como inspiração e incentivo, pra mim e pra você, pra que a gente nunca esqueça que libido é sobre o que nos fornece energia pra viver tudo, até o que não é sexual. Feliz novas movimentações pra todos nós que buscamos mais cor na existência. Um 2023 cheio de tesão no corpo, nos trabalhos, na execução das ideias, nos afetos e nas pequenas-grandes tarefas dos próximos dias que estão prestes a nos acompanhar.

Clariana Leal é educadora sexual e carrega como propósito a abertura honesta e inclusiva do diálogo sobre sexo, desejo e corpo. Na sua coluna Prazer sem dúvidas, ela responde mensalmente as dúvidas do público da ELLE.

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