Quando estilistas se vão ou obrigada por tudo, Thierry Mugler
Erika Palomino tem uma epifania: perfume de comer, andróides, corsets, fetiche, cultura queer, o culto da transgressão e a paixão pela figura feminina.
Um certo tipo de estilistas, quando se vai, costuma-se dizer que termina uma era. Ou quando se aposentam, ou param. A moda vai em ondas, e quase sempre, quando essa produção cessa, é porque aquele tempo já passou.
Essa reflexão se dá a partir da morte de Thierry Mugler, em janeiro. Ele já tinha parado de desfilar, mas continuava em evidência, criando figurinos aqui e ali para Beyoncé, Lady Gaga, Kim Kardashian… Mugler foi um estilista referência, de glamour feminino, e sobretudo de adoração pela figura feminina, pela imagem de mulher, com uma sensualidade e uma sexualidade que marcaram época.
Para minha geração, e para mim, ele e Jean Paul Gaultier ocupavam um lugar especial. Representavam, em si, a figura do estilista, da Moda, por consequência. Mugler era pura transgressão.
Temos que mencionar a silhueta, fundamental para estudar e entender história e contexto. Os ombros, a cintura, o poder, os gilets. Mas é preciso falar também da identidade queer da produção de Mugler, naqueles tempos em que não se falava tanto disso. O látex, o mundo bondage, stilettos, dominatrixes e fetiches que ele trazia para a passarela. A cultura gay explodia com Mugler. Era um alento.
Falando de Angel, o perfume. Desde o frasco, feito uma estrela, que não fica em pé, mas deitado (depois os perfumes da Comme des Garçons fariam isso). E, principalmente, a fragrância. Feita para dar vontade de comer. Na pirâmide olfativa, baunilha, caramelo, patchuli, chocolate, maracujá, pêssego, damasco, bergamota e mandarina, me recorda um pulinho rápido no google. Lançado em 1992, posso garantir que era diferente de qualquer outro perfume no mercado ou fora dele. Uma revolução. Em sua pegada oriental e tropical, quente e abafada, nunca foi um produto para todo mundo, mas para personalidades fortes, feito aquele cheiro. Foi meu perfume por bastante tempo, mesmo no calor do Brasil. Criação de nicho, foi um campeão de vendas na perfumaria mundial, tendo aberto caminhos para outros exotismos, como o cheiro de melão em L’Eau d’Issey, de Miyake – que também usei pencas. Eu e o mundo.
E como falar de Mugler sem falar de Too Funky, o clipe para a música de George Michael que ele dirigiu em 1992? Lá estão Linda Evangelista, eternizada, o famoso corset de moto e o sofisticado look de andróide futurista prata. E Nadja Auermann, naturalmente.
Betty Lago, como se sabe, foi uma de suas musas e um de seus mais importantes artífices na interpretação de suas personagens. A grandiosa modelo brasileira de performances e presença inesquecíveis estava (não poderia não estar) no desfile comemorativo and icônico dos 20 anos da marca, em Paris. Que teve também Carmen Dell’Orefice, Veruschka, Eva Herzigova, Kate Moss, mas também Tippi Hedren e o improvável striptease da milionária e ex-guerrilheira Patty Hearst. Nem lembro como consegui aquele convite, mas lá estava eu, na plateia, “foca” do jornalismo de desfiles internacionais, começando minha trajetória, era 1995. Apavorada, panicada, de olhos esbugalhados, empoleirada junto das equipes de TV, num Cirque d’Hiver lotado, eu tive uma epifania: depois de assistir àquele desfile, eu poderia morrer.
Obrigada por tudo, Thierry Mugler.
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