Sintonia,

Sobre dedicar músicas, amar, mudar as coisas e fazer um programa de rádio por escrito.


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Julho de 2020

Escute essa canção, que é pra tocar no rádio, no rádio do seu coração. Nessa tarde do dia que de noite é foda, da madrugada nonstop de ninguém sabe mais que hora é hoje. Nesse país que vive um caos planejado pra destruir e matar, você teria um minuto pra ouvir a palavra do amor?

Hoje a programação é diferente, hoje temos pedidos especiais de músicas vindos de todas as bordas do universo, não importa o CEP. Está começando a primeira edição do Só Você, uma homenagem dessa locutora a todo mundo que já dedicou uma canção de amor nas ondas de uma estação, da internet, do pensamento ou da imaginação. Amor de paixão, de amizade, platônico, amor de trepada, amor de família, amor da vida inteira, de Carnaval, aqui vale tudo, só não vale racista e bolsonarista. Meu programa, minhas regras, não me deteste, apenas melhore.

Vamos abrir essa buena onda com o flow misterioso do nosso ouvinte Orfeu, que chega pesadíssimo com um recado pra Eurídice: “Será que você se pergunta por mim nestes dias? Penso em você quase nunca. mas quando penso, penso longe. Essa coisa toda de estar parado ainda vai me levar além”. É clima de mistério, Brasil, artista é outro pique, chama na Grécia antiga, toca essa lira safada. A música que Orfeu dedica a Eurídice é “Cavalgada”. Heavy Baile ft Luísa Sonza botando pressão? Não, migues, é aquela lá, é Roberto Carlos na caixa, meuzamô. Cavalgar por toda noite, e aí, serasse Eurídice vai furar a quarentena do Hades? Chama na pegada, Robertão:

“Usar meus beijos como açoite
E a minha mão mais atrevida
Vou me agarrar aos seus cabelos
Pra não cair do seu galope
Vou atender aos meus apelos
Antes que o dia nos sufoque”

Ouve essa, Brasil, mostra a sua cara, porque a gente tá cansado, de sufocar, de ver gente sufocar, alô, PM, deixa o povo respirar. Já dizia Gonzaguinha, a gente quer suar mas de prazer, a gente quer viver uma nação, a gente quer é ser um cidadão. É a gente geral, não só branco, entendeu? Pelo amor de Deize, vamo sair dessa, com a graça e a força de Jup. Com a luta de todes.

Quem segue vivo carrega a responsa de fazer viver também, então bora lutar, bora viver, bora espalhar vida, bora lançar mais um pedido de música pra esquentar os corações.

Mas, antes, vem cá, chega aqui. Vocês já pensaram no quanto as pessoas se comunicam com música? Ouvindo, dançando, compartilhando o mesmo som, o mesmo sol? É, meu bem, no chão, no mar, na lua, na melodia.

Então chama na lovesong, pega essa que vem suave de Hanayrá para o marido Felipe, pela comemoração do aniversário de casamento dos dois.

Quem é de axé diga axé, quem é de amém diga amém, quem é de namastê diga namastê, quem preferir só bater palmas, bata logo o Tocantins inteiro porque eles merecem. Escutem a voz de linho perfumado da Hanayrá: “Essa música é pra que a gente nunca esqueça de como o céu e suas belezas sempre nos acompanharam. Te amo, meu bem!”. Manteiga chega derreteeee, minha gente.

De Hanayrá para Felipe, vamos ouvir “Seu”, de Mayra Andrade, que, segundo explica nossa ouvinte, significa céu em crioulo cabo-verdiano. Esse programa é chiquíssimo, sim. Cata esse movimento sintonizado, decifra essa beleza, essa elegância do grande amor:

“Parsên um stréla
Stréla brilhánti
E mostrân kaminhu
Pan tchiga na mi
N’odja mundu ku álma
Álma jigánti
Na tom di distinu”

Como será o amanhã, como vai ser o seu destino, Simone, traz a bola de cristal, socorro. Bora fazer, mas antes bora sonhar também. E eu trago aqui uma mensagem muito especial do oráculo, uma dedicatória de Júlia Anadam para Felipe Rocha, Michell Lott, Rafael Costa, Anna Cro e Rafael Perazza. Prepara: “Carta do louco no tarô. Já juntamos nossas malinhas e estamos indo. Mesmo ficando em casa, nós vamos. Porque ‘ir’ é aceitar o movimento dos barcos, é deixar correr as águas internas e as águas da vida. Obrigada pela companhia em alto mar, amigos.”

Uma nota, sonhadores, qual é a música? “Movimento dos Barcos”, do incrível Jards Macalé, time do loko, guerelhon:

“Não quero ficar dando adeus
Às coisas passando
Eu quero é passar com elas
E não deixar mais que cinzas de um cigarro
E a marca de um abraço no seu corpo”

Vamo emocionar sem medo aqui, sim, que tá todo mundo maluco, sim, querendo uns bons amasso, um dengo pra chamar de seu, sim, não tô nem aí, vou até soltar a vinheta da saudade “Como num sonho bom, o som da sua voz, vai, faz”. Vai, vem, esse é o “Calor do Amor”, Mahmundi ma-ra-vi-lho-sa, amo demais essa música, afe.

Vem cá, flores do meu oceano, atenção pra esse flash de saudade e amizade da nossa ouvinte chiquíssima Joice Berth para duas amigas queridas. Aquele momento em que a memória bate e a gente abre a porta na maior alegria. Solta notícias desse fervo, Joice: “Quero mandar ‘Veja Só’, do Tibério Azul, para Fernanda Gimenez e Roberta Jereissati em nome dos velhos, mas lindos tempos!”. Conta mais, canta tudo Tibério:

“Veja só
E eu que pensei que fosse o fim
Tudo o que tinha eu revi
Mas minha alma ficou
Uma galinha a comer
Um filme pra assistir
Alguém me avisa
Mainha eu tô bem”

Avisa lá, avisa lá avisa lá, o-ô avisa lá que a Joice vai, eu também vou, todo mundo vai amar quando a gente puder dizer, micróbio, se saia que eu tô vacinada e pronta pra encontrar meu povo, pra comer, pra dançar, pra rodar por aí. Um beijo, amiga, leiam Joice Berth, minha gente!

Amizade é coisa preciosa, amigues vocês sabem onde devem guardar porque Milton Nascimento ensinou, não se esqueçam. Escute Milton, escute o bonde do Clube da Esquina, escute mais Milton, ele deixa tudo bonito, bota massa de amor no coração, inventa o cais pra gente se soltar.

E a próxima ouvinte perdeu uma amiga muito amada. Se puder, dedique um minuto de pensamento a todo mundo que perdeu alguém nesses tempos tão difíceis, mostre respeito, deseje força. Que as vidas dessas pessoas sejam lembradas e celebradas. E que a gente agradeça a quem está perto de nós hoje, seja como for.

De Liana para Lucas, um som incrível do disco novíssimo do Negro Leo, Desejo de Lacrar, projeto conceitão lindo sobre transgressão, validação, vaidade e outros babados. “Eu vou dedicar pro Lucas, que vive esses dias loucos comigo. Dedicaria o disco todo, mas se tem que escolher fico com essa”. Então vamos de “Tudo é Feito pra Gente Lacrar”. Um brinde a Liana, Lucas e aos amigos, que são infinitos em cada detalhe tão pequeno de nós todos, em cada cantinho de nossas cidades imaginadas:

“As vozes que pintam
No vácuo das bombas
Que abriram buracos
Pro abismo do Cosmo
Ecoam forte
No fundo no fundo do metrô”

Antes do próximo bloco um espaço para os nossos patrocinadores afetivos. Gente que torna o dia-a-dia mais daóra, gente que inspira e espalha energia, que não foge da briga, que dá seus tapa pra peteca de geral não cair. Sintoniza aqui comigo:

Salve @memeriagourmet, faz tudo em memes pra você. Gosta de poesia? Acesse @opoemaensinaacair e use frases dos outros pra falar das suas coisas. Quer conhecer a palavra dos cria? Siga agora @funkeiroscults, mais de 170 mil usuários satisfeitos no Instagram. Quer concorrer a itens doados por artistas foda e ajudar um projeto social de alimentação popular? Compre sua rifa em @lutecomoquemcuida.

Voltamos para o último bloco do nosso Só Você, e, para, para, para tudo que tocou a sirene do momentinho existencial. Corre aqui que eu perguntei pra ouvinte “quenhé você” e ela respondeu “eu”. Aí eu disse pra quem é a música, amada? E ela: “pra mim”. Eu acho, bora ter compromisso com a gente, certo, vamos nos permitir?: “Oi eu, sou eu também. Gostaria de te/me enviar ‘Running up that Hil’l da Kate Bush. Porque “It’s you and me, won’t be unhappy”. E vamos de Kate bruxona, bailarina, dando um toco nas infelicidades, vem, vem, sobe, meu anjo, avoaaaa:

“You don’t want to hurt me
But see how deep the bullet lies
Unaware that I’m tearing you asunder
There is thunder in our hearts”

Não entendeu nada, meu vagalume? Pois aqui também tem a hora das letras livremente traduzidas. Pega na mão da teacher e vamo de novo, alá:

“Você não quer me machucar
Mas veja o quanto a bala entrou fundo
Sem saber estou te despedaçando
Faz trovão em nossos corações”

Yeah, yeah, oh, tô muito animada aqui, anjos, mas tá na hora de fechar a conta por hoje. Deixando no ar os nomes dos ouvintes Karen Cunha e Guilherme Falcão, que pegaram no telefone e desligaram na cara da locutora, vocês acham isso bonito só porque são famosas na noite? Bonezinho do truque nelas kkkkkk, a rua vai cobrar.

E pra encerrar, é minha vez de dedicar uma canção, que vai pra todes que me escutam faz tempo, que ouvem minha voz até por escrito, pras pessoas que me inspiram sem saber e em especial pras companheires de Elle Brasil (saudades, karaokelle!). Obrigada por existirem, nem sempre consigo, presepo como todo mundo, mas tento dar o meu melhor nessa troca muito louca da vida.

Antes vou contar uma história. Era uma vez eu e meu colega de perua escolar. Um dia ele viu a menina que ele gostava pela janela da perua, bateu no vidro, ela não viu que ele tava olhando. Mesmo assim ele começou a cantar uma música pra garota, de dentro da perua. Uma parte da pirralhada ficou quieta, outra começou a zuar.

Ele continuou até o refrão, quem olhasse de fora provavelmente veria um maluco com a boca mexendo, fazendo gestos de apaixonado. A perua saiu, ele disse alguma coisa tipo, ela é demais e abriu maior sorriso, nem ligou pra nada. Lembro que fiquei com ciúme, mas mais do que isso, fiquei muito impressionada com aquilo. Durante muito tempo não soube explicar, mas nunca esqueci. Anos depois, já adulta, essa memória voltou e percebi que não era sobre ele, que eu queria aquilo, aquele lance extraordinário que tava acontecendo dentro de uma kombi, aquele feeling, aquela intensidade meio besta meio incrível de um garoto de 12 anos tomado por uma energia de viver, sem culpa, sem vergonha.

A música dessa declaração juvenil era “Só Você”, do Vinicius Cantuária, bem oitentona, que eu resolvi usar pra batizar esse lance aqui entre a gente.

Encerro pedindo pra que vocês se cuidem, cuidem dos outros, lutem junto. Em terra de urubu biônico sejam passarinho e protejam com todas as forças o direito de todes a essa súbita e indisfarçável vontade de cantar.

“Demorei muito pra te encontar
Agora eu quero só você
Teu jeito todo especial de ser
Fico louco com você
Te abraço e sinto
Coisas que eu não sei dizer
Só sinto com você
Meu pensamento voa de encontro ao teu
Será que é sonho meu?
Tava cansado de me preocupar
Tantas vezes eu dancei
E tantas vezes que eu só fiquei
Chorei, chorei
Agora eu quero ir fundo lá na emoção
Mexer teu coração
Salta comigo alto e todo mundo vê
Que eu quero só você”

As músicas de hoje, outras versões, faixas bônus e outros babados estão no Spotify em:

Só você é oferecido por

Um beijo,

V.

Vivian Whiteman, jornalista e psicanalista, é editora especial da ELLE e escreve sobre moda, sociedade e comportamento.

Ilustração: Marcela Scheid

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