“Via que me olhavam com raiva e eu também transferia essa raiva”

Capa da edição especial ELLE Men, o rapper Baco Exu do Blues rejeita o estereótipo de "jovem negro e violento" e mostra que não tem medo de expor suas vulnerabilidades.


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Foi de sua Salvador natal que Baco Exu do Blues conversou com a ELLE Men, segurando, do outro lado da tela, um urso de pelúcia. “É meu parceiro, o Baquinho! O grande Baquinho!”, apresentou. Um dos principais nomes da cena de rap nacional, Diogo Moncorvo, 26 anos, é cheio de surpresas e foge da imagem do MC com a qual nos acostumamos no cenário brasileiro.

Baco não tem medo de expor suas vulnerabilidades em suas composições e declarações. “Não é que eu não seja forte, mas não preciso ser assim o tempo todo. Não preciso falar de força sempre”, diz. Vaidoso, também não se priva de se mostrar nas redes sociais. Uma foto sua no Instagram, onde tem quase 2 milhões de seguidores, chega a ter mais de 300 mil curtidas e quase 5 mil comentários (elogios, na verdade).

Seus números e feitos na música não ficam atrás. Quantas vezes você já foi amado? (2022), o terceiro álbum de sua carreira, alcançou 2 milhões de streams no Spotify em menos de 24 horas e ocupou o quinto lugar na lista da plataforma dos mais ouvidos do planeta em janeiro. O curta Bluesman (2018), inspirado em seu segundo disco, de mesmo nome, ganhou o Cannes Lions na categoria entretenimento para música, dividindo a premiação com Childish Gambino, com This is America, e superando Beyoncé e Jay-Z com a superprodução Apeshit. Com sua estreia, Esú (2017), foi indicado pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) ao prêmio de artista revelação, disco do ano e música do ano (“Te amo, disgraça”).

A inspiração para suas letras, como Baco conta na entrevista que você lê a seguir, vem também de livros, de Graciliano Ramos a Dostoiévski, que cresceu lendo – sua mãe é professora de literatura. Na outra ponta, ele revela seu amor pela música pop – em junho, lançou uma faixa com Luísa Sonza, “Hotel caro”, que chegou ao topo das músicas mais ouvidas do Spotify no Brasil. Baco também fala sobre temas sensíveis, como saúde mental, racismo e intolerância religiosa, de peito aberto e com o Baquinho nas mãos.

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Camisa e calça, ambos SoulBasic. Tops, Dario Mittmann.Tênis, Louis Vuitton.Foto: MAR+VIN | Edição de moda: Marcell Maia

Nesta edição, estamos discutindo a desconstrução das masculinidades. Como você se vê inserido nesse debate?
O (disco) Bluesman tem muito sobre essa questão, sobre esse lugar que nos colocam. Existe uma masculinidade branca e uma preta. Isso é muito legível para mim. A galera muito guardinha não entendeu: “Tá falando sobre outras coisas, não tá gritando tanto, não tá mais agressivo”. E eu acho que é justamente sobre isto: o estereótipo do homem negro é agressivo, violento, animalesco, forte, uma ameaça, mau, burro, sem razão. Não queria ser tachado como burro nem como ameaça. Sou uma pessoa que sofre ameaças raciais. Vivi minha adolescência com isso que jogaram em mim, “o jovem negro e violento”, que é uma forma de defesa também, claro. Se você não assume isso, acaba sendo triturado pelo mundo. Não é uma crítica, mas, no momento em que consegui adquirir recursos, conhecimento e tomar caminhos para sair desse lugar, quis deixá-lo e falar sobre esse processo para os outros.

“O olhar que você nunca esquece na vida é quando entende que as pessoas não te enxergam como uma criança, mas como uma ameaça.”

Qual foi o impacto disso na sua vida?
Lembro que era uma criança muito amável, muito carinhosa, muito atenta a tudo à minha volta. Mas, no fim da minha infância, já era muito puto da vida, tá ligado?! Via que as pessoas me olhavam com raiva e eu também transferia essa raiva. As pessoas tinham medo de mim e, aparentemente, eu tinha que justificar o medo que elas sentiam. Eu falo que o olhar que você nunca esquece na vida é quando entende que as pessoas não te enxergam como uma criança, mas como uma ameaça. A primeira vez que você identifica esse olhar é uma das paradas mais bizarras no mundo, e isso sempre vai te acompanhar se você for uma pessoa negra. A não ser que você faça muita terapia. (Risos)

Qual a importância da terapia na sua vida?
Tive um problema no início da terapia. Achava um bagulho muito branco, e não no sentido de não ser para as pessoas negras. Tive problema de achar uma pessoa que funcionasse comigo e, por isso, passei por várias terapeutas. Tem uma definição boa de psicanálise: “Os traumas são feitos por feridas”. O fato de não cuidar de um trauma pode te trazer algo mais sério. Para mim, todas as pessoas negras teriam de fazer terapia, pois todas passaram por traumas muito fortes. Tem o corre de conquistar a autoestima, reconquistar a autoconfiança e, até a gente perceber isso, projetamos esses problemas em mil outros lugares. Nós temos o trauma do racismo, além dos outros traumas, independentemente de classe social e qualquer coisa.

Na foto que abre a reportagem, Baco veste macacão de Rafael Caetano.

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