Calar-se é posicionamento equivocado, diz Jesuíta Barbosa

Astro de Pantanal fala sobre política e personagens transgressores e borra as fronteiras entre masculino e feminino em ensaio para a ELLE Men.


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Jesuíta Barbosa encontra a ELLE Men em um domingo, o único dia possível na rotina do ator, que protagoniza, desde março, Pantanal, novela que o colocou sob os maiores holofotes de sua carreira. Mas ele vem convivendo com Jove, personagem que interpreta no remake da trama de Benedito Ruy Barbosa, desde julho do ano passado, quando começaram as gravações do folhetim, que já quebrou recordes de audiência no horário nobre da Globo.

Talvez pelo tempo de trabalho, talvez por uma simbiose natural entre ator e personagem, Jesuíta guarda algumas semelhanças com Jove. “Ele é essa figura mais delicada, tímida, mas tão corajoso quanto eu sou na vida”, diz. O filho sensível de José Leôncio (Marcos Palmeira) parece sempre disposto a desconstruir preconceitos do pai e dos peões que o cercam, enquanto vive um romance arrebatador com Juma (Alanis Guillen), depois de ter sua sexualidade muito questionada por eles. “A gente cresce assistindo TV, novela e, de repente, me vejo nessa nova realidade”, diz, referindo-se a Pantanal.

Jesuíta, 31 anos, cresceu no sertão pernambucano, começou a fazer teatro em Fortaleza, percorreu o Ceará encenando um espetáculo queer com o coletivo As Travestidas, de Silvero Pereira (que reencontrou no elenco da novela), até cair nas graças do cinema nacional. Na tela grande, estreou com prêmios ao viver o militar gay de Tatuagem (2013), de Hilton Lacerda, que se envolve com o líder de uma trupe teatral, interpretado por Irandhir Santos (outro reencontro proporcionado pelo folhetim). Na TV, participou de algumas das produções mais interessantes dos últimos anos, como O Rebu (2014) e Justiça (2016).

A corajosa galeria de personagens de Jesuíta também inclui Shakira do Sertão, a cantora transformista da série Onde nascem os fortes (2018), e Thomas Newton, o extraterrestre atormentado de Lazarus (2019), peça coescrita por David Bowie e Enda Walsh e encenada por Felipe Hirsch no Brasil.

No domingo com a nossa equipe, Jesuíta vestiu looks que borram as barreiras entre o guarda-roupa masculino e o feminino, o que ele gosta e está acostumado a fazer. Também ficou nu sem pudor, como fazem os grandes atores, entre uma equipe de quase 20 pessoas, usando apenas uma joia. A seguir, leia um trecho da entrevista publicada na ELLE Men, edição impressa especial.

Como você tem lidado com a exposição provocada pela novela? Como é o reconhecimento na rua?
É engraçado passar na rua e a pessoa não dizer nada, só abrir um sorriso. Isso me deixa tão feliz. O que mais gosto é a reação da criança, porque ela olha, mas não consegue discernir. Tem alguém que ela conhece, mas ela não lembra de onde, se é da TV. Tenho lidado muito bem com a exposição. Acho que consigo voltar para o meu (eu) menino com esse contato com o público, de brincar com a pessoa, de tirar foto para mim também. Isso me faz bem.

Dá para reconhecer um pouco de você no Jove, na sua preocupação em discutir temas atuais, em romper com preconceitos. Você também se vê na personagem?
Acho que fiquei muito próximo da personagem e isso é tão bom quanto perigoso. Às vezes a gente começa a se confundir. Jove é essa figura mais delicada, tímida, mas tão corajoso quanto eu sou na vida, sabe? Você está certa. Eu colei nele. Também por estar fragilizado, na minha rotina, na minha condição de vida. Acho que todo mundo ficou assim, na verdade, nesses últimos anos. A gente acabou ficando mais vulnerável a tudo, pensando em saúde, em contato social. Acabou que essa fragilidade humana, essa delicadeza, foi para o Jove também.

Na primeira versão da novela, havia um foco na nudez feminina, nos banhos de rio. Nessa, o cerne são os peões, a erotização é masculina. Isso seria uma avanço feminista? Qual é a sua leitura?
Vou te dizer que eu adoro ver. (Risos) Acho que a gente teve uma modificação imagética por causa dessa discussão toda do poder feminino, dos movimentos estadunidenses que apareceram nos últimos anos. Aqui a gente tem o “Deixa ela em paz” e muitos outros. Mas acho que isso, na verdade, é uma retomada do poder que sempre foi feminino.

Você viajou com um espetáculo queer pelo Ceará, mais de uma década atrás. Acha que caminhamos desde então em relação às pautas que envolvem a comunidade LGBTQIAP+? Houve retrocessos nesse governo?
Olha, a gente evolui naturalmente. A natureza vai sempre numa direção. Acho que não tem nenhuma antievolução. A gente está sempre caminhando para algum lugar, seja ele bom, seja ele ruim. Agora, falando de política partidária, sobre esse governo, que tem sido completamente desumano, a gente acabou regredindo em política pública. Acho que daqui a pouco a gente vai modificar isso, vai conseguir colocar um estadista à frente do governo que vai olhar pelo povo. A gente vai ter um governo novamente nordestino, que acho que é de onde realmente vem nosso movimento cultural e nossa revolução social.

“Alguma coisa sempre vai ser política, inclusive o se calar ou achar que você está em uma posição neutra. Isso é também se posicionar, mas de uma forma equivocada, porque aí você não diz nada e acaba sendo conivente com um dos lados.”

Ia perguntar se você pensa em declarar o seu voto, mas você acabou de fazer. Você acredita que é dever do artista se posicionar?
A gente tem que tomar posição. Não tem como não se posicionar quando você se abstém de discutir qualquer coisa. Alguma coisa sempre vai ser política, inclusive o se calar ou achar que você está em uma posição neutra. Isso é também se posicionar, mas de uma forma equivocada, porque aí você não diz nada e acaba sendo conivente com um dos lados. Esse país virou uma divisão de dois lados, infelizmente. Ou tem o sim ou tem o não. Isso é pobre para a inteligência da discussão das coisas. Principalmente por isso, a gente precisa entender que não dá para não discutir, não observar quem é que está se candidatando, o que aconteceu nos últimos anos, como as coisas se confundiram, como a mentira tomou importância no país, como a gente perdeu a razão e a consciência sobre as coisas. Mas acho que as pessoas já entenderam isso, consciente ou inconscientemente, e isso vai se modificar. A razão vai voltar a existir.

Na foto no alto, Jesuíta Barbosa veste top, Osklen; casaco, Prada; calça, Weider Silverio, sapatos, Emporio Armani. Edição de moda: Lucas Boccalão

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