Leia Mulheres: projeto valoriza a produção intelectual feminina e dá 9 dicas de leitura
Completando seis anos neste mês, a iniciativa já levou clubes de leitura a todo o Brasil. Neste 8 de março, convidamos o Leia Mulheres para indicar livros que todos precisam conhecer.
Em 2014, a autora e ilustradora inglesa Joanna Walsh popularizou nas redes sociais a hashtag #readwomen2014, um projeto pessoal que consistia em ampliar seu contato com a produção de mulheres na literatura. A iniciativa despertou o entusiasmo e o interesse de Juliana Gomes aqui no Brasil, que, em 2015, convidou suas amigas Juliana Leuenroth e Michelle Henriques a transformar a campanha em clubes de leitura em São Paulo.
“As mulheres são menos publicadas. Quando conseguem ser publicadas, são menos divulgadas, menos premiadas, menos reconhecidas”, afirma Juliana Leuenroth, coordenadora do projeto. O projeto Leia Mulheres surgiu a partir do encontro dessas três amigas com interesses em comum: feminismo, paixão pela literatura e o desejo pela transformação. Completando seis anos neste março de 2021, a iniciativa se consolida como uma rede potente composta por mais de 300 mediadoras distribuídas em mais de 160 municípios em todos os estados do Brasil e também no exterior, como em Portugal, Suíça e Alemanha.
Um pouco de contexto
Para entender a importância do projeto, vale resgatar alguns resultados coletados a partir de uma pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, vinculado à Universidade de Brasília (UNB), que mostram que mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras entre 1965 e 2014 foram escritos por homens. Além disso, 90% foram escritos por pessoas brancas e pelo menos metade vem do eixo Rio-São Paulo. A pesquisa ainda apontou que, em 115 anos de existência do prêmio Nobel de Literatura, apenas 13 mulheres foram vencedoras, e que entre os 40 membros da Academia Brasileira de Letras, atualmente só cinco são mulheres (Rachel de Queiroz, a primeira a ocupar um dos postos, em 1977, só conquistou a cadeira 80 anos depois da criação da instituição).
Os dados também mostram que a maioria dos romancistas brasileiros publicados por grandes editoras são homens brancos, heterossexuais, de classe média e moradores de grandes cidades. E, como era de se imaginar, os personagens dos livros refletem esse cenário: 60% das 692 histórias analisadas pela pesquisa são protagonizadas por homens, sendo 80% brancos e 90% heterossexuais. Vale notar que mulheres e homens negros são absurdamente sub-representados tanto quando olhamos para os autores (2%) quanto para os personagens (6%). Dentre as obras analisadas, apenas seis traziam mulheres negras como protagonistas e outras duas como narradoras.
Construção em rede
O primeiro encontro do Leia Mulheres aconteceu em São Paulo e o livro escolhido foi “A redoma de vidro”, de Sylvia Plath, que havia acabado de ser lançado no catálogo da editora Biblioteca Azul, que se encontrava fora de circulação há 15 anos. “Apesar de Sylvia Plath ser conhecida pelas poesias, este é um livro superimportante na trajetória da escritora”, diz Juliana Leuenroth sobre o único romance da escritora.
Com o sucesso da primeira edição, mas sem grandes pretensões de se tornar um grande projeto, o Leia Mulheres alcançou outras cidades por incentivo de pessoas que acreditaram no potencial do projeto. Da capital paulista, ele seguiu para o Rio de Janeiro. Na sequência, chegou a Curitiba e, depois disso, nunca mais parou. “A gente fechou o primeiro ano com quase 30 cidades, foi surreal. A coisa foi crescendo de uma forma muito orgânica e tudo é trabalho voluntário, até hoje. As pessoas vão se entusiasmando com o projeto e nós vamos ajudando”, diz Juliana Leuenroth, 36 anos, que é assistente de marketing e livreira.
No começo, elas criaram uma página no Facebook e por lá se surpreenderam com o número de pessoas solicitando a realização em suas cidades. Diante da grande procura, foi necessário desenvolver uma metodologia para agregar e acolher o máximo de pedidos sem perder os princípios. “O clube, apesar de horizontal, segue algumas diretrizes básicas por compreender que cada cidade tem sua particularidade. O encontro precisa ser realizado em um espaço aberto e também tem que ser aberto ao público. Homens podem participar do clube, mas somente mulheres podem ser mediadoras. A escolha do espaço deve ser de fácil acesso. O livro escolhido deve respeitar alguns critérios como não ser caro e nem ser um título esgotado”, explica Juliana Leuenroth. “A grande maioria de mediadores e curadores são homens, pensar em uma metodologia é um jeito de valorizar e priorizar, incentivando mulheres que antes não eram vistas, tampouco reconhecidas”.
A importância de uma iniciativa como essa é não apenas fazer com que mais pessoas conheçam e consumam obras assinadas por mulheres, mas reafirmar que “as mulheres podem escrever sobre qualquer coisa”. “Há muito tempo, a literatura feita por mulheres é colocada na caixinha de literatura feminina, como uma coisa menor, que só mulher lê e que só vai tratar de assuntos de interesse de mulheres, muitas vezes tratados como algo inferior”, aponta Juliana que emenda contando sobre o atual momento do projeto. “Atualmente, a nossa missão tem sido colocar um olhar para a diversidade, mostrar a importância de ler mulheres de variadas realidades. As mulheres partem de pontos de partidas diferentes, têm vivências diferentes no mundo e conhecer essa diversidade é muito importante, ainda mais no mundo que a gente está vivendo hoje”, finaliza ela.
Neste 8 de março, convidamos o Leia Mulheres para compartilhar algumas dicas literárias. Confira abaixo as obras escolhidas, siga o Leia Mulheres no Instagram e conheça o site caso queira levar o projeto para a sua cidade.
A Redoma de Vidro”, de Sylvia Plath
Livro A Redoma de Vidro”, de Sylvia Plath
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Temos um carinho especial por esse livro, pois foi com ele que começamos o Leia Mulheres. Ele é um dos primeiros livros a tratar abertamente da depressão e dos estragos que ela causa na vida de uma jovem que tem um futuro brilhante pela frente e não consegue dar conta.
“As coisas que perdemos no fogo”, de Mariana Enriquez
Livro “As coisas que perdemos no fogo”, de Mariana Enriquez
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Somos fãs do que as mulheres argentinas têm feito na literatura e Mariana é o principal nome para nós. Nos contos desse livro, ela traz a violência cotidiana das cidades, um pouco das crenças e uma lembrança do que a ditadura fez com as pessoas.
“Confissões do Crematório”, de Caitlin Doughty
Livro “Confissões do Crematório”, de Caitlin Doughty
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A morte ainda é um tabu, não parecemos prontos para falar dela. Mas Caitlin sim. Neste livro, ela conta a sua relação com a morte e bate na tecla de que devemos normalizá-la. Como podemos ter medo daquela que é a nossa única certeza?
“Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”, de Ana Paula Maia
Livro “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”, de Ana Paula Maia
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Ana Paula Maia, assim como Mariana Enriquez, usa a crueza do ser humano para criar suas histórias. O terror reside justamente em vermos como as pessoas podem ser frias para sobreviverem. Uma das melhores autoras contemporâneas que temos.
“Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus
Livro “Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus
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A boa literatura não é apenas aquela escrita por homens brancos acadêmicos. Uma mulher negra e favelada escreveu uma das obras-primas da nossa literatura. Ao narrar sua vida difícil, com uma linguagem ao mesmo tempo dura e poética, Carolina Maria de Jesus nos presenteou com um do livros mais importantes para entendermos o Brasil.
“A mão esquerda da escuridão”, de Ursula Le Guin
Livro “A mão esquerda da escuridão”, de Ursula Le Guin
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Ficção cientifica escrita em 1969, homens e mulheres estão em um mesmo ser. Sendo assim, ela questiona, além do capitalismo e o poder dele sobre nossos corpos, a questão de gênero e relações não heteronormativas.
“Kindred”, de Octavia Butler
Livro “Kindred”, de Octavia Butler
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O livro começa com a frase “Comecei a escrever sobre poder porque era algo que eu tinha muito pouco”. Essa distopia escrita em 1979 pela autora Octavia Butler mexe no passado e nos faz pensar para revermos o presente e o futuro.
“Ursula”, de Maria Firmina dos Reis
Livro “Ursula”, de Maria Firmina dos Reis
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Primeiro romance escrito por uma mulher no Brasil (1859) foi feito por uma mulher negra e maranhense. Ele é precursor da literatura abolicionista, que ficaria famosa só anos depois com Castro Alves e Luis Gama. Livro que ficou esquecido por muito tempo, mas é daqueles clássicos gostosos de ler e reparar nas entrelinhas seus questionamentos sociais.
“O livro das semelhanças”, de Ana Martins Marques
“O livro das semelhanças”, de Ana Martins Marques
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Todos os livros da Ana Martins Marques caberiam nesta lista, é como se a autora conversasse conosco a cada poema. Por favor, pegue seu café/chá ou vinho e venha conversar com ela também.
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