“O espírito da floresta” traz legado do povo yanomami

Livro traz nova parceria entre o líder indígena Davi Kopenawa e o antropólogo francês Bruce Albert e conta com fotos de Claudia Andujar.


Davi Kopenawa e Bruce Albert Beto Ricardo/ISA



Não existe tema mais urgente hoje no Brasil do que a proteção aos povos indígenas e a preservação ambiental. Em meio ao combate do garimpo ilegal no território do povo yanomami e a crise sanitária a qual estavam submetidos com a desassistência do governo anterior, o xamã e líder indígena Davi Kopenawa, junto ao antropólogo francês Bruce Albert, lançam o livro O espírito da floresta (Companhia das Letras, 232 págs).

O compilado de reflexões e saberes sobre a floresta, seus encantos, seus ancestrais, sobre o que não enxergamos da natureza e as tradições ameaçadas pelo homem branco e pelo desmatamento é um instrumento poderoso para quem deseja se aprofundar na história, na cultura e no legado dos indígenas Yanomami.

o espirito da floresta

“A terra da floresta possui um sopro vital, wixia, que é muito longo. O dos seres humanos é curto: vivemos e morremos depressa”, escreve Kopenawa no primeiro capítulo do livro. “Se não a desmatamos, a floresta não morre. Ela não se decompõe. É graças a seu sopro úmido que as plantas crescem. Quando estamos muito doentes, em estado de fantasma, esse sopro também nos ajuda a nos curarmos… Você não vê o sopro dela, mas a floresta respira”, continua.

As palavras do também presidente fundador da Hutukara Associação Yanomami (HAY) são um convite para adentrarmos a floresta, de peito aberto, sentirmos sua potência e possibilidades, e para entendermos a condição sine qua non de estarmos vivos. “É ela que nos faz mexer”, diz o xamã.

Na obra, Davi Kopenawa e Bruce Albert repetem a parceria de oito anos atrás, quando escreveram a quatro mãos A queda do céu (Companhia das Letras), um impactante relato sobre a vida do povo Yanomami e um manifesto contra a destruição da Floresta Amazônica.

“É possível que vocês tenham ouvido falar de nós. No entanto, não sabem quem somos realmente. Não é uma boa coisa” Davi Kopenawa

O livro é dividido em 16 capítulos com textos intercalados entre os autores. O antropólogo francês relembra sua primeira incursão a Roraima, em 1975, com os Yanomami do rio Catrimani, quando fazia doutorado em antropologia. Nessa mesma época em que se deu o encontro com Kopenawa, Albert conheceu a fotógrafa Claudia Andujar – muitas das imagens do livro são de autoria dela –, da onde surgiria uma amizade e parceria. Os dois estiveram juntos em 1978, na criação da Comissão Pró-Yanomami (ccpy), a primeira campanha internacional de apoio aos direitos territoriais daquele povo – em 1992, houve a demarcação e a homologação da Terra Indígena Yanomami.

Além de seus relatos biográficos, o antropólogo destila seu conhecimento sobre as particularidades da dinâmica da floresta, proveniente de décadas de estudo e trocas com os Yanomami.  “… essas vozes xamânicas nos fazem entender que a proteção das florestas e o futuro da vida no planeta passam por uma renúncia ao nosso mito utilitarista de uma ‘natureza’ separada da humanidade, da qual seríamos ‘donos e possuidores’ até transformá-la em deserto enquanto, por remorso, museificamos alguns de seus últimos fragmentos ‘selvagens’”, escreve.

A gente só preserva o que, de fato, conhece, daí a importância de ler Kopenawa. “É possível que vocês tenham ouvido falar de nós. No entanto, não sabem quem somos realmente. Não é uma boa coisa. Vocês não conhecem nossa floresta e nossas casas. Não compreendem nossas palavras. Assim, era possível que acabássemos morrendo sem que vocês soubessem”, alerta ele.

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