Os 40 anos de “Thriller”
Como o disco de Michael Jackson transformou a indústria musical.
A primeira música de Thriller que o mundo conheceu chegou cerca de um mês antes do lançamento do álbum. Dueto com Michael Jackson e Paul McCartney, “The girl is mine” estava marcada para estourar, dado o prestígio dos envolvidos.
Para muitos, foi uma decepção. Michael Jackson, que havia sacudido o cenário com seu excelente álbum anterior, Off the wall (1979), abria seu esperado novo trabalho com uma canção agradável, mas insípida. Na época, a Rolling Stone classificou o single como careta e “frouxo”.
Não era possível imaginar o que aconteceria em seguida. Lançado mundialmente em 30 de novembro de 1982, Thriller era um disco poderoso, inovador, variado e cravejado de sucessos. Vinha apoiado por um investimento sem precedente em marketing, videoclipes e promoção.
Entre o lançamento e abril de 1984, Thriller ficou 37 semanas não-consecutivas no primeiro lugar da Billboard nos Estados Unidos.
“Basicamente, eu fiz o álbum e depois fiquei acompanhando com tranquilidade”, diria Michael Jackson em uma entrevista à TV australiana, em 1987, sobre o desempenho do disco. “Era um dos meus sonhos. Eu sabia que ele teria esse resultado”.
Quarenta anos depois, ele ainda é o álbum de artista mais bem-sucedido da história. Segundo a RIAA (Recording Industry Association of America), o disco vendeu 34 milhões de unidades até 2021 nos EUA – estima-se que são 70 milhões de cópias mundialmente. Com o lançamento de uma edição especial para comemorar os 40 anos de seu lançamento, o álbum voltou ao top ten estadunidense.
A seguir, oito fatos sobre como Thriller mudou a indústria musical.
Sonoridade de milhões
“Queríamos que o padrão sonoro de Thriller desse uma recarga na indústria”, afirmou Bruce Swedien, o engenheiro de som do álbum. Esse padrão era de uma produção muito caprichada que se utilizava da melhor tecnologia de estúdio e instrumentação disponível para a época. Os músicos eram todos veteranos de gravação, incluindo membros das bandas Toto e Earth, Wind & Fire (além do percussionista brasileiro Paulinho da Costa, presente em muitos álbuns do período). A produção era de Quincy Jones, formado no jazz e com larga experiência de trilhas sonoras, com quem Michael Jackson havia trabalhado em Off the wall. O repertório era abrangente, com pop, funk, rock e dance music, algo pouco comum em uma época de gravações mais segmentadas. Thriller foi gravado em dois meses, segundo contaria depois Jones, que fazia a equipe passar noites em claro até conseguir o take ideal. Depois de pronto, o resultado trouxe dúvidas. Quincy Jones voltou para a mesa de som e remixou tudo mais uma vez.
Lançamento mundial
A gravadora estadunidense de Michael Jackson (Epic/CBS) programou o lançamento de Thriller para diversos territórios simultaneamente. Esse tipo de estratégia era incomum para a época, ainda mais em um mundo bem menos globalizado e preso a formatos físicos. Com isso, a gravadora precisou assegurar que fábricas de disco ao redor do mundo tivessem condições de prensar o lançamento na mesma época. Um dos motivos por trás da decisão era de que como o álbum era muito aguardado, filiais da gravadora em países como Japão e Reino Unido poderiam ter as vendas prejudicadas pela importação em grande quantidade de cópias de Thriller, afirmou à Billboard um executivo da gravadora na época do lançamento. A prática se tornou padrão na indústria fonográfica a partir de então.
Mais hits por metro quadrado
O padrão da indústria anglo-americana da época, e repetido em países como o Brasil, geralmente previa quatro tentativas de sucesso por álbum, ou seja, faixas que seriam lançadas em single e trabalhadas nas rádios. Algumas faixas davam mais certo, então um álbum com dois hits entre as dez mais da parada estadunidense era considerado um bom desempenho. Já com Thriller, a gravadora emplacou sete hits no ranking: a faixa-título, “Billie Jean”, “Beat it”, “Wanna be startin’ something”, “The girl is mine”, “Human nature” e “P.Y.T. (Pretty Young Thing)”. Isso significou que um ano e meio depois de seu lançamento, Thriller seguia gerando sucessos que contribuíam para as vendas do álbum. A partir daí, diversos astros pop passaram a tentar extrair mais de seus álbuns. Alguns, como Bruce Springsteen e Janet Jackson, também conseguiram emplacar muitos hits de um mesmo lançamento.
Salvando a indústria
No início dos anos 1980, as indústrias fonográficas estadunidense e britânica viviam tempos de crise. A explosão de vendas proporcionada pela onda da disco music na segunda metade dos anos 1970 não havia sido sucedida por nada equivalente. Era um tempo de retração e muitas demissões. O estrondoso sucesso de Thriller, com seu repertório eclético e vídeos impactantes, levantou a gravadora Epic/CBS da sua má fase. Estabeleceu assim um padrão de “superlançamentos” seguido nos anos 1980, com muito mais investimento em clipes, publicidade, turnês e exposição do artista na mídia. O modelo foi seguido com sucesso nos anos seguintes por Madonna, Prince e George Michael, estabelecendo um panteão de mega estrelas da década, que rendeu muito dinheiro à indústria da música.
Investimento em videoclipes
No começo dos anos 1980, bandas britânicas abraçaram com entusiasmo a prática de fazer clipes, o que lhes permitiu ocupar a grade da nascente MTV e fazer sucesso nos EUA. Em geral, os artistas estadunidenses demoraram um pouco mais para aderir, mas Michael Jackson sempre entendeu que o vídeo era um componente fundamental da sua estratégia promocional. Neles, poderia mostrar não só sua música, mas sua habilidade como dançarino. Seus clipes elevaram o patamar da produção de vídeo, em especial “Beat it”, com suas coreografias complexas, e Thriller, com 14 minutos de duração e direção do cineasta John Landis (na época, um nome em evidência por ter feito sucessos de bilheteria como Trocando as bolas, 1983, e Irmãos Cara de Pau, 1980). O orçamento para o clipe da faixa-título era algo sem precedentes: enquanto que se gastava em média de 30 a 40 mil dólares por clipe, o custo do clipe de Thriller chegou perto de 1 milhão de dólares (mais caro que o orçamento de produção do álbum em si, que ficou em torno de 750 mil dólares).
A importância da coreografia
Na época de Thriller, clipes musicais se baseavam muito em performances do artista ou banda, tocando em cenários produzidos especialmente para a ocasião. Em vídeos como “Beat it” e “Thriller”, Michael Jackson apresentou uma nova possibilidade: números complexos de coreografia em que diversos dançarinos preenchem a cena ao lado do artista. Foi uma inovação do rei do pop que se tornou recurso clássico de clipes do pop estadunidense, de Madonna a Britney Spears, de Janet Jackson a Beyoncé. Michael Peters, coreógrafo da Broadway que trabalhou com Michael Jackson nos vídeos citados, depois se tornaria um nome requisitado do pop, assinando números para nomes como Billy Joel e Earth, Wind & Fire.
Michael Jackson em 1982 Ron Galella Collection/Getty Images
Quebrando a barreira racial
Nos EUA, o início dos anos 1980 era uma época musicalmente muito segmentada, para não dizer segregada. Rádios dedicadas à música pop e rock praticamente não tocavam artistas negros. A recém-lançada MTV também não tocava clipes de artistas negros por achar que seu público não aceitaria. Por consequência, as gravadoras direcionavam lançamentos de funk e soul ao público negro. Diferentemente dos anos 1970, com a era disco, eram raros os artistas negros entrando na lista de mais vendidos. Com Thriller, Michael Jackson mudou tudo isso: ao pensar no álbum como disco de pop, e não de black music, conseguiu alta rotação na MTV e arrebentou em rádios e paradas de vários segmentos. As parcerias com Paul McCartney (“The girl is mine”) e Eddie Van Halen (“Beat it”) foram importantes para garantir esse alcance.
Michael Jackson na conversa
Thriller e Michael Jackson reinaram sobre a cultura popular de uma maneira avassaladora ao dominar lojas de disco, rádio e televisão. Quando o Fantástico (Rede Globo) anunciava a estreia de um novo clipe de Michael Jackson, era um evento de grandes proporções. O passo moonwalk, que o artista apresentou num especial da gravadora Motown na TV estadunidense em 1983, se tornou icônico. O mesmo aconteceu com a jaqueta vermelha usada no clipe da faixa-título, também um sucesso no varejo (e em versão pirata). Michael Jackson foi colocado no mesmo nível de reconhecimento e influência que Elvis Presley ou os Beatles, um feito inédito para um músico negro e foi recebido na Casa Branca pelo então presidente Ronald Reagan.
Michael Jackson entre o então presidente estadunidense Ronald Reagan e sua mulher, Nancy Diana Walker/Liaison
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