Vinhos do Alentejo unem tradição e modernidade

Além do famoso Pêra-Manca, a região vinícola no sul de Portugal oferece de rótulos produzidos em talhas de barro, como os romanos, a misturas ousadas de castas regionais e internacionais.


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Foto: Divulgação



O vinho alentejano é, antes de tudo, um forte. Tartessos, primeira civilização ibérica, cultivaram vinhas na região, o sul português, seguidos por fenícios e gregos. Romanos, há mais de 2 mil anos, expandiram e firmaram a tradição vinícola no pedaço. A invasão muçulmana no século 8 e o lufa-lufa que se seguiu para libertar a Península, porém, fizeram com que a atividade declinasse, sendo retomada com fama nos anos 1100, fundação do reino de Portugal (e de Espanha). Esperto e mal-intencionado, o Marquês de Pombal, no século 18, passou outra rasteira na região: mandou arrancar os vinhedos, puxando a sardinha para a brasa da Real Companhia Geral dos Vinhos do Douro, que havia criado. Nos anos 1800, os vinhos do Alentejo, teimosos, voltaram a bombar, mas sofreram novo baque no século seguinte, quando a ditadura de Salazar quis transformar a região no centro de produção de grãos do país. E toca arruinar vinhas novamente.

Hoje o Alentejo, tantas vezes renascido das cinzas, é a região vinícola mais prafrentex de Portugal. “E também uma das mais tradicionais. Nenhuma outra reúne tão bem modernidade e ancestralidade”, diz Raphael Evangelisti, embaixador de vinhos portugueses da importadora World Wine. O paradoxo se explica pelo sucesso de marketing e de vendas, pelo investimento em tecnologia, pela vanguarda do programa de sustentabilidade da região (que gera muitos produtos orgânicos e veganos) e pelo respeito a técnicas antigas. Algumas vinícolas antigas mantêm como processo a pisa das uvas, coisa que muita gente acha que nem existe mais. Jovens produtores experimentam a mistura de uvas típicas da região misturadas a castas internacionais (as que vemos em todos os cantos, tipo Syrah e Cabernet Sauvignon) ao mesmo tempo em que fazem vinhos fermentados em grandes talhas de barro, do jeito que os romanos ensinaram.

Quem faz um passeio pelos supermercados de Lisboa nota a predominância de rótulos alentejanos nas prateleiras. O Brasil repete a tendência: “Cerca de 70% dos vinhos portugueses que consumimos são do Alentejo”, informa Raphael. Tiago Locatelli, sommelier da Decanter, explica o xodó: “É uma região quente e por isso produz, de maneira geral, vinhos tintos encorpados, que trazem muita fruta madura à boca, característica que agrada em cheio o paladar brasileiro”. São vinhos gulosos, que harmonizam com pratos opulentos. Mas também há delicadeza no balaio.

O Alentejo tem vinhos para muitos perfis, gostos e bolsos. Alguns bem jovens e frescos, prontos para beber algum tempinho após a safra. Outros muito complexos, envelhecidos por anos nas adegas antes de chegarem às prateleiras, para quem pode pagar ou para quem, na animação de sair da toca e brindar a esperança de um novo ano (eleitoral), queira investir num rótulo fenomenal e diluir as mágoas com estilo. Maior apoio.

Talvez seja complicado, no começo, guardar os nomes das uvas tradicionais da região, como Trincadeira, Alicante Bouschet, Roupeiro ou Alfrocheiro. Mas se você tem espírito aventureiro e gosta de se jogar em vinhos de castas diferentonas, o Alentenjo é cheio de surpresas.

Tintos ricos e suculentos

As uvas Alicante Bouschet, Alfrocheiro, Trincadeira, Touriga Nacional, Castelão e Aragonês (na Espanha, Tempranillo) são bastante comuns nos alentejanos e geralmente vêm misturadas. São poucos os vinhos de casta única (característica de todo Portugal) e por isso é mais fácil entender o espírito da região do que escolher um rótulo pelo nome da uva. Castas internacionais como Cabernet Sauvignon, Petit Verdot, Syrah, Merlot ou Pinot Noir também são permitidas e, vez por outra, você encontra algumas delas nos cortes. Não podem, porém, representar mais do que 25% do conjunto para que um rótulo receba a denominação de Vinho Regional Alentejano.

Se quiser começar pela base, há vinhos jovens muito saborosos para o dia a dia, com nenhuma ou pouca passagem por madeira. Você já deve ter visto por aí, inclusive nas padocas, o EA (Aragonês, Trincadeira, Alicante Bouschet, Syrah e Castelão), ao lado de outros alentejanos populares como o Monte Velho Tinto (Aragonês, Trincadeira, Touriga Nacional e Syrah), produzido pela Herdade do Esporão, ou Ossa Vinhas Velhas (Aragonês, Alfrocheiro, Tinta Caiada e Alicante Bouschet). Mariana Tinto (Touriga Nacional, Alicante Bouschet e Trincadeira), produzido pela Herdade do Rocim, é um vinho de ótimo custo-benefício que entrega boca frutada, toques defumados e de especiarias. Explosão de frutas silvestres na boca, Dom Rafael Tinto (Aragonês, Trincadeira, Castelão e Alicante Bouschet), da Herdade do Mouchão, é a chance de provar um vinho criado por uma das adegas mais célebres da região por um preço camarada. José de Sousa (Grand Noir, Trincadeira e Aragonês), da megavinícola José Maria da Fonseca, traz frutas polpudas como ameixa e tâmara. Herdade dos Grous Tinto (Aragonês, Trincadeira, Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Syrah) é outro rótulo que representa bem o terroir do Alentejo, encorpado, mas de taninos muito macios. Vão de R$ 60 a R$ 160.

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Reserva Tinto produzido pela Herdade de Aldeia de Cima.Foto: Divulgação

A Herdade de Aldeia de Cima é uma das representantes da modernidade na região, com linguagem visual cool em seus rótulos, que abrigam vinhos menos extraídos e mais leves, uma tendência mundial. Como opção de entrada, o Reserva Tinto (Trincadeira, Alfrocheiro, Alicante Bouschet e Aragonês), entrega frescor e elegância de frutas vermelhas maduras. Torre de Palma Tinto (Aragonês, Alicante Bouschet, Touriga Nacional e Tinta Miúda), também produzido por uma jovem vinícola, assemelha-se em elegância.

A vinícola Dona Maria, liderada por Júlio Bastos, faz experiências bastante interessantes com misturas de castas regionais e internacionais. Um bom e delicioso vinho de introdução ao estilo da adega é Dona Maria Amantis Reserva (Touriga Nacional, Syrah, Cabernet Sauvignon e Petit Verdot). HDL Aragonês, tinto de uma casta só, é elaborado pela Herdade dos Lagos, uma das primeiras vinícolas a ganhar o selo do programa de sustentabilidade do Alentejo, que envolve práticas orgânicas, boa gestão de recursos e respeito à biodiversidade na região. Todos na faixa dos R$ 300.

Brancos frescos e minerais

A uva Antão Vaz é protagonista dos vinhos brancos do Alentejo. Confere muito aroma à bebida e geralmente vem blendada com castas que trazem mais acidez, principalmente a Arinto. São brancos leves e podem acompanhar a tarde de sábado preguiçosa. Mas também têm vocação gastronômica, sobretudo se harmonizados com frutos do mar, pescados, ceviche ou sushi. Queijos brancos e frescos – o de cabra, par perfeito – também são opções.

O passeio pode começar com vinhos de bom custo-benefício como o Guarda Rios Signature Branco (Antão Vaz, Arinto, Semillón e Viognier), uma delícia citrina, frutada e herbal. Coutada Velha Branco (Antão Vaz, Arinto e Alvarinho), fresco e mineral, é outra pedida para quem busca custo-benefício. Régia Colheita Branco (Antão Vaz e Arinto) é perfeito para o aperitivo, ao lado de entradinhas leves. De R$ 75 a R$ 120.

Cartuxa Branco (Antão Vaz e Arinto) é um vinho clássico, muito delicado, vinificado pela Fundação Eugénio Almeida, a mesma que produz o Tapada do Chaves Branco (Arinto, Antão Vaz, Assario, Tamarez e Roupeiro), cheio de fruta fresca e aroma de flor-de-laranjeira, um dos mais lindos brancos da região. Tapada dos Colheiros Branco (Arinto e Roupeiro) é produzido por outra vinícola certificada pelo programa de sustentabilidade. Um vinho untuoso e mais encorpado que a média, resultado do estágio de oito meses em barricas de carvalho. Preços de R$ 160 a R$ 560.

Por fim, uma exceção, o Fita Preta A Laranja Mecânica (Arinto, Roupeiro, Verdelho, Antão Vaz, Boal de Alicante, Trincadeira-das-Pratas e Fernão Pires). É um vinho laranja e ganha a cor âmbar por causa da maceração das uvas brancas com suas cascas. Com aromas de laranja e mel, textura robusta na boca, é recomendado a quem vive à procura de novas emoções. Custa cerca de R$ 340.

Rosés gorduchos e corados

Rosé, aquele vinho que se bebe despreocupadamente, não pode faltar na piscina. Só que os alentejanos costumam ser um pouco mais volumosos na boca, resultado do uso das uvas tintas regionais ricas em fruta, especialmente a Touriga Nacional, que aparece bastante nesse estilo. Tampouco têm o tom desmaiado dos rosados corriqueiros, puxam mais para o salmão. Por tudo isso, merecem mais atenção de quem os prova e, assim como os brancos, permitem vários tipos de harmonização, dos pescados mais gordurosos à carne de porco. Acidez e muita fruta costumam ser suas principais características.

Terras de Estremoz Rosé (Castelão, Aragonês e Touriga Nacional) é um bom começo (e por preço bem bacana) para quem tiver curiosidade de provar um rosé do sul de Portugal. Mariana Rosé (Touriga Nacional e Aragonês) vem pleno de morango e framboesa na boca e é outro best buy. Torre de Palma Rosé (Touriga Nacional, Aragonês e Tinta Miúda) é um belo exemplo de rosa mais encorpado, com uma acidez vibrante, porém delicada, que faz a boca salivar. Também bom de estrutura é o Ravasqueira Rosé Premium (Touriga Nacional), cuja importação está chegando ao Brasil. Seco, mineral e suculento. Os preços vão de R$ 50 a 280.

O tal vinho da talha

Se quiser descobrir o Alentejo de uma forma típica e diferente, os vinhos de talha são a resposta. São leves, frescos, muito frescos (sobretudo os brancos), secos, minerais e podem causar uma epifaniazinha na alma de quem os prova pela primeira vez. Quem lançou a moda na região foram os romanos, que dominaram o pedaço dos séculos 2 a.C. a 5 d.C. Rápida e rasteiramente, o método consiste em fermentar naturalmente, sem grandes intervenções, as uvas dentro de grandes talhas de barro, algumas com capacidade para quase mil litros. Isso significa não usar leveduras de fora, contar apenas com aquelas presentes na própria fruta, o que coloca o processo ancestral da talha dentro da visão moderna dos vinhos naturais.

A talha resistiu aos reveses que a produção de vinhos no Alentejo sofreu ao longo da história, simplesmente porque essa era a forma caseira de se fazer vinho por ali. Quem tinha uma vinha no quintal jogava as uvas maceradas na talha e, pluf, dali um tempinho o vinho estava pronto. Hoje, mais de 2 mil anos depois, vinícolas de todos os portes mantém conservadas e ativas suas talhas, algumas com séculos de idade. Altas pontuações em guias de vinhos ou indicações de críticos influentes transformaram esses vinhos em objetos de desejo.

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Talhas da Adega Cartuxa: método milenar de produção de vinho.Foto: Divulgação

Em tempo, a expressão vinho de talha só pode ser usada no Alentejo, funciona como denominação de origem. Bebidas feitas em recipientes de barro ao redor do mundo ou em outras partes de Portugal são denominadas genericamente de vinhos de ânfora.

Os brancos de talha são supreendentes em sua jovialidade, trazem um solzinho dentro de si, abrem as portas da percepção, você acredita que a vida pode ser bela. Rocim Fresh From Amphora Branco (Perrum, Rabo de Ovelha e Manteúdo) é ácido, mineral, com toques terrosos. Antonio Maçanita Fita Preta Branco (Roupeiro e Antão Vaz) é outro fino exemplo de talha, com frescor e complexidade.

Entre os tintos, uma curiosidade é o Vinho de Talha Moreto, da Herdade do Esporão, vinificado apenas com a casta Moreto, trazendo um bosque de frutas vermelhas frescas à boca. Bojador de Talha Tinto (Trincadeira, Moreto e Tinta Grossa) foi listado pela crítica de vinhos inglesa Jancis Robinson, que entende do riscado, como um dos 10 vinhos portugueses mais encantadores da década passada. Cartuxa Talha Bio Tinto (Alicante Bouschet), feito com uma das uvas mais simbólicas da região, agrada com garbo a quem busca produtos orgânicos. Os preços vão de R$ 170 a R$ 800.

Icônicos e caros

Há ícones no Alentejo. Ícones de verdade, aqueles que não surgiram do nada nem ontem, levaram anos para construir sua fama. O tinto Pêra-Manca (Trincadeira e Aragonês), produzido pela Adega Cartuxa, é o mais famoso deles, especialmente entre os endinheirados brasileiros – um terço da produção é importado para cá. Vinificado apenas em anos de safra excepcional, descansa primeiro em tonéis e depois em garrafas por cinco anos e meio antes de chegar ao mercado. É concentrado, pleno de fruta madura e aromas evoluídos, feito para aguentar anos de guarda. Diz o storytelling da marca que Pêra-Manca foi o vinho servido por Cabral no desembarque das caravelas no Brasil. A produção de um vinho de mesmo nome foi retomada no século 19 e descontinuada nos anos 1920. Sua vinificação moderna, pela Fundação Eugénio Almeida, começa apenas nos anos 1990. Custa acima de R$ 4 mil.

A Herdade do Mouchão (Alicante Bouschet e Trincadeira) produz outro vinho célebre, o Mouchão Tinto, desde 1901, quando a empresa de uma família inglesa, que ainda detém a vinícola, construiu sua Adega Nova (chamada de nova até hoje, por falta de outra mais moderna). Há 120 anos, ele vem sendo feito do mesmo jeitinho. As uvas são pisadas e, depois de fermentado, o vinho descansa por três anos em barricas tão antigas quanto a adega, que não contribuem mais em aromas para a bebida, mas permitem sua micro-oxigenação. Ficam mais três anos em garrafas e chegam ao consumo com muita estrutura de taninos (o que garante a longevidade do vinho) e uma boca incrivelmente sedosa. É uma das grandes expressões da Alicante Bouschet, casta de laboratório criada na França do século 19 que encontrou em Portugal, especialmente no Alentejo, seu terroir ideal. Custa entre R$ 500 e R$ 700 e é considerado por muitos conhecedores o principal vinho da região.

A modernidade também apresenta novos vinhos que, quem sabe, podem se transformar em futuros ícones. O Alyentiju, da Herdade Aldeia de Cima, é um dos candidatos. Produzido apenas com a casta Alicante Bouschet, é elegante, de taninos firmes, porém polidos. Uma textura deliciosa na boca, com acidez bem balanceada. Por enquanto, só teve duas safras, em 2017 e 2018. Mas a vida longa que ele promete na garrafa pode transformá-lo em novo clássico alentejano. Faixa dos R$ 1.100.

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Rótulos para conhecer a produção do Alentejo

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