Grifes de moda investem em vinhos

Com o nome no rótulo ou no controle de vinícolas, marcas de luxo e seus acionistas injetam uma dose de estilo em garrafas cobiçadas.


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Já notou como uvas e estilos de vinho vêm e vão como a moda? Antes de o século virar, era chique brindar com Prosecco, espumante italiano feito com as uvas de mesmo nome. Houve outro período em que Chardonnay esteve em alta e aqui no Brasil nos banhamos com os exemplares chilenos, de farta oferta e bom custo. O vinho laranja, resultado da maceração de uvas brancas com cascas, também foi um mini-hit à mesa de um povo mais antenado. Pinot Noir teve seus dias de hype. Assim como os tintos da casta Primitivo, da região italiana de Puglia, de leve dulçor, fáceis de beber e amigos do nosso clima.

Rosés, sobretudo os da região francesa de Provence, sul da França, são o grito que ainda ecoa quando se fala em tendência vínica. É a bebida dos eventos, das pool parties, dos desfiles e demais aglomerações fashion – quando amontoar-se ainda era moda. Não à toa, há uma boa prevalência de rosés entre os vinhos lançados por celebridades como Angelina Jolie & Brad Pitt, Kylie Minogue, Mary J. Blige, John Legend, Jon Bon Jovi, Sting, Sarah Jessica Parker, Cameron Diaz e mais uma turma.

Inspiradas pelo sucesso das estrelas na atividade vinícola, grifes poderosas também têm escolhido os rosados (mas não só eles) para lançar rótulos com grife. À parte o frisson por marcas, alguns vinhos com etiqueta são capazes de satisfazer os bebedores interessados mais pelo conteúdo do que pelo símbolo de consumo estampado no rótulo. De qualquer forma, a associação da bebida a uma marca de força global é um importante impulso de vendas. As 15 mil garrafas de Rosa, primeiro rótulo nascido da parceria entre Dolce & Gabbana e a vinícola siciliana Donnafugata, foram vendidas em uma semana. Chegaram ao Brasil 400 unidades, importadas pela World Wine. Evaporaram. Quem se dispor a pagar R$ 522 por seu exemplar de Rosa deve esperar a próxima safra, em setembro de 2021.

Rosa foi elaborado com as uvas tintas Nocera e Nerello Mascalese, autóctones da Sicília. É fresco e delicado e bem estruturado, tem aromas florais bem pronunciados e notas de morangos, peras e bergamotas. Um belo vinho. Em janeiro, chega ao Brasil seu irmão tinto, uma edição limitada de Tancredi, blend de Cabernet Sauvignon e Nero D’Avola apontado como um dos melhores e mais aveludados produtos da vinícola. Seu nome é inspirado no personagem de O Leopardo, romance de Tomasi di Lampedusa, interpretado por Alain Delon no filme de Luchino Visconti. Corra, se quiser e puder agarrá-lo.

Unir vinho, literatura, música e artes visuais já é uma prática comum no trabalho da Donnafugata. A moda é mais um elemento. “Ficamos muito felizes com o resultado visual. As garrafas criadas pelos designers de Dolce & Gabbana são lindas e as caixas com alças podem ser usadas como um item de estilo. É elegante sair por aí carregando-as”, diz José Rallo, CEO e proprietária da Donnafugata (sim, chama-se José e é mulher). O casamento da grife com a vinícola, ela avisa, pretende ser uma relação de longo termo e novos rótulos devem surgir.

Experiências fashion

nicole miller segura uma taca de vinho rose.

A estilista Nicole Miller com seu rosé, elaborado em Bordeaux.Foto Divulgação

Iniciativas similares pipocam no mundo da moda e apontam uma nova tendência de consumo e de negócios. O vinho da estilista nova-iorquina filha de mãe parisiense Nicole Miller, lançado no começo de 2020, é um rosé elaborado com Merlot, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc pelo Château Auguste, de Bordeaux. Embora tenha escolhido um estilo naturalmente ligado ao mood contemporâneo, Nicole acredita ter fugido do óbvio ao encontrar o blend que acreditava melhor traduzir sua marca, depois de muitas provas. “Sei que o rosé é tradicionalmente feito na Provence, mas acho esse exemplar de Bordeaux muito superior”, disse ao site da revista Wine Enthusiast.

Enquanto Nicole Miller optou por um visual ultraminimalista para seu rótulo – em que figuram basicamente sua assinatura e a palavra “rosé” –, a grife australiana Ginger & Smart, das irmãs Alexandra e Genevieve Smart, “vestiu” um lote limitado de Sauvignon Blanc cultivado e vinificado pela Crafters Union Wines na região de Marlborough. As estampas escolhidas para a garrafa e para a lata do rótulo Crafters Union x Ginger & Smart Sauvignon Blanc seguiam a paleta de cores e os grafismos de sua coleção na ocasião, o verão de 2019 – rosas, azuis, dourados e amarelos. “O mundo dos vinhos e da moda têm muito em comum. Seja um vestido lindo ou a garrafa de um vinho premium, ambos são capazes de contar uma história por meio da textura, das cores, da estrutura e da complexidade”, declararam as irmãs sobre a empreitada.

mulher segura garrafa de finho com embalagem em rosa, azul e dourado.

A comunicação do Sauvignon Blanc feito em parceria com a Ginger & Smart seguiu a paleta de cores do verão 2019 da marca australiana.Foto Divulgação

Grandes marcas por trás de grandes vinhos

O mix de moda e bebida não é novidade. Basta lembrar que o maior conglomerado de luxo do planeta, LVMH, nasceu da fusão, em 1987, da maison Louis Vuitton e da empresa de vinhos e destilados Moët Hennessy. Grifes como Dior, Pucci, Givenchy e Fendi uniram-se a sonhos de consumo etílico como Don Pérignon, Krug e Chandon, só para ficar no universo do champanhe, que nunca deixou de ser tendência em qualquer época, desde sua criação. Veuve Clicquot, uma das marcas mais reconhecidas do portfólio vínico da LVMH, mantém um constante diálogo com a moda, convidando estilistas a criar embalagens para o produto ou mesmo coleções de roupas inspiradas no alaranjado de seu rótulo. A arte também entra no balaio: o look da mais recente edição safrada de Veuve Clicquot, La Grande Dame, foi desenhado por Yayoi Kusama, dama das bolotas.

Em alguns casos, a paixão de empresários por fazer e vender vinho é suficiente para que diversifiquem suas atividades sem necessariamente colar a marca de moda às bebidas. A vinícola orgânica Il Borro, na Toscana, pertence desde 1993 ao CEO Ferruccio Ferragamo, filho de Salvatore, fundador da grife que leva seu nome. Salvatore, o neto, cuida da propriedade da família, um burgo medieval transformado em resort de luxo. Também zela pela qualidade dos vinhos, que diz serem elaborados com a mesma perfeição com que o avô construía seus calçados.

Entrar no ambiente Ferragamo pelo paladar é menos dispendioso do que pelos pés. Vinhos de entrada importados pela Épice, como o Borrigiano (corte de Merlot, Syrah e Sangiovese), custam por volta de R$ 200. A mesma faixa de preço do Rosé del Borro, feito com uvas Sangiovese, e do Lamelle, 100% Chardonnay e único branco da casa. Também na Toscana, Massimo Ferragamo, irmão de Ferruccio, mantém a vinícola Castiglion del Bosco, especializada na elaboração do potente estilo Brunello di Montalcino, típico da região e queridinho de enófilos endinheirados.

garrafa de vinho rose vazia com taca na frente

Rótulo da vinícola Domaine de I’Ile, comprada pela família Wertheimer, acionista da Chanel.Foto: Divulgação

Embora ainda não haja um vinho com os famosos “Cs” entrelaçados no rótulo, a Chanel é uma das gigantes da moda que mais investe nesse mercado, desde os anos 1990. A empresa da família Wertheimer é dona de cinco vinícolas – três em Bordeaux, uma na região californiana de Napa Valley e a mais recente propriedade Domaine de l’Ile, adquirida em 2019. A grande vocação da vinícola situada na ilha de Porquerolles, Riviera Francesa, dentro da denominação de origem Côtes de Provence, são os vinhos rosé – 70% de sua produção. A nova safra do Domaine de l’Ile Rosé (corte de Cinsault, Grenache, Mourvèdre, Syrah e Tibouren) foi lançada recentemente no mercado externo e vendida a cerca de 20 euros (o que representaria algo entre R$ 200 e 300, caso o produto fosse importado para o Brasil). Para alguns observadores do mundo do vinho, o interesse da Chanel pelo estilo aponta para a longevidade da onda rosada. Até que novos trendsetters das passarelas e das taças nos indiquem caminhos diferentes.

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