A história da Supreme, marca de streetwear que mais flerta com o luxo

Com 26 anos de história e parcerias com labels como Louis Vuitton e Comme des Garçons, a Supreme virou símbolo de uma subcultura e causa alvoroço por suas coleções limitadas.


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Foto: Getty Images



James Jebbia é o nome por trás do império Supreme. A marca foi lançada em 1994 após ele passar três anos colaborando com o veterano do streetwear Shawn Stüssy. Frequentado por skatistas e mentes criativas anti-establishment, o espaço logo se tornou também clube underground e galeria de arte, tornando-a símbolo de uma subcultura. O segredo do sucesso da Supreme está na exclusividade. Seus produtos não são tão caros, mas as coleções escassas e o desejo de muitos de fazer “parte do clube” geram um mercado forte de resale. Ela acaba de ser comprada pelo grupo VR Corp por R$ 2,1 bilhões de dólares, mostrando que o mercado de streetwear segue mais forte do que nunca.

O COMEÇO DA SUPREME

A Supreme, uma das maiores marcas de streetwear do mundo, começou com o discretíssimo James Jebbia, fundador da grife. Filho de mãe britânica e pai americano, ele nasceu nos Estados Unidos mas se mudou para a Grã Bretanha com pouco mais de um ano. Aos 19, no entanto, bem no comecinho dos anos 1980, voltou para Nova York.

O seu primeiro trabalho nos Estados Unidos foi na loja de roupas Parachute, localizada no SoHo. E o primeiro empreendimento de moda foi com a criação da butique Union NYC, em 1989, que vendia labels mais experimentais e esportivas inglesas. Mas foi entre 1991 e 1994 que ele começou a colaborar com um dos grande veteranos do streetwear, nome que impulsionaria a criação de seu próprio império. Tratava-se do californiano Shawn Stüssy, criador da grife homônima Stüssy, que nasceu na cultura do surfe, mas, em pouco tempo, foi adotada por skatistas e toda uma comunidade jovem urbana.

E foi em 1994, dentro de uma pequena loja, na Lafayette Street, também no SoHo, que Jebbia deu início a essa marca independente, a Supreme. No início, a casa contava com a série tradicional de streetwear, como os sneakers, as camisetas, os moletons e os acessórios de skateboard – e logo se tornou um misto de clube underground, galeria de arte e ponto de encontro para skatistas e mentes criativas anti-establishment.

Com o passar do tempo, várias colaborações foram surgindo e deram origem a toda sorte de objetos possíveis e exclusivos: acessórios de bicicleta, livro, isqueiro e até mesmo biscoito… Tudo isso estampado com o logo da etiqueta – a marcante tira vermelha com Supreme escrito por cima em letras brancas –, inspirado na arte de Barbara Kruger. Um dos grandes produtos da label também foi seu calendário, clicado por grandes nomes da fotografia, como Larry Clark – sim, o diretor do emblemático filme Kids, onde a Supreme inclusive ficou imortalizada nos looks dos personagens.

E assim, ela foi se tornando muito mais do que uma marca de roupas. Ela cresceu, criou raízes, uma comunidade e virou um símbolo de contracultura nos anos 1990, com jovens usando a sua tag. Isso explica em parte porque hoje a grife não tem apenas clientes e fãs, mas também pessoas que a cultuam, a veneram.

OBJETOS E ACESSÓRIOS MAIS INUSITADOS LANÇADOS PELA SUPREME

O SUCESSO DA SUPREME

Parte do sucesso da label está no profundo conhecimento de quem são seus principais consumidores. Em outras palavras, sabem fidelizar o cliente. E um cliente que muita marca de moda e de luxo luta, a duras penas, para conquistar. Mesmo com a expansão do negócio com o passar dos anos, o foco sempre foi o mesmo: jovens que vivem e ocupam grandes cidades do mundo.

Hoje são os millennials e geração Z, mas também já foram os baby boomers. Os preços raramente são astronômicos (falamos melhor disso adiante); as modelagens são bastante convencionais e as influências ou interferências externas, adaptadas à realidade e necessidade do consumidor, sempre, claro, com a estética Supreme. Mantendo-se assim a aura cult em torno da etiqueta.

Vestir uma peça Supreme significa fazer parte de uma seita secreta das ruas (ok, com uma boa dose de fator cool). Não que isso seja fácil. Não basta entrar na loja e adquirir sua camiseta com o logo vermelho. Desde sempre, criou-se uma cultura muito fechada em torno da loja e quem frequentava ela. É algo que segue até hoje — ainda que de modo suavizado. Nos anos 1990, pedia-se até para não tocarem nos produtos.

“Na primeira vez em que entrei na loja, em 2013, os vendedores foram super blasé, quase não falaram comigo”, relata a skatista e concept da agência Hood, Elisa Gijsen. “Foi só quando caí de skate, na frente da loja de Los Angeles, que recebi mais atenção”, brinca. “Os skatistas são muitos fechados”, explica o fotógrafo Alex Batista, que trocou os decks e pistas pelas lentes. “Vem um pouco dessa cultura essa fama de clube restrito”, diz ele.

O clima de portas fechadas não é novidade no mercado. Boa parte do allure das marcas de luxo vem justamente dessa seletividade de quem pode ou não vestir aquelas roupas. Aqui, porém, tem mais a ver com autenticidade e manter vivo um ideal. É por isso que James Jebbia raramente dá entrevistas: ele quer evitar que sua mensagem seja deturpada ou mal interpretada. É por isso que a Supreme não faz grandes campanhas ou eventos. Os protagonistas são o produto, a marca e a filosofia de vida por trás disso.

O ESQUEMA DE VENDA DA SUPREME

Uma peça Supreme custa bem menos que uma bolsa Birkin, da Hermès, mas é tão cobiçada quanto. A marca (vendida apenas em suas lojas próprias) produz tudo em quantidades limitadas — é o luxo pela escassez e não pela cifra. As entregas são feitas em pequenas doses ao longo de cada estação, sem grande alarde, o que eles chamam de “drops”, palavra que ficou conhecida na indústria da moda muito por influência da casa. Você nunca ouvirá a respeito de uma festa de lançamento de coleção, por exemplo. Até porque elas não existem.

E essa é uma das características mais inteligentes do negócio, porque o seu valor não está no material usado, no artesanato ou no trabalho envolvido. O preço dos produtos é até acessível no lançamento, mas as peças são tão exclusivas que acabam sendo tratadas como objetos colecionáveis.

Os drops raramente são divulgados, causam filas imensas e são motivo de muita antecipação. Existe uma série de sites e grupos no Instagram (@supreme_leaks_news e @supreme__hustle) e Facebook (Brazilian Apparel) que tentam mapear e avisar aficcionados pela grife sobre tais eventos e coleções ou produtos especiais. Isso, então, faz gerar táticas como o resale, por exemplo, um mercado de venda ativo, que dá grana para quem pega fila, vira um desses clientes VIP e adquire uma peça Supreme, mas também alimenta o capital de desejo em torno da marca – de novo, mais reforço para a sensação de culto.

COLLABS DA SUPREME

Outro ingrediente importantíssimo para esse sucesso foi a sacada das colaborações. Se hoje elas são muito mais constantes entre marcas de moda, a grife foi uma das pioneiras nas parcerias. E essa lista é, assim, invejável.

Na seara da moda, a Supreme já assinou collabs com Louis Vuitton, Comme des Garçons, Undercover, Levi’s, Nike e Vans. No universo das artes plásticas, já criou em conjunto com Damien Hirst, Takashi Murakami e Richard Prince. E, entre artistas e bandas, foi de The Clash, passou por Black Sabbath e chegou até mesmo à Lady Gaga. Isso, só para citar alguns.

Um caso interessante que vale destacar é a relação com a Louis Vuitton. Em 2000, a marca de streetwear lançou uma série de camisetas e uma prancha de skate decoradas com monograma da LV. Deu ruim. A maison francesa não gostou da apropriação e exigiu legalmente que a produção dos produtos fosse encerrada e os já existentes, queimados. Corta. Janeiro de 2017: durante a semana de moda masculina de Paris, a mesma maison de luxo apresentava sua nova — e já desejadíssima — colaboração… Com a Supreme.

E tudo isso que comentamos foi feito, avaliam especialistas, com um equilíbrio de mestre entre o cool e o sucesso corporativo: é raro encontrar uma marca de streetwear que continue cultuada pelo seu público quando cresce muito no mercado. Claro que, ao longo desses 26 anos, desgastes aconteceram, principalmente com gente questionando o namoro com o luxo e o distanciamento da rua.

SUPREME É COMPRADA PELA VF CORP

Agora, em um acordo divulgado no dia 9/11, ela foi vendida por U$ 2,1 bilhões de dólares para o grupo de moda VF Corp, detentora de etiquetas como Vans, Timberland e The North Face. Com a aquisição, o grupo entra de cabeça no mercado de streetwear, que hoje está avaliado em cerca de U$ 50 bilhões de dólares – mostrando para quem vinha dizendo que a moda de rua morreu que ela segue mais forte do que nunca.

A Supreme, por exemplo, tem 12 lojas espalhadas pela América do Norte, Europa e Japão, mas cerca de 60% das suas vendas acontecem online. Essa presença forte no digital deu não só resistência para a marca aguentar 2020, como também fez com que ela mantivesse um crescimento elevado, com um forte fluxo de caixa.

Não à toa, a compra da VF Corp é feita com um objetivo pretensioso: dobrar as vendas anuais da label e chegar à margem de U$ 1 bilhão de dólares por ano. E a companhia acredita que não levará muito tempo para atingir essa meta. A expectativa é de que em 4 anos o crescimento do negócio seja de 100%. Nessa transição, James Jebbia, bem como toda a equipe de liderança da Supreme, deve seguir no comando criativo da empresa.

A aquisição que vem justamente com o objetivo de ampliar ainda mais o negócio esquenta essa dúvida: a etiqueta conseguirá manter a sua relevância e a sua conversa direta com uma comunidade que prioriza muito mais o independente do que o mainstream? Bem, isso só o tempo dirá. Mas, alguns avaliam que o fato de ela ter sido vendida para uma companhia discreta como a VF, e não uma tão suntuosa como o grupo LVMH, torna o casamento mais aceitável. De acordo com Scott Roe, chefe executivo de finanças da VF Corp, “o crescimento natural e cuidadoso da Supreme foi muito bom para a label até agora, e não há vontade da companhia em forçar isso”.

De toda maneira, uma certa ampliação da Supreme, impulsionada por essa compra, pode acarretar em uma casa um pouco mais acessível, o que provocaria um movimento bastante curioso e raro: uma marca que de certa maneira volta às origens, trocando um pouco o caráter elitista de item de luxo, por mais conexão com as ruas.

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