A moda dos anos 2000 foi caótica e, por isso, tão legal

Nem faz tanto tempo assim, mas o estilo do Y2K já está de volta. Aqui, desvendamos os motivos para o rápido retorno da década tão polêmica na moda.


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Foto: Reprodução



É fácil dar uma volta pelas últimas décadas e se encantar pela silhueta delicada dos anos 1950, pela subversão da década de 70 ou pelo maximalismo que tanto marcou os anos 1980. No entanto, quando se trata dos anos 2000, a vontade de os ter de volta certamente já não é a mesma. Enquanto assistíamos Lizzie McGuire e ouvíamos Destiny’s Child, as saias se tornavam mais curtas, as cinturas mais baixas e os tops ficavam ainda menores. Harmonia entre as peças de um look não era uma questão a ser discutida, e cada excesso parecia sempre muito bem vindo.

Sim, essa foi uma década caótica para a moda. Mas, convenhamos, justamente por isso, foi tão legal. Talvez nem todos estejam prontos para revivê-la. A depender de sua idade, você pode continuar fingindo que esse foi um mero surto coletivo, ou então pode desejar resgatar a sua essência com toda força. No fim das contas, sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, a volta dos anos 2000 chegaria. A nossa vontade de revisitar velhos tempos já é intrínseca e sabemos que a moda se move rápida e ciclicamente.

Esse ciclo, aliás, parece girar cada vez mais depressa. Com o imediatismo das novas gerações, a juventude celebra e descarta tendências em uma velocidade nunca vista antes e, depois das tantas reinterpretações do passado, já era hora da estética da primeira década do século 21 dar as caras novamente. Das mais legais até as mais questionáveis, todas as peças determinantes para a moda dos anos 2000 estão ressurgindo. Isso inclui shoulder bags, lenços, camisetas com estampas infantis, logotipos, comprimento mini e até a polêmica cintura baixa.

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Juicy Couture.Divulgação

Surfando nessa onda, etiquetas que marcaram os anos 2000, como a Juicy Couture, voltam a cena, mas agora com os posicionamentos e valores contemporâneos. “Nós queríamos evoluir a Juicy para a consumidora atual mais inclusiva, com pensamento aberto e empoderada”, afirmou Amy Gibson, head de design da marca, em entrevista à ELLE Brasil. Paris Hilton também ganha os holofotes outra vez, revelando a sua real história em documentário e conquistando casas de moda, como a Lanvin. Na indústria musical, estrelas da Disney voltam a fazer sucesso; e na beleza, os personagens dos anos 2000 inspiram linhas de maquiagem.

O contexto social e pop dos anos 2000

A verdade é que essa década é difícil de ser definida. Entre ideias antigas e novas, os anos 2000 foram diferentes de qualquer outro momento de mundo e o seu choque de tendências, elementos, subculturas, visões e comportamentos tão diferentes criaram uma fusão um tanto quanto curiosa. A globalização e a popularização da internet, claro, tiveram papéis importantes nessa história. O início da quebra de fronteiras fez a informação passar a circular mundo afora, integrando as relações globais em um processo que não teria mais volta.

O ritmo ativo desse novo movimento despertou estímulos até então desconhecidos e, neste ponto, o mundo já parecia estar tomado pela energia frenética da novidade. A reação é ainda somada ao aumento do consumo de fast fashion e à reestruturação nas classes sociais de diferentes países. Cada fator social, econômico e cultural, claro, refletia na moda, colaborando para que essa década fosse marcada pelo excesso, em todos os sentidos da palavra, e, até certo ponto, por um grande liquidificador de referências e estilos.

Entretanto, há ainda um outro responsável por esse impulso: a cultura pop. Na televisão, seriados, como One Tree Hill e The OC, eram recordes de audiência; na música, Britney Spears e Christina Aguilera se tornavam as grandes estrelas; no cinema, Meninas Malvadas e O Diabo Veste Prada eram lançados; e nos tabloides, Nicole Richie e Paris Hilton estampavam manchetes pelos casos polêmicos exibidos no reality da dupla, The Simple Life. Cada uma dessas referências alimentava a estética dos anos 2000, impulsionando novos comportamentos de consumo e influenciando os guarda-roupas por aí.

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Paris Hilton e Kim Kardashian.Getty Images

Paris Hilton e Kim Kardashian.

Com a obsessão por celebridades atingindo o seu pico, diversão passou a ser considerada a palavra de ordem. Se nas imagens dos anos 1990, Kim Kardashian aparece em um clima de elegância e frescor, nas fotos dos anos 2000, a californiana já é regida por uma estética over. Em uma das imagens mais reproduzidas da década, ela surge com um body metalizado e óculos-máscara, exibe o seu piercing no umbigo e combina a sua bolsa Louis Vuitton com a de Paris Hilton 一 esse último detalhe, aliás, deixa tudo mais cômico.

Ao que parece, já não havia mais espaço para regras e nenhuma única ideia deveria ser descartada. Minissaia sobrepondo a legging? Visionário-retrô. Moletom de veludo? Elegante-trash. Cinto no quadril por cima da camiseta? Inspirador-nonsense. Sim, o paradoxo era tendência também. É que, depois do 11 de setembro de 2001, a ironia e um certo senso de humor desbaratinado tomaram conta da cultura pop e, por consequência, da moda. Daí todos esses excessos meio sem sentido. Meio loucurinha warholiana levada às últimas consequências.

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Britney Spears e Justin Timberlake. Foto: Getty Images

Essa mentalidade não só valia para o cotidiano, como se mantinha também nos tapetes vermelhos. Foi assim que vimos Britney Spears e Justin Timberlake em looks jeans, no American Music Awards, e Ashley Tisdale de pantufas em uma prèmiere. Na época, esses exemplos foram rapidamente listados entre os piores modelos, mas, hoje, são lembrados e vistos com outros olhos.

Estranhamente, há algo reconfortante nesse tempo. O resultado final até poderia ser um tanto quanto desastroso, mas observar jovens celebridades escolhendo os seus próprios visuais e, em muitos casos sem a ajuda de um stylist, pode ser uma experiência animadora. Não era sobre parecer refinado, mas, sim, criativo, ousado e autêntico. O clique importava mais do que os likes e o comentários, que ainda nem existiam.

Bug do milênio

Tudo isso já explica muita coisa mas, para compreender a volta dessa década, é preciso falar também sobre o bug do milênio. Na virada de 1999 para 2000, se instaurou um medo coletivo de que os computadores do período não entendessem a mudança de dígitos e causassem um pane no sistema. O fenômeno até ganhou nome, Y2K, uma sigla para Year 2000. Supostamente, o erro poderia colapsar o software de bancos, aeroportos, usinas nucleares, transportes públicos e por aí vai. A inquietude se estendeu ao redor do mundo, tomando proporções descomunais e provocando um temor da tecnologia e até do fim do mundo. Nada aconteceu. Mas os atentados de 11 de setembro deram conta de porpagar o clima de insegurança e tudo mais que vem depois disso.

Vinte anos depois, o medo do colapso ressurge em forma microscópica: a Covid-19. Ameaçando o sistema de saúde, a economia e, principalmente, a vida, a pandemia afasta a possibilidade de um amanhã e permite que a incerteza domine novamente. E é aí que o retorno dos anos 2000 deixa de ser um mero acaso. A recente obsessão pela década não é apenas sobre o velho se tornar novo e sobre a dinâmica cíclica da moda. Esses fatores, claro, têm os seus devidos valores nessa equação. No entanto, há ainda um anseio oculto e até nostalgia pela representação de uma década em que a sua maior ameaça, o bug do milênio, acabou não sendo nada.

O fim do mundo parece assombrar novamente e, dessa vez, sim, vem carregado por medos e pressões incontestáveis – e reais, em curso. Olhar para os anos 2000 é confortável e, para muitos, proporciona aquele fio de esperança de que, após o caos, o amanhã ainda há de chegar.

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