20 anos depois, a estética emo está de volta
Roupas quadriculadas, meia arrastão, luvinhas e coturnos retornam à cena, puxados pela nova onda de artistas que revivem o estilo musical do começo dos anos 2000.
No guarda-roupa de Paloma Camardella tem um tanto de meias-calças com estampa de caveira, blusas arrastão, saias pregueadas, cintos com rebites e alfinetes. Os elementos podem ser fácil e rapidamente associados ao visual dos jovens em meados dos anos 2000 (ainda que não somente), certo? Sim e não. Paloma tem apenas 17 anos. E, de fato, o que ela veste bebe na fonte de movimentos que tiveram seu auge na primeira década do século 21. A moda tem dessas de ciclos. O que hoje é tendência absoluta, amanhã já não é mais e pode voltar a ser dali uns anos (ou meses, vai saber!). Agora, nessa repescagem de estilo, a estética que volta com tudo é a emo.
Se você tem cerca de 30 anos, com certeza foi impactado pelo movimento de alguma forma. Emo é uma abreviação para emotional hardcore, uma vertente melódica do rock, com letras sobre amor e muitas bases pesadas de guitarra, baixo e bateria. Recentemente, uma leva de artistas – novos e nem tanto – voltaram a ser assunto com interpretações de tal sonoridade. Entre eles, destacam-se Machine Gun Kelly, Willow Smith, Jaden Hossler, e Travis Barker, baterista do Blink 182.
Travis, aliás, é o responsável por alguns dos feats e produções com a maioria dos artistas da nova geração. Avril Lavigne, precursora do movimento, também está de volta – tanto com a música Flames, em parceria com seu namorado Mod Sun, quanto no TikTok, mostrando que tem potencial para ser musa de uma nova geração (e que não envelheceu nada).
Além da música, o emo também tinha um estilo específico: looks pretos, camisetas de banda justas, calças skinny, munhequeiras, padronagem quadriculada, colares de bolinha de metal, unhas pintadas (geralmente em tons escuros), maquiagem pesada, cintos com rebites, cabelos coloridos e, claro, as franjas cobrindo os olhos. O movimento ficou conhecido pelo sentimentalismo e estética que não agradava – tanto musicalmente quanto esteticamente – a velha guarda do rock. A tribo foi colocada em um limbo, principalmente no Brasil, e se fechou em si mesma. O que, por outro lado, abriu portas para a liberdade de expressão, de gênero e sexual de toda uma geração que se identificava com aquela subcultura e se sentia segura entre seus semelhantes
Se antes a tribo era mais ensimesmada, hoje, na música e fora dela, o emo se mistura a elementos do rap e do eletrônico. O mesmo acontece no visual. Apesar de vários códigos continuarem importantes, como os xadrezes, a cor no cabelo, há uma boa injeção de frescor e até refinamento. Em entrevista ao site da Rolling Stones estadunidense, Travis fala da dificuldade de ter sido colocado dentro de uma caixa, assim como Machine Gun Kelly, sempre foi visto como um rapper, e como a colaboração entre ambos abriu os horizontes.
A mistura musical e estética emo, contudo, só foi possível com a dissipação do véu de preconceito que sempre rodeou o movimento. E aqui vale um comentário pessoal desta repórter, emo desde os 13 anos de idade. A subcultura foi bastante hostilizada no Brasil. Quem olhava de fora achava aquilo “coisa de viado”.
Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno, uma das expoentes do estilo no país, sempre frisa que esse preconceito, na verdade, é homofobia velada. A liberdade, a fluidez de gênero e a autodescoberta que, hoje, são conceitos mais difundidos entre os jovens, sempre foram um dos pilares fundamentais do movimento. Com a Geração Z cada vez mais aberta, é quase natural que o emo volte ao topo das paradas – e ao imaginário fashion.
O retorno da moda Y2K é uma das grandes tendências do momento. Entre a cintura baixa, as coconut girls e os penduricalhos de miçangas e strass, vemos também um aceno ao estilo emo em coleções e passarelas internacionais, como os gorros quadriculados do resort 2022 de Anna Sui ou os cachecóis com mesma padronagem do inverno 2021 de Arthur Arbesser. No entanto, quem explorou mais a fundo esses códigos foi Hedi Slimane. No verão 2021 masculino da Celine, o diretor de criação desfilou sobreposições de camisetas listradas, jaquetas oversized e calças skinny rasgadas.
Em solo nacional, o movimento não é menos representado. Em maio deste ano, Oliver Sykes, vocalista da banda inglesa Bring Me The Horizon, atualmente radicado no Brasil, lançou a marca Lobo Bobo, com camisetas 100% focadas no estilo. Na última SPFW, Igor Dadona também misturou a melancolia e a estampa preferida dos emos, o quadriculado, em sua apresentação Maritime. “Esses elementos sempre estarão presentes na minha vida, porque eu fui emo. É uma coisa que fica dentro da gente. Até hoje escuto Fresno e Simple Plan. Em tudo que faço, ainda tem um fundinho dessa inspiração”, explica o estilista.
Igor Dadona.Foto: Gabriel Moura
TRIBO TIKTOKER
Se no começo dos anos 2000, os emos andavam em grupos e frequentavam apenas shows, lojas e espaços em que a música era o foco, hoje, no TikTok e na internet em geral, os grupos se misturam muito mais. Também conhecida como Geração Zapping, os Gen Zs têm facilidade em transitar por espaços e entre turmas diferentes.
Apesar da pouca idade, Paloma Camardella se inspira muito na sua irmã de 32 anos, que foi emo a vida inteira. Nas playlists, muito The Pretty Reckless, My Chemical Romance, e Paramore, além da nova fase de Willow Smith (mais dark e com feats com Travis Barker). “Me interesso muito por moda e sempre pesquisei sobre estilo alternativo”, explica. “E ando com qualquer tipo de pessoa, de mandrake à patricinha. Tenho amigos de todos os grupos”, completa, reforçando que essa história de tribos fechadas, realmente, ficou no passado.
Laura Rauseo atendeu à nossa chamada de vídeo com lápis nos olhos, meia arrastão e mechas descoloridas no cabelo preto. A atriz de 13 anos conta que começou a ouvir rock por influência da família, mas que prefere uma vertente mais clássica. Visualmente, porém, ela bebe da fonte do emo dos anos 2000. “O TikTok é uma influência bem grande também, conheci muita música por causa do aplicativo. Conheço pessoas mais dark que escutam indie ou coisas mais soft. Não tem mais essa. Na internet, o hate é menor”, conclui.
Emo-raiz
Caco Bapt, publicitário e criador de conteúdo de 30 anos, viu no emo uma forma de se expressar desde bem novo. “Sou uma pessoa não-binária. O estilo musical veio justamente durante um processo de entendimento de identidade ao lado de um som que gostava muito”, explica. Nascido e criado numa família amante de samba e pagode, ele nunca se identificou com tais ritmos. Aos 11, começou a ouvir rock e usar preto. “Gostava de como o rock se apresentava. O emo veio como uma possibilidade, uma visão mais sensível dessa música. Flerto com essa estética até hoje, porque nem sei se estaria aqui se não fosse por esse momento da minha vida. Foi onde me vi, me identifiquei e comecei a entender que poderia ser quem eu sou”, conta.
Bruna Huli, designer e influenciadora digital de 26 anos, começou a ouvir emo aos dez anos de idade, ainda na primeira onda do movimento. Assim como Caco, ela se veste com códigos daquela época até hoje. “Pedi para o meu pai fazer minha roupa para eu ir ao show da Avril Lavigne, em 2005. Essa estética já estava entrando na minha vida e nunca mais larguei. Agora, acho que tem uma questão nostálgica bem forte. Com esses novos artistas, muita gente está se sentindo encorajado e voltando a usar”, diz.
Atualmente, Huli mistura elementos da sua adolescência emo, como tênis Converse, coturnos Dr. Martens, camisetas de banda, tricôs listrados e saias pregueadas xadrez com uma alfaiataria mais elegante, vestidos justos e looks mais sóbrios. “Sinto que estou em uma fase que quero algo mais refinado, mas sempre com um toque emo, um Vans quadriculado, um colar de alfinete. Isso nunca vou deixar de usar.”
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