Abram alas para a rainha: Az Marias estreia na SPFW

A marca carioca se transporta para a Angola e busca inspiração na força da guerreira Nzinga, realeza do antigo Reino de Matamba.


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Cíntia Felix já quis estudar patologia clínica, mas não teve jeito: foi fisgada pela moda. Ela diz que sempre acreditou no seu potencial de ”ativismo silencioso”. Passando por várias etiquetas, no Rio de Janeiro, cidade onde é radicada, a estilista criou seu próprio negócio, a Az Marias, em 2015. ”O nome é uma homenagem a todas as Marias, de A a Z, porque fui criada só por mulheres”, explica. Hoje, a marca estreou na SPFW, integrando o line-up do Projeto Sankofa.

A inspiração para a coleção foi Nzinga Mbandi, guerreira e rainha angolana, que lutou contra a escravização de seu povo pelos portugueses e foi um mártir de resistência, força e coragem no antigo Reino de Matamba. ”A coleção fala da multiplicidade das mulheres. Criei tudo para honrá-las”, afirma Cíntia. Nos cinco looks, podemos ver estampas autorais que se misturam aos tecidos fluidos e mais pesados. As silhuetas são ora ajustadas ao corpo, ora afastadas dele. Tudo faz uma analogia ao poder de resiliência que o feminino pode ter. Além disso, há a referência ao continente africano com a inserção dos adrinkras, símbolos que representam ideias expressas em provérbios.

Sua madrinha foi nada menos que Isaac Silva. A marca é veterana da SPFW, mas foi uma das primeiras geridas por pessoas negras a integrar o line-up da coleção em 2019. Para Cíntia, o estilista fez com ela o que ele mesmo não teve, ao ofertar apoio, acolhimento e conselhos sobre quais caminho a seguir.

Toda a equipe de fotografia, edição, styling e maquiagem foi muito bem pensada. Segundo Cíntia, seu desejo era de que ”eles tivessem a melhor experiência possível”. O filme fashion, que você confere abaixo, deixa evidente a potência de uma moda que tem propósito para além da estética. Mas, ”o que o computador e a tela não captam são os gritos de felicidade, o choro de superação, o reconhecimento e o final onde batemos palma, pois conseguimos entregar um trabalho como esse”, fala a estilista.

Ela diz ainda que busca criar para mulheres reais e segue os princípios do slow fashion. Por isso, o estoque de produtos é moderado, e as criações envolvem outro ritmo, distante da convencional frenesi da moda convencional. E isso não se restringe ao processo de design, se aplica também na cadeia produtiva como um todo, já que a marca não terceiriza as etapas de confecção. ”Isso está atrelado a qualidade de vida das costureiras”, explica Cintia, ao reforçar a importância e proximidade de sua modelista e pilotista, Babi Batista.

A força a qual a coleção se refere, esteve presente durante o processo criativo de Cíntia e sua equipe. ”Foi um desafio, a gente tem muita cobrança interna e somos ensinados que devemos fazer três vezes melhor”, compartilha a estilista. Sua felicidade é ver o line-up da maior semana de moda do Brasil mais racializado. Quem pensa que as estreantes estão entregando pouco, pode se desenganar. O que vimos nestes primeiros dois dias de evento foram novas marcas dando um baile em muitas veteranas, seja no quesito informação de moda ou propósito e alinhamento com o mundo de hoje. ”Fico me perguntando, se sem dinheiro já fizemos tudo isso, imagina com recursos?”, questiona a estilista.

Agora, Az Marias se prepara para as próximas duas participações no evento, já que o Sankofa contempla as edições do final deste ano e início de 2022. Quanto aos aprendizados, talvez um dos mais marcantes seja entender a moda de outra forma, com mais humanidade. ”Às vezes, nesse mercado, parece que todas as marcas são inimigas, mas aqui, [no Sankofa], aprendemos em conjunto. Isso faz parte de quase todas as culturas africanas. O problema de uma marca é meu problema, pois eu faço parte desse coletivo”, finaliza.

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