De Cristóbal a Demna Gvasalia: a história de mais de um século da Balenciaga
A marca que começou pelas mãos de um costureiro espanhol apaixonado pela estética do seu país foi um marco na alta-costura francesa de meados do século passado. Após anos fechada pelo próprio fundador, a Balenciaga soube se reinventar com maestria no ready-to-wear.
Cristóbal Balenciaga, o icônico fundador da marca que leva seu sobrenome, é definitivamente uma das figuras mais importantes do século XX. Sua história, porém, começa de uma forma muito menos luxuosa que os trabalhos que o tornaram notório. Ele nasceu em 1895, em uma pequena vila de pescadores chamada Getaria, localizada ao norte da Espanha.
Seu pai faleceu muito jovem, por isso, sua mãe, Martina Eizaguirre, costurava para famílias abastadas das redondezas para sustentar os três filhos. Foi ela quem ensinou Cristóbal a costurar, quando ele ainda era um menino e a acompanhava em seus trabalhos. O mais importante foi no Palácio Aldamar, residência de verão da Marquesa de Casa Torres, uma influente senhora da época.
Ela autorizou o pequeno Cristóbal de onze anos a copiar seus vestidos parisienses e, impressionada com o talento do menino para a costura, acabou se tornando sua patrona. Esse período foi tão fundamental para a trajetória do estilista que o Palácio Aldamar hoje em dia está acoplado ao Museu Cristóbal Balenciaga, que fica na sua cidade natal.
O início da carreira de Cristóbal Balenciaga
Cristóbal Balenciaga em 1927 Lipnitzki/Getty Images
Nos anos seguintes, o ainda rapaz Cristóbal Balenciaga aprimorou suas habilidades como alfaiate na cidade vizinha, San Sebastián, trabalhando ao lado da mãe. Essa era uma cidade em crescimento, em função do turismo no Golfo da Biscaia, que costumava atrair a própria corte espanhola à região durante algumas temporadas. E é lá que Cristóbal, aos 22 anos, decide abrir seu primeiro ateliê, em 1917, com seu nome completo batizando a casa.
Influenciado diretamente pela França, Cristóbal viajava, comprava modelos e levava para a Espanha para desmontar e conferir cada detalhe dos vestidos de grandes nomes da época, como Madeleine Vionnet. Na década de 1920, ele recebe a autorização até mesmo da própria Lanvin para reproduzir alguns modelos da maison francesa.
Mas ele não tinha olhos apenas para a capital da moda. Também ficava atento a países como o Japão e a China, o que certamente viria a influenciar a sua silhueta mais solta do corpo, além da alfaiataria inglesa. Em 1927, Cristóbal decide diversificar os negócios criando mais uma marca, a EISA Costura, uma homenagem ao sobrenome de solteira de sua mãe. O sucesso vem e ele abre filiais em Madri e Barcelona.
Os anos de ouro da Balenciaga
Bastidores de foto da Balenciaga em 1946 Genevieve Naylor/Getty Images
Em 1937, no entanto, em função da Guerra Civil Espanhola, ele deixa o país e parte para a França – fechando os seus ateliês espanhóis. No mesmo ano, abre a Casa Balenciaga em terras francesas na luxuosa Avenida George V e, em 1938, apresenta a sua primeira coleção. Cristóbal Balenciaga tinha, então, 42 anos, era um costureiro experiente e desde a sua primeira apresentação foi reconhecido e comemorado pela mídia.
E é aqui que o jogo se inverte e ele passa a olhar para Espanha em Paris, e não o contrário. A influência ibérica está no seu olhar aos majos e majas, cidadãos espanhóis que tinham um jeito marcante e pomposo de vestir e foram bastante pintados por Francisco de Goya.
Esse seu olhar para o vestuário histórico, principalmente no começo da carreira, foi importante para o designer mergulhar pelos cortes dos boleros à la toureiros, pelos tecidos ultra bordados, pela alusão da roupa rica da Espanha Renascentista e Barroca. A sacada é que tudo isso arrebatava os corações franceses.
Balenciaga, “o arquiteto da moda”
Anita Ekberg saindo de loja Balenciaga em Paris em 1962 Reporter Associes/Getty Images
Balenciaga foi aperfeiçoando bastante a construção de silhuetas ao longo de sua vida, criando, assim, formas mais simples e puras, o que viria a se tornar a sua grande assinatura. Isso fez com que ele fosse reconhecido como um escultor de roupas ou um arquiteto da moda. Ombros mais largos, um afrouxamento na cintura fizeram um contraponto ao New Look ultrafeminino e acinturadíssimo de Dior.
E é por isso que, ao longo da década de 1950 e de 1960, a Balenciaga vai viver a sua era de ouro, cheia de hits. Em 1953, vem a balloon jacket, que formava um desenho esférico na parte de cima do corpo. Em 1955, surge o vestido túnica, liberando a cintura e os movimentos da mulher. Em 1957, é a vez do vestido saco, que assustou os jornalistas, mas caiu como uma luva, ou melhor, como um saco bem libertário e funcional para as mulheres que cada vez mais passavam a trabalhar fora.
Além disso, fica para a história a intensa pesquisa e inovação na criação de tecidos mais estruturados com os quais ele pôde criar formas mais arrojadas. Com toda essa expertise, o costureiro passou a vestir nomes como Ava Gardner, Gloria Guinness, Mona Von Bismarck. Aliás, segundo Diana Vreeland, quando von Bismarck soube que Balenciaga fechou a sua marca para se aposentar, em 1968, ela não saiu do quarto por três dias. Quatro anos depois, em 1972, Cristóbal morre aos 77 anos.
Christian Dior o chamava de “o mestre de todos nós”. Coco Chanel disse que ele era o único dos costureiros autênticos, pois tinha um controle da peça que ia do desenvolvimento do tecido, passando pelo corte e chegando à costura. Oscar de la Renta, Pierre Cardin e Emanuel Ungaro foram alguns de seus aprendizes. Hubert de Givenchy, outro protegido do couturier, afirma que Balenciaga foi o maior arquiteto da alta-costura. E seu legado segue até hoje de inspiração para inúmeros estilistas.
Looks assinados por Cristóbal Balenciaga
O retorno da Balenciaga
Modelos posam em desfile de ready-to-wear da Balenciaga em 1989 Arnal/Getty Images
A empresa fica fechada até que uma companhia familiar de cosméticos, a The Bogart Group, adquire os direitos da grife e a reabre em 1986. Para assumir a Balenciaga, entra o estilista francês Michel Goma, que cria o ready-to-wear na casa e trabalha nela até 1992. Ele é substituído pelo estilista holandês Joseph Thimister, que deixa a grife em 1997, após um desfile bem pouco celebrado, com uma trilha sonora eletrônica que atordoou boa parte do salão e fez convidados abandonarem o evento.
É neste mesmo ano que a casa recebe um nome que a coloca no auge mais uma vez: Nicolas Ghesquière. O designer fica por 15 anos, até 2012, e a sua perícia na criação de silhuetas trouxe mais uma vez um jeito arquitetônico de fazer moda, que ecoava o traço do mestre, mas de maneira contemporânea. Ele desenhou a primeira it bag da Balenciaga, a Lariat, usada por Kate Moss e outras mulheres badaladas da época – e desejada por todos –, além de incluir a moda masculina na casa. Vale dizer também que nesse meio tempo, em 2001, o Grupo Gucci, então parte da PPR, que viria a ser o grupo Kering de hoje, adquire a Balenciaga.
Em 2012, chega o designer Alexander Wang, que fica na grife por seis temporadas. Com seu olhar bastante jovem e a inserção de elementos esportivos nas roupas, Wang fez a cabeça de celebridades como Lady Gaga, Julianne Moore e Zoe Kravitz, mas não durou muito.
Lariat, a primeira it bag da Balenciaga
Nicole Richie não tirava a sua Lariat do braço em 2006 Michael Tran Archive
A Balenciaga sob o comando de Demna Gvasalia
Divulgação
Mas é em 2015 que a marca faz a sua movimentação mais ousada: Demna Gvasalia. O estilista havia trabalhado na Maison Margiela, na Louis Vuitton, mas despontava mesmo para o público em geral com as suas criações no coletivo Vetements, a marca lançada em Paris no ano de 2014 com uma moda atrevida, irônica, duramente real. Nascido na década de 1980, na Geórgia, Demna Gvasalia viu de perto a guerra civil no país durante a década de 1990 e foi parar na Alemanha. O designer fala sete idiomas, se formou em economia e, depois, em moda, na tradicional Royal Academy of Fine Artes, na Antuérpia.
Após apenas três temporadas com o coletivo Vetements, ele foi indicado ao prêmio LVMH. François-Henri Pinault, presidente e executivo da Kering, ao explicar a contratação de Gvasalia para assumir a casa, chamou o estilista de “força poderosa no mundo criativo hoje”. E não mentiu. Em março de 2017, Gvasalia ganhou o CFDA por seu trabalho na Vetements e na Balenciaga. Em 2019, o designer deixou o coletivo para se dedicar integralmente à casa espanhola.
Na Balenciaga, ele criou hits como o sapato-meia, o Speed Sock, ou o tênis feio, também conhecido como Triple S. Até mesmo um jeito de vestir, como a jaqueta caída dos ombros, replicada mundo afora em editoriais e poses de streetstyle. Dialogando com o mundo de hoje, mas sempre imaginativo, ele já criou uma passarela que remontava o salão parlamentar de um governo e, em outra estação, colocou modelos para desfilar em um ambiente que ecoava o fim do mundo.
Case nas redes sociais, sob seu comando, a Balenciaga trouxe o uso de memes para a moda, cutucando a indústria para não se levar tão a sério assim. Mas também não se alienar e ter consciência política, social e ambiental. Esse jeito de criar não só uma marca, mas também uma cultura, fez com que a empresa dobrasse as suas vendas anuais para US$ 1 bilhão de dólares desde que o designer assumiu. Para o fotógrafo Cecil Beaton, Cristóbal Balenciaga “inventou o futuro da moda”. E o que tudo indica, Demna Gvasalia segue muito bem esses passos.
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