A história da Dr. Martens: de movimentos de contracultura à Bolsa de Valores

Com sua bota que virou sinônimo de rebeldia e mais de 60 anos de trajetória, a marca britânica de origem alemã começou de um jeito nada transgressor.


YpHqRdcP origin 829
Foto: Instagram @crazydoclady



A história da Dr. Martens começa com o médico alemão Klaus Maertens. Nos anos 1950, ele criou uma sola com almofada de ar para compensar seu calcanhar machucado durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1960, a fábrica R. Griggs Group Ltd. lança o modelo 1460 após adquirir os direitos de produção da sola tecnológica e fazer readaptações nas botas criadas por Maertens e seu amigo Herbert Funck. Sucesso entre proletários inicialmente, por volta de 1967, o coturno 1460 vira uniforme do guitarrista Pete Townshend, da banda The Who, e dos skinheads, iniciando uma longa história com os movimentos de contracultura da juventude rebelde. No início dos anos 2000, a empresa passa por um aperto após um curto período da sua bota icônica fora dos holofotes, mas consegue se recuperar com sucesso e, agora, em 2021, se prepara para entrar na Bolsa de Valores de Londres.

Acompanhe a história da marca abaixo:

O começo da Dr. Martens

image 260

A icônica bota 1460 tornou a Dr. Martens o que ela é hoje Dr. Martens / Divulgação

Sonho de consumo de muitos e símbolo da juventude rebelde, as botas Dr. Martens surgiram por necessidades ortopédicas do seu fundador, o médico alemão Klaus Maertens. Enquanto atuava no exército na Segunda Guerra Mundial, ele machucou seu calcanhar, ficando ainda mais difícil de andar com as desconfortáveis botas militares padrão.

Então, Klaus Maertens usou seus conhecimentos de sapateiro, adquiridos após uma breve experiência atuando na área quando era jovem, e desenvolveu uma sola com almofada de ar que proporciona mais amortecimento e tração. A partir disso, ele desenhou um protótipo de sapato e apresentou a um ex-colega de classe, o engenheiro mecânico Herbert Funck.

Juntos, em 1947, eles passaram produzir seus calçados inovadores reutilizando materiais como borracha e outros itens militares descartados. Já na década seguinte, a companhia cresceu rapidamente, impulsionada pelo grande interesse das donas de casa e mulheres mais velhas em seu solado tecnológico.

No final da década de 1950, a dupla vendeu os direitos de fabricação para o britânico Bill Grigg, terceira geração de uma tradicional família de sapateiros, dona da fábrica R. Griggs Group Ltd.. Ele usou sua expertise para os calçados da então chamada Dr. Maertens, ajustando o salto para melhor ergonomia, incluindo os bicos arredondados e introduzindo a costura amarela que logo se tornou uma das assinaturas da grife. Esse primeiro modelo foi chamado de Airway.

Mas foi no dia 1º de abril de 1960 que Bill Grigg apresentou a Dr. Martens – com o nome adaptado para a grafia britânica – de vez para o Reino Unido. Nessa data, foi lançado o hoje icônico modelo 1460: uma bota coturno de couro macio e puro com 8 ilhoses que viria a se tornar referência mundial. A novidade logo fez sucesso entre policiais, carregadores e operários, que a usavam para trabalhar com conforto máximo.

Dr. Martens e o movimento skinhead

Em 1967, parte da juventude trabalhadora britânica começa a formar o movimento skinhead. Influenciados por imigrantes afro-caribenhos que chegavam a Inglaterra, muitos jovens se encantam com alguns aspectos da cultura jamaicana e pegam gosto pelos estilos musicais reggae e ska. Logo vem o característico cabelo raspado e uma forma específica de se vestir: camisas de botão, calças jeans ou sta-prest, suspensórios e, nos pés, a coturno 1460.

Em pouco tempo, o modelo se torna quase um sinônimo dessa subcultura, que inicialmente não tinha nenhuma ligação com ideais segregacionistas e de extrema-direita. Usar essa bota feita para trabalhadores era uma forma de dizer que tinham orgulho de suas origens proletárias e que não se importavam nenhum pouco com a moda da época. Esse foi só o início da relação entre as botas Dr. Martens com movimentos de contracultura.

Nos anos seguintes, elas passam a ser adotadas também por góticos, punks e outros grupos. Um dos grandes responsáveis pela sua popularização é Pete Townshend, guitarrista do The Who, que, a partir de 1967, passa a usá-las nas apresentações da banda. Foi ele, inclusive, que iniciou a tradição de se quebrar guitarras em cima do palco durante os shows de rock. Seu espírito rebelde conquistava multidões e o calçado, que se tornou seu uniforme, também. Logo, bandas estadunidenses começaram a ter integrantes exibindo seus coturnos Dr. Martens comprados em turnês pela Inglaterra em seus shows e o calçado se tornou um símbolo da juventude rebelde.

Dr. Martens no início do milênio

A força do movimento grunge ainda garantiu a Dr. Martens um excelente faturamento nos anos 1990. Mais de dez milhões de pares de sapatos eram produzidos todos os anos e a sua loja de seis andares em Covent Garden, Londres, estava sempre lotada. Porém, as vendas caíram na virada do milênio e a marca chegou a flertar com a falência em 2003. Para economizar, a produção foi transferida para a China e a Tailândia e mais de mil empregos foram cortados no Reino Unido. A jogada acabou dando certo e o grupo The R. Griggs Group Ltd. até ganhou um prêmio pela recuperação bem sucedida.

Com novo fôlego, em 2014, a Dr. Martens é comprada pela firma de investimentos britânica Permira por € 380 milhões (cerca de R$ 2,46 bilhões). O curioso é que, dois anos antes, a família Griggs chegou a leiloar a empresa, porém não obteve lances o suficiente. Com a mudança de casa, uma nova reestruturação se inicia. O foco passa a ser a venda direta em mais de 60 países e em um e-commerce forte.

Vale ressaltar que a família Griggs construiu a sua empresa a partir da licença para o uso da sola tecnológica desenvolvida pela dupla de alemães Maertens e Funck. Outras fábricas também tinham essa autorização, mas nenhuma obteve o sucesso estrondoso dos Griggs, que, ao longo de 50 anos, fez história na indústria de calçados e na cena cultural. Com isso, os herdeiros dos criadores seguem recebendo uma pequena porcentagem nas vendas da Dr. Martens como taxa de licença.

Dr. Martens na Bolsa de Valores

Mesmo com a pandemia, a Dr. Martens conseguiu aumentar a sua receita em 2020. Foram 5,5 milhões de pares vendidos entre abril e setembro, gerando um faturamento de £ 318 milhões (cerca de R$ 2,31 bilhões) nesses seis meses – 18% maior que o registrado no mesmo período em 2019. Destaque para as vendas online que tiveram a sua receita aumentada em 74%. A bota alcançou o status de ícone, um básico do armário para quem procura um coturno, e continua na mira das gerações mais novas, como os millennials e os Gen-Zs (que adoram o modelo Jaden, de plataforma, por exemplo). Atualmente, a marca faz versões veganas de seus itens e diversos modelos de calçados, como sapatos estilo oxford e até sandálias. Sem lojas no Brasil, é preciso recorrer a e-commerces que importam, como a Farfetch, para garantir uma.

Com todo esse sucesso, a marca agora se prepara para abrir capital com a expectativa de negociar na Bolsa de Valores de Londres. Os últimos anos já vinham sendo bastante rentáveis para a Dr. Martens e o crescimento na pandemia só confirmou a força que a marca tem. A expectativa dos executivos da Permira é de que a transição seja uma das mais lucrativas de sua história. Pode ter certeza que a ELLE seguirá acompanhando a esse processo com os olhos atentos.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes