Entenda as mudanças no comando criativo da Chloé
Após saída de Natacha Ramsay-Levi, a marca francesa anuncia a estilista Gabriela Hearst como nova diretora de criação e dá continuidade aos planos de reformulação de negócio.
Na manhã desta segunda-feira (07.12), a Chloé anunciou a estilista uruguaiana Gabriela Hearst como a nova diretora de criação da marca. Dias antes, mais precisamente na última quinta-feira (03.12), Natacha Ramsay-Levi, comunicou o seu desligamento da grife, após quase quatro anos no cargo. “Tive o grande privilégio de expressar a minha criatividade dirigindo a maison em compromisso com a liberdade intelectual e com os valores fundamentais de Gaby Aghion. Quero agradecer a Chloé por esta oportunidade e também pelo apoio na minha decisão de deixar o cargo”, escreveu a francesa em um post no seu perfil no Instagram.
A mudança no comando criativo da maison vai de encontro às medidas de transformação da marca em um negócio mais responsável e com propósito. “Estamos saindo da fase de coleções rumo à fase de conexões”, disse Riccardo Bellini, CEO da grife, em entrevista ao Women’s Wear Daily. “Só coleções não é mais suficiente. O que a marca acredita, seus ideais e valores são tão relevantes quanto os produtos”, continua o executivo.
Nascida no Uruguai, Gabriela, 44 anos, lançou a sua marca homônima em 2015, com sede nos Estados Unidos. Desde então, vem chamando atenção por sua abordagem sustentável. Neste ano apresentou uma coleção desenvolvida inteiramente a partir do seu estoque morto e, em setembro, foi a vencedora do CFDA Fashion Awards na categoria Estilista de Moda Feminina.
A postura responsável da marca reverberou bem entre profissionais da área e mais ainda entre consumidores. Após três anos do lançamento, a etiqueta Gabriela Hearst já contabilizava US$ 20 milhões em vendas e abria sua primeira loja própria em Nova York. No ano seguinte, foi a vez de Londres receber um ponto de venda e, em setembro de 2020, a estilista fez sua estreia na semana de moda de Paris.
Sua chegada à Chloé reforça pontos importantes na reestruturação de negócios. Além disso, a afinidade de Gabriela com acessórios (a bolsa Nina, de sua marca homônima, foi sucesso de vendas em um momento em que o mercado estava extremamente saturado) é uma qualidade valiosa para a maison de luxo.
Ainda que bem recebidas pela crítica, as coleções de Natacha Ramsay-Levi falharam em gerar o retorno esperado pela empresa. Seu impacto no campo dos acessórios também parece ter decepcionado os executivos. Foram poucas as peças criadas pela estilista que conseguirem atingir o mesmo status de hit de itens do passado. A exceção talvez seja a bolsa Chloé C, considerada um dos itens mais populares de 2019 pela plataforma Lyst.
Mas quem foi e de onde veio Natacha Ramsay-Levi?
Ex-braço direito do diretor de criação Nicolas Ghesquière (tanta na Balenciaga quanto na Louis Vuitton), Natacha chegou na Chloé em 2017, após a saída de Clare Waight Keller. Apesar de ser um nome pouco conhecido, à época, sua nomeação não foi tão inusitada ao se considerar o histórico de diretores criativos na masion – a marca francesa sempre demonstrou preferência por jovens designers, como foi o caso de Karl Lagerfeld, Stella McCartney e Phoebe Philo.
A real surpresa, foi quanto às disparidades dos códigos. Enquanto a Chloé, tradicionalmente, assumia um DNA ultra feminino e flertava com aspectos boho, Natacha vinha treinada pela escola Ghesquière, ou seja, estava habituada a ter uma visão da estética modernista, quase futurista. Entretanto, Geoffroy de la Bourdonnaye, então CEO da grife, parecia confiante da escolha. Em entrevista ao The New York Times, disse: “Quando fazemos esse tipo de contratação, não olhamos o que alguém fez, mas o que aprendeu. Não estamos contratando os seus trabalhos anteriores. Estamos contratando um grande talento. Ela é ousada, confiante e sabe para onde está indo”.
E, de fato, já na sua coleção de estreia, apresentada em setembro de 2017, Natacha recebeu considerável apoio da imprensa e crítica de moda. Desde então, em um claro empenho para equilibrar os DNAs, ela trouxe força para a já conhecida suavidade da Chloé, apostando em looks mais estruturados, e acrescentando um toque urbano sem colocar de lado a assinatura descomplicada da marca.
A coleção de Verão 2021, desfilada em outubro, foi a última antes do seu desligamento. Dessa vez, Natacha, inspirada pelas suas reflexões durante o isolamento, buscou questionar como o nosso guarda-roupa afeta a linguagem corporal e a maneira como nos movemos e nos comportamos em espaços públicos. Na passarela, isso apareceu de forma pragmática: “tratava-se de simplificar”, disse ela entrevista ao WWD. As referências vieram também do legado de Corita Kent, uma freira que ficou conhecida nos anos 1960 pelo seu trabalho contra a injustiça social.
A sua saída
As reflexões da quarentena, além de terem inspirado a sua última coleção, foram o motivo da decisão de sua saída. “Nos últimos meses, tenho pensado sobre as mudanças que quero ver em nosso setor e como melhor alinhá-las aos meus próprios valores criativos, intelectuais e emocionais. É esta reflexão que me leva a desejar novas oportunidades e a pensar em um futuro diferente para mim”, contou Natacha em seu Instagram. A designer completou o texto agradecendo a maison: “Carrego o meu profundo respeito pela Chloé e, neste estado de espírito, me volto para um novo futuro, que essa casa ajudou a iluminar”.
Entretanto, já há alguns meses havia boatos de uma possível não renovação de contrato. Entre fevereiro e março deste ano, os rumores começaram, apontando que a Chloé estaria em busca de um substituto para Natacha. As notícias afirmavam uma queda nas vendas da marca em comparação com os números registrados por sua antecessora, Clare Waight Keller. No período, um porta-voz da empresa negou as informações.
Um novo momento para a marca
Se esses rumores eram realmente verdadeiros, não há como saber, mas é fato que, a partir de agora, a Chloé poderá considerar um novo futuro. Em outubro do ano passado, as mudanças já haviam começado. Após nove anos à frente da presidência da marca, Geoffroy de la Bourdonnaye decidiu renunciar o cargo, abrindo espaço para o novo CEO, Riccardo Bellini. A nomeação do executivo, que anteriormente havia liderado a Maison Margiela, aconteceu em um momento em que a Richemont, empresa dona da Chloé, estava lutando para acompanhar os conglomerados concorrentes, e a estagnação da etiqueta francesa não era uma opção.
Pouco mais de um ano depois, o desafio continua, mas maiores mudanças só começaram a ser anunciadas no último mês. Em meados de novembro, semanas antes de comunicar o desligamento de Natacha Ramsay-Levi, Riccardo revelou os planos para a marca, em entrevista ao WWD. “O futuro da Chloé está enraizado no verdadeiro espírito e genética da casa. Somos uma maison baseada em valores que hoje são extremamente modernos para o luxo e relevantes para as nossas consumidoras”, afirmou.
Em um empenho para ser reconhecida por suas ações socioambientais, a Chloé tem, entre os seus planos, a busca pela certificação B Corp por seu desempenho sustentável, a criação de um fundo de impacto dedicado à educação de meninas e a aceleração da inovação criativa nas coleções da empresa, ao mesmo tempo que incorpora empreendedores sociais à sua cadeia de abastecimento.
O passado da Chloé
Ao contrário de outras marcas de luxo, como a Dior, que só teve a sua primeira diretora criativa mulher, Maria Grazia Chiuri, em 2016, e da Givenchy, que nomeou a sua primeira, Clare Waight Keller, em 2017, a Chloé já tem um longo histórico de figuras femininas à frente do cargo.
Fundada em 1952 por Gaby Aghion e Jacques Lenoir, a etiqueta foi inspirada nas amigas de Gaby que, embora abastadas, não tinham tempo para as criações sob medida da alta-costura. Propondo um conceito easy chic, a Chloé foi uma das primeiras marcas a adotar o formato prêt-à-porter e não demorou para se tornar um grande sucesso. Em meados dos anos 1960, a fundadora contratou Karl Lagerfeld como designer. O alemão, ainda não conhecido, ganhou reconhecimento na marca ao longo de quase duas décadas e foi como uma vitrine para, posteriormente, ser chamado para assumir a Chanel.
Em 1987, foi a vez de Martine Sitbon. A estilista, que dividia-se entre a Chloé e a sua marca própria, abriu uma nova era para a casa francesa. Trazendo as grandes modelos da época, como Linda Evangelista e Claudia Schiffer, para os holofotes, Martine foi a responsável por muitas das mais impactantes campanhas publicitárias da década. Em seguida, após um rápido retorno de Lagerfeld, Stella McCartney assumiu o cargo, em 1997. Embora muitos duvidassem de sua habilidade, com apenas 25 anos, a designer injetou uma dose divertida, jovem e sexy, nunca antes vista na Chloé. O braço direito da britânica, Phoebe Philo, a sucedeu em 2001 e, propondo uma maior quantidade de artigos de couro, foi a responsável por aumentar as vendas da etiqueta em 60%. Logo depois, Hannah MacGibbon se tornou a diretora criativa e, posteriormente, Clare Waight Keller.
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