COP-27 e moda: a participação da indústria na Conferência do Clima
Durante o evento, no Egito, o debate foi sobre resultados e progressões. Malwee, Renner e Grupo Soma são as etiquetas brasileiras participantes.
Se durante a Conferência do Clima em 2021 marcas e entidades da indústria da moda comprometeram-se com metas de sustentabilidade, neste ano, na COP-27, a discussão é para avaliar o progresso e implementação daquelas promessas.
No ano passado, a Carta da Indústria da Moda para a Ação Climática, que existe desde 2018, foi atualizada. Ao todo, 130 signatários se comprometeram a cessar suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) até 2050, reduzi-las pela metade até o final desta década, obter 100% do consumo de energia vindo de fontes renováveis, fornecimento de matérias-primas com princípios de sustentabilidade e a eliminação gradual do carvão da cadeia de abastecimento.
Durante a mais recente edição do evento, que aconteceu em Sharm El Sheikh, no Egito, entre os dias 06 e 18 de novembro, a organização Global Fashion Agenda (GFA) se uniu ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para lançar uma nova Consulta de Objetivos da Indústria da Moda. Foram propostas diretrizes em cinco áreas principais: ambientes de trabalho dignos e seguros, melhores formas de pagamentos e salários, administração de recursos, escolhas inteligentes de materiais e sistemas circulares.
“É essencial os líderes participantes da COP-27 irem além das palavras para estabelecer compromissos claros, que sejam rigorosamente seguidos, levando à implementação de ações concretas e urgentes”, diz Federica Marchionni, CEO da GFA. “Os formuladores de políticas podem ter uma influência tremenda sobre o futuro da indústria da moda e devem usar esse momento para definir parâmetros ambiciosos e transformadores, não apenas sobre o clima, mas também considerando a interseccionalidade dos tópicos de sustentabilidade, desde igualdade e empoderamento até salários dignos e metas de natureza contextual, por exemplo, em água doce e biodiversidade.”
No dia 11.11, a United National Climate Change promoveu um evento para discutir quais medidas estão sendo tomadas e o que é necessário para atingir as demais metas. Durante a abertura, a oradora Sophia Kianni disse para as marcas: “Parem de mentir e fazer greenwashing. Para os consumidores, parem de comprar rápido e compulsivamente”.
E teve ainda discurso do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, no dia 16.11, e cercado por ativistas, ambientalistas e lideranças indígenas. No pronunciamento, Lula prometeu priorizar a proteção dos biomas brasileiros, fiscalizar crimes ambientais e reduzir emissões de GEE no país. Isso é importante para a indústria nacional, porque o desmatamento, a grilagem e o garimpo tange a produção e sistema da moda, seja na produção das fibras têxteis, ou na extração e comércio de ouro.
As marcas de moda na COP-27
Um grupo de empresas, entre grandes varejistas e grupos de luxo, anunciaram que pretendem comprar mais de meio milhão de toneladas de fibras de baixo carbono para roupas e embalagens, na tentativa de reduzir suas emissões globais. Entre os principais nomes estão H&M, Inditex e Kering. A iniciativa é liderada pela pela organização ambiental Canopy.
Quanto às marcas brasileiras, a Malwee esteve presente pela terceira vez no evento. À convite da organização Responding to Climate Change, a varejista anunciou que o “fio do futuro” será usado, a partir de 2023, nas peças do seu mix de produtos e também das linhas infantis. A matéria prima foi desenvolvida pela companhia e é fabricada com 85% de peças usadas e 15% de fibra de poliéster reciclado, feito a partir de garrafas PET.
Já a Lojas Renner, convidada pela primeira vez para uma Conferência do Clima, participou de dois painéis. No Sustainable Fashion Made in Brazil, a varejista apresentou como aplica alguns princípios de sustentabilidade no desenvolvimento de suas coleções. E no Using the Power of ESG to Change the World, compartilhou suas estratégias e avanços na implementação do ESG (Governança ambiental, social e corporativa).
O Grupo SOMA também foi um dos convidados pelo Fashion Charter for Climate Action para participar do painel “A indústria da moda está se comprometendo com a descarbonização?”. A holding carioca, que agrega marcas como Farm, Animale e ByNV, já havia assinado a Carta da Indústria da Moda e assumiu publicamente a meta de reduzir suas emissões de GEE por meio de uma transição energética.
Futuro distante
Apesar dos esforços importantes de algumas etiquetas, a indústria da moda mantém distante a realidade do carbono zero. A Stand.Earth analisou dez grandes marcas signatárias da Carta da Moda, mas apenas uma – a Levi’s – mostra estar no processo de reduzir suas emissões de GEE em 55% até 2030. Em contrapartida, a pesquisa descobriu que as emissões de oito das marcas cresceram em 2021 se comparadas ao ano anterior.
Uma das etapas da indústria que mais concentra o problema é a geração dos fios, fibras e tecidos. Mas, conforme um relatório recente da Textile Exchange, a produção global de fibras atingiu o número recorde de 113 milhões de toneladas em 2021, após uma pequena queda devido a COVID-19 em 2020.
Pouco, quase nada, desse material é reciclado ou reutilizado. Ainda de acordo com o relatório, em 2021, a absorção geral de fibras recicladas em comparação à produção total de fibras foi de apenas 8,5%, sendo 7,9% poliéster reciclado de garrafas plásticas e apenas 0,6% de todas as outras fibras. Isso significa que menos de 1% do mercado global era de fibras recicladas no ano passado.
Mesmo se a moda cumprir suas promessas e mudar suas práticas, ainda falta o comprometimento de outras indústrias paralelas. A Copenhagen Climate Centre (UNEP-CCC) revelou que as atuais promessas climáticas, combinadas com outras medidas de mitigação, colocam o mundo no caminho para um aumento global da temperatura de 2,7°C até o final do século. O número está bem acima do sinalizado pelo Acordo de Paris e pode nos levar a mais catástrofes climáticas irreversíveis no planeta.
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