É a roupa que tem que caber na gente, não o contrário, diz Letticia Munniz

Collab da modelo com a VistaMagalu traz grade do PP ao GGGG e promete ser o começo de um movimento para ampliar as narrativas de estilo exploradas por mulheres gordas.


Letticia Muniz e mais duas modelos, todas de branco, com looks da coleção de Letticia Muniz para o VistaMagalu
Raissa Neon, Letticia Munniz e Bibolvtcom looks da coleção de Letticia para o VistaMagalu. Foto: Divulgação



Embora trabalhe no mercado há cinco anos, Letticia Munniz não é iniciante na moda. “Essa relação vem desde criança, desde que consigo lembrar que existo”, diz a apresentadora e modelo, que, só nesta temporada da SPFW, marcou presença em passarelas cobiçadas como a de Misci, Another Place, Az Marias e Bold Strap. “Sempre fui muito autêntica. Adorava inventar coisas e até assustava minha mãe, que dizia ‘meu deus! Vai para onde assim?’, e eu nem aí. Mas quando meu corpo começou a se desenvolver, com dez anos de idade, essa relação virou um problema”, continua. O motivo é simples: “As roupas não cabiam mais em mim”. 

Dessa forma, a moda, que antes era uma brincadeira alcançável, ficou restrita ao plano platônico, e por muitos anos. “O tempo todo a gente escuta: ‘Não fazemos porque não vende. Fica tudo encalhado no estoque, então não faço mais'”, relata sobre as respostas ouvidas ao cobrar algumas marcas por uma grade maior. A resposta, como podemos imaginar, nunca desceu bem para a modelo. “Como que não vende? A gente não tem marca para usar! Se você faz uma roupa bonita que eu gosto, cabe em mim, me veste bem e não for caríssima, como que não vou comprar?”, argumenta. 

A validação da réplica veio com o lançamento da sua primeira coleção em parceria com o Vista Magalu, start-up de moda criada, em outubro de 2021, pelo Magazine Luiza. “Um vestido, que era a minha aposta, esgotou em duas horas. E o mais legal é que esgotaram primeiro os tamanhos grandes”, diz, sem esconder a felicidade. 

Letícia Muniz e outras modelos com diferentes formas físicas vestem looks da sua coleção para a marca Vista Magalu.

Aisha Mbkila, Bivolt, Raissa Neon, Letticia Munniz, Stephani Mauricio, Juliana Andrade. Foto: Divulgação

A relação entre a modelo e o grupo de varejo começou um pouco antes. Primeiro, veio uma collab, na qual Letticia selecionou algumas peças previamente já desenhadas pelo time da marca. Foi meio que um teste ou reconhecimento de área, sabe? Agora, desde o dia 21.11 peças concebidas do zero pela modelo e apresentadora estão à venda no site do VistaMagalu.

“Sinto alegria de estar trabalhando nisso, me envolvendo em tudo, porque vou poder ajudar muitas mulheres a se sentirem bem com quem elas são”, diz, emocionada, sem esconder as lágrimas. “É muito difícil você se amar, ou até mesmo acessar conteúdos que falam ‘olha, se ama, não tem nada de errado com o seu corpo’.  Mas aí você tem uma festa, um date, ou quer comprar um look para o trabalho, e quando chega na loja, percebe o contrário. Do que adianta falarem que não tem nada de errado comigo se continuam provando que tem?”, indaga. “Já emprestei roupa minha para várias seguidoras que tinham festas, ou até iam casar no civil, mas não encontravam algo para usar”. 

Justamente por chegar ao mercado oferecendo uma grade mais ampla, que vai do pp ao gggg, o Vista Magalu chamou a sua atenção. “Conheci pela internet e comprei algumas peças. Achei incrível e divulguei”, comenta Lettícia, acrescentando que a divulgação aconteceu de maneira orgânica, sem o patrocínio da empresa. “É uma marca que nasceu pensando em representatividade e inclusão, que sempre achei que combina com meus valores e princípios. Era onde eu queria estar para fazer algo do meu coração.” 

A avatar digital Lu, Lettícia Muniz e outras modelos com looks da coleção criada por Lettícia Muniz para a marca VistaMagalu.

Aisha Mbikila, Raissa Neon, Polly Marinho, Magalu, Letticia Munniz, Stephani Mauricio, Bivolt. Foto: Divulgação

O resultado são peças versáteis e customizáveis que exaltam os corpos que as irão vestir ao invés de escondê-lo. Além de levar a mensagem do amor próprio às mulheres gordas e de cobrar que o mundo as ame de volta, outra influência de Letticia é ir contra a narrativa – infeliz – de que corpos maiores precisam ser disfarçados. 

Por isso, a coleção é produzida em tecidos justos, mas elásticos, e caprichada em decotes, recortes e estruturas adaptáveis que permitem que as roupas se apresentem de diferentes formas, como, por exemplo, mangas que se alongam e encurtam, e cordões ajustáveis, que mudam o comprimento de blusas e saias. 

“Pensamos muito no processo de evolução da aceitação da mulher. Talvez, em um primeiro momento, ela não esteja segura e confortável para ficar com a barriga de fora, mas depois, se ela ficar, pode só ir subindo a cordinha da blusa gradualmente, sem precisar comprar outra peça”, comenta. “Ou então, ela está no trabalho e depois quer ir a um happy hour. É só ajustar a peça e o look muda.”

“A gente entra nessa de achar que a culpa é nossa, e a roupa deixa de ser uma roupa, vira uma compulsão alimentar, doença mental e mais.” – Letticia Munniz

Uma saia máxi-mídi com ajustes na lateral é sua peça preferida da coleção, não só porque reflete bem o seu estilo pessoal, mas também por corrigir uma falha que notava no mercado. “Geralmente, a saia mídi fica abaixo do joelho, mas quando a gente que tem coxão e bundão começa a andar, ela vai subindo até virar uma saia curta. Esse movimento é desconfortável física e emocionalmente. Se você quisesse uma saia curta você teria comprado uma”, comenta. “Queria criar uma saia mais longa que não subisse, e que não trouxesse a sensação de que se você tivesse uma perna mais fina, ela ficaria no lugar.” 

A atenção a detalhes como esse é um reflexo de sua própria jornada e, mais importante ainda, da mudança que deseja ver. “Quando você entra em uma loja e não tem o seu tamanho, você acha que o erro é seu, e não da loja: ‘Ah, se eu não tivesse comido aquilo, se eu tivesse seguido a dieta, se eu malhasse mais’. A gente entra nessa de achar que a culpa é nossa, e a roupa deixa de ser uma roupa, vira uma compulsão alimentar, doença mental e mais. Mas é a roupa que tem que caber na gente, e não a gente que tem que caber na roupa.”

“Ensinei muita coisa para um time inteiro que trabalha há anos com confecção. Por que sei mais do que eles? Não. Mas porque vivo no meu corpo há 30 anos”, continua. A coleção – “a primeira de muitas de muitas que virão”, torce, com confiança inabalável – é interpretada como um ponto de partida para que mulheres maiores possam ter o guarda-roupa que sempre quiseram. Por isso, é colorida apenas em preto e branco. “Cores neutras são curinga. Também penso que se você está começando, você vai no básico, e não sai já ousando e apostando em cores fortes”, avalia.

“Sei que não vai agradar todo mundo, porque não é o estilo de todo o mundo. As pessoas não se vestem igual”, diz sobre o design e as decisões tomadas para essa primeira collab. “Mas quero oferecer algo a mulheres que admiram meu estilo e que não querem esconder seus corpos. A palavra disfarçar está em tudo que a gente encontra. Mas não quero disfarçar. Meu estilo é sobre amar o meu corpo e não ter vergonha de ser quem eu sou.” 

Apesar do ânimo com o impacto positivo que sua iniciativa promete causar, ela entende que o movimento não é uma revolução – ainda. “Não dá para ficar falando que é para todo mundo porque não é. Não estamos vestindo todos os corpos. Vestimos até o 54, ou o 56 dependendo da peça. Queremos ampliar. E eu ainda quero trazer muita tendência e informação de moda que não existem para os nossos corpos”, considera. Mas a largada é dada: “Não quero mais que nenhuma mulher saia de uma loja chorando ou se odiando. Quero que seja tão fácil pra gente quanto é para as pessoas magras”. Por aqui, seguiremos acompanhando de perto. 

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