Ellias Kaleb funde poesia e biomimética em coleção

Estilista propõe o que chamou de obra imersiva no primeiro dia da 48ª Casa de Criadores, para a qual mixou frases de anônimos, explorou traços da natureza e costurou resíduos têxteis.


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Intitulada Sonidos, a apresentação do Studio Ellias Kaleb é um vídeo de 2 minutos e meio em que, dentro de um estúdio escuro, modelos interpretam, dançam e desfilam, enquanto imagens computadorizadas de texturas completam o que o estilista chamou de “obra imersiva” proposta para esta 48ª Casa de Criadores.

Áudios sobrepostos são ouvidos ao fundo e é possível pinçar uma frase ou outra como, por exemplo, “viver em sociedade”, “ferida ancestral profunda”, “filhos do apocalipse” e “conexão com a Terra”. “Pedi para pessoas me enviarem poesias. Elas não são poetas profissionais, mas são sensíveis e me cederam os áudios declamando sensações e palavras soltas”, explica o designer.

Os trechos dos poemas foram recortados e sobrepostos pela DJ Pode Ser Desligado, que transformou o emaranhado de vozes em uma trilha para o vídeo. No curta, as performers Micall e Katrevosa aparecem com vestidos de caldas longas e umedecidas em tintas roxa e verde. As artistas se esparramam juntas em cima de um algodão cru e formam uma pintura.

Pintura é algo presente na vida de Ellias Kaleb desde a infância, algo anterior até mesmo ao trabalho de costureiro. E ele confirma que está com interesse de juntar as duas coisas e amadurecer as linguagens em um processo combinado. A profusão de imagens apresentadas no curta, porém, não se destaca tanto quanto a roupa. E, para uma semana de moda, isso é positivo.

“O trabalho de modelagem vem de um lugar emocional e libertário”, afirma. Metros e mais metros de tecidos costurados formam uma base comprida de babados que, depois, é aplicada em um manequim para o processo de moulage. Ele finaliza com amarrações, de maneira que os vestidos ganham forma e se tornam acessíveis, porque podem ser usados por diferentes tipos de corpos, com a facilidade de um nó.

Esses vestidos em movimento lembram uma água-viva ou uma serpente, uma salamandra ou um jacaré, como um anfíbio que deixou as águas durante a evolução da espécie para se tornar réptil em solo firme. Essa conexão com a natureza pode soar como viagem, mas é presente no trabalho de Kaleb. O estilista já colocou pássaros figurativos em coleções passadas, e, desta vez, o bicho pode ser visto também na modelagem, como quando os babados provocam voluminhos de asas nos ombros.

O styling ainda reforça essa tese. São acrescentadas às roupas botas com estampas de píton, balaclavas metalizadas em furta-cor, além de mangas com dedos compridos e efeito holográfico. O resultado desses tecidos é menos futurista e mais próximo da casca multicolorida de um besouro ou da papada quase mágica de um pássaro tropical.

Ele até pode não ter olhado para esse lugar especificamente, mas é difícil não associar a coleção à biomimética, área da ciência que estuda as estruturas biológicas para entender como a natureza pode solucionar os problemas criados por humanos. Um instagram que recentemente viralizou fazendo essa conexão com a moda foi o @fashion.biologique, que, inclusive, virou assunto para Vivian Whiteman no texto “Cósmica como toda a natureza”, na segunda edição da ELLE View.

Fora isso, toda a coleção de Kaleb é feita em algodão, jeans e tafetá que foram encontrados em descartes têxteis. “Recurso é uma coisa que me pega, porque não é nada simples buscar por isso ao fazer uma nova coleção”, afirma. “Ainda mais com a pandemia, eu me esforcei muito nesses anos para manter o negócio vivo. Criativos podem ter ideias infinitas mas, na prática, a coisa fica limitada e isso nos prejudica”, continua.

Muito longe de glamorizar a escassez, o que de fato aconteceu com Kaleb é que ele deu passos evolutivos enquanto se adaptou à aridez do cenário atual. Nas fotos de Rafa Kennedy, isso fica melhor traduzido, porque a roupa vem para o primeiro plano.

Outro ponto positivo é que a marca envereda para o sob medida, enquanto que Kaleb é chamado para vestir nomes como Céu, Duda Beat, Jup do Bairro e Negra Li. Trata-se de um baita acerto para uma roupa autoral, que funciona melhor nos palcos e nas fotos. “No começo, eu produzia pequenas grades, mas elas ficavam paradas. Agora, eu me entrego ao que funciona para mim. Quando recebo um pedido, avalio a situação em que a roupa será usada, o que é melhor para aquele momento. Ouço a pessoa e, comercialmente, funciona bem. Ainda que o fluxo não seja enorme, é bem melhor”.

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