Em tempos conservadores, Marc Jacobs ignora barreiras criativas e comerciais
Nova coleção do estilista segue com novo formato de lançamento, produção e no que é tido como venda garantida.
Marc Jacobs incluiu uma citação de Nietzsche no release da sua coleção de inverno 2022, apresentada na noite de segunda-feira, 27.06, em Nova York. “Temos a arte para não morrer da verdade.” O fato de que a apresentação aconteceu dias depois da Suprema Corte estadunidense ter revogado o direito ao aborto, após quase 50 anos de legalidade, fez com que muita gente mergulhasse de cabeça nessa conexão.
A coleção em questão já estava em preparação meses antes da decisão retrógrada, então não dá para dizer que as roupas são uma resposta direta ao ocorrido. O que dá para dizer, e com uma considerável certeza, é que Marc Jacobs está mais rebelde do que nunca. E o bombardeio aos direitos fundamentais e humanos das minorias, sem dúvida, serviu de fagulha.
Desde o início da pandemia de covid-19, Marc Jacobs se tornou mais ativo e vocal sobre seu ponto de vista – em relação a tudo. Dá até para dizer que o estilista virou uma espécie bem especial de influenciador, dada sua crescente e intensa presença digital. Ele criticou o calendário de lançamento, a maneira como as roupas são precificadas, a aceleração no tempo de produção e a quantidade de novos produtos inseridos no mercado.
Mostrando-se uma das pessoas mais sensatas em meio ao caos dos primeiros meses pandêmicos, ele decidiu dar um passo atrás, suspender as operações de sua marca quase que completamente e adiar os próximos lançamentos. A situação só mudou no ano passado, quando o estilista desfilou na biblioteca pública de Nova York uma coleção vendida exclusivamente na loja de departamentos Bergdorf Goodman.
Naquele mesmo cenário, Marc mostrou uma nova coleção que parecia dar continuidade a alguns dos temas de um ano atrás. Os volumes, por exemplo, continuam maximizados, em camadas de tecidos enrolados sobre o corpo, como nos tricôs sobre saias amplas ou nas camisas e camisetas meio despetaladas, umas sobre as outras. Ao mesmo tempo, looks e peças com modelagens mais contidas ou próximas do convencional – as pantalonas jeans, as camisas com corsets ou os casacos de náilon – servem de contrapeso para explosão criativa que mistura silhuetas e formas do século 19 com tecidos e materiais de agora, da malha ao jeans até plástico e metal.
São roupas de difícil descrição e, mais ainda, de categorização. Masculino, feminino, casual, formal, festa, esportivo, os limites se confundem, se apagam, é tudo junto e ao mesmo tempo. Algo bem diferente das barreiras que vêm sendo erguidas com cada vez mais frequência até mesmo onde se dizia que a democracia era suprema. A pesquisa de referências é intensa e baseada em padrões de comportamentos, como nas mãos e braços todos cobertos, no foco e volume nos quadris. Ao mesmo tempo, a escolha de materiais, os cortes e recortes, os acessórios indicam não só uma revisão, mas uma nova proposta de entendimento e de vestimenta.
Nos últimos anos, a marca de Jacobs passou por uma reestruturação intensa, com troca de CEO, demissões, fechamento de lojas e demissões. Agora, segundo reportagem do site The Business of Fashion, os resultados já dão sinais positivos, provando o sucesso da estratégia. Essa, no caso, consiste na diversificação de produtos, como a linha mais acessível Heaven, o reforço nos setores de beleza e fragrância, foco nos acessórios para dar mais caixa e margem de manobra para as ideias e criatividade de um dos estilistas mais geniais em atividade.
Ah, e nos créditos do desfile, além dos nomes habituais – maquiadores, cabeleireiros, manicures, stylists, produtores – entraram fornecedores de todos os tipos, estilistas terceirizados e até funcionários temporários.
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