A fantasia necessária de João Pimenta

Sem se importar com quem chama a sua moda de alegórica, estilista aproveita a libertação para levar escapismo aos seus "loucos clientes".


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Fotos: Divulgação



Na temporada passada ele escureceu. A pandemia avançava e João Pimenta fez uma coleção sobre a doença assustadora que sufocava o mundo, com roupas dramáticas, balaclavas e um vídeo cheio de tensão. Nesta nova coleção, porém, ele vai para o extremo oposto. Mas se engana quem entende isso como negacionismo. Na verdade, frente ao terror que estamos vivendo ele só preferiu dar a seus clientes um pouco do que acha necessário: cor, diversão e liberdade. “Quero mais poesia, felicidade e alto astral. Mesmo que eu e meu cliente saibamos que tudo isso não passa de mentira, é pura fantasia”, fala.

A coleção tem uma paleta variada, acrescentada de brilhos e bordados, além de um intenso trabalho de superfícies – resultado de muitos tecidos emendados para criar texturas. Isso só foi possível porque é a primeira vez que João avança no upcycling, por meio do reaproveitamento têxtil – ele comprou amostras em lojas de tecidos e criou com elas. Esse mecanismo também está na reunião de referências, como se muitos retalhos de épocas diversas fossem costurados. Do Renascimento vem os espartilhos, as ancas e as golas. Mas há, ora ou outra, um toque futurista, que escapa na segunda pele de látex ou no tafetá laminado.

A imagem é realmente de sonho, um amontoado de exageros irreais, mas há bastante realidade na maneira como essa coleção foi produzida. “Desenvolvi coisas muito volumosas, roupas matelassadas, mas que são amarradas com corset. A ideia é fantasiar, mas voltar para o chão. É um falso conforto, porque, de repente, tudo te traz para a realidade e revela o aperto que estamos vivendo”, diz.

Não se trata de uma coleção fácil. E vale dizer que, em temporadas passadas, João Pimenta, que já foi bastante julgado pela roupa às vezes teatral, meio alegórica, se esforçou para ficar mais usável, para ser mais aceito. Esta coleção, no entanto, por mais sonhadora ou maluca que seja, é o resultado de um autoexercício de libertação. “Tenho um trabalho com gênero, desde o começo da marca. Sempre olhei para esse lugar. Agora, percebo que não é nem o estilista nem a marca nem a roupa que definie o gênero de uma pessoa. Quem define o gênero da peça é quem compra e a usa. Decidi fazer roupa para ninguém e, ao mesmo tempo, para todo mundo, não sei quem vai encontrar essa peça e vestir. Esso me dá uma liberdade criativa enorme. Me libertei nas formas, nas cores, nas matérias primas. Fiz o que tive vontade sem me importar se ficaria cafona ou bonito. Para mim, essas nomenclaturas perderam o sentido.

A coleção de verão 2022 de João Pimenta contará com um desdobramento mais comercial, versões simplificadas das peças, que chegarão a sua loja e ateliê 15 dias após o desfile. Mas aos loucos, os seus clientes fiéis, àqueles que ele deseja agora um pouco de sonho, ele avisa que a porta já está aberta: a coleção conceitual da passarela já é possível comprar.

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