Linha do tempo: na onda dos anos 2000, é mais do que hora de lembrar de Caio Gobbi

Eternamente clubber, o estilista relembra e comenta momentos emblemáticos de sua carreira e da moda nacional na virada do milênio.


Caio Gobbi e a jornalista Erika Palomino em festa de aniversário dela, no clube BASE, em São Paulo.
Caio Gobbi e Erika Palomino. Foto: acervo do estilista



Ele já gostava de merch, de clubber, de street, de vampiro, de Britney, de drag. Antes disso tudo ser moda. Caio Gobbi é um liquidificador de tendências. Em 2022, faz 20 anos que ele estreou na São Paulo Fashion Week, e ajudou a definir o estilo da virada do milênio de um jeito, até então, bem pouco visto por aqui.  Hoje como bem-sucedido stylist de celebridades e influencers com seu estúdio Gobbiland, aos 45 anos, está mais do que na hora de ele ser admirado por seu olhar pop e generoso. 

Uma das pessoas que mais gosta de moda que já vi na vida, Caio é puro entusiasmo e paixão por tudo o que diz respeito a esse universo. Essa ferveção toda vem lá dos anos 1990, naturalmente, quando o jovem aspirante a estilista dava seus primeiros passos nas pistas de dança paulistanas e, não por acaso, quando a gente se conheceu. “Era 1994 e eu me lembro como se fosse ontem”, fala.

Conta ele que eu fui perguntar quem ele era, e que estávamos vestindo a mesma regata de cobra do Reinaldo Lourenço (sei mesmo qual é). E, depois, um outro dia (uma outra noite) fui falar com ele, que estava “montadérrimo, com plataforma Buffalo, unha pintada, cabelo rosa, tinha acabado de chegar de Londres”. Tudo com a etiqueta de metal da marca que levava seu nome. Ele havia se formado na escola Central Saint Martins e aportava por aqui com tudo o que tinha direito.  

Depois, acho que não nos desgrudamos por uns bons dez anos. “Ficamos amigas, meigas em si”, ele ri, trazendo as gírias que a gente falava na época. Caio virou também personagem clássico da Noite Ilustrada, a coluna que eu escrevia no jornal Folha de S. Folha, onde passei a noticiar também seu desenvolvimento como estilista. 

Nem sempre seu apetite comercial era compreendido. Comentando sua estreia, no desfile da Fenit, aos 19 anos, cheguei a escrever que ele fazia “punk de boutique”. No melhor sentido da expressão, era um elogio. Sua primeira das 15 coleções na Casa de Criadores, em 1998, foi na mesma temporada de Criadores, em 1998, de Jeziel Moraes, Mario Queiroz, Slam. O tema era Princesa Léia, colocando Fabiana Saba dando pivô (minimalista, ele jura). 

Ninguém levou muito a sério. Mas Caio nunca se importou com o que pensavam dele. E estudava, estudava, estudava. “Ainda mais numa geração como a nossa, sem internet, sem nada. Tínhamos pessoas que viajavam e os jornais, e revistas que chegavam de seis em seis meses. Era quando a gente podia dar uma olhada no que estava acontecendo.” 

Caio investia em sua marca até onde podia e quando não podia, em estampas customizadas, acessórios exclusivos, brilhos, stilettos e top models, por quem sempre foi apaixonado.

Para fazer essa matéria, ele passou duas semanas mergulhado em seu “acervo clubber”, a caixa de Pandora, como diz, onde guardou todos os recortes de jornal e revistas daqueles tempos. Se lembrou de causos, de boatismos, de festas, de músicas, de epifanias. Trocamos áudios e fotos pelo Whatsapp, mensagens mil. E que memória ele tem. “Ser clubber é uma religião, é um estado de espírito. Nasci com esse DNA, de cultuar a noite, a pista de dança, o DJ, gostar de sair, de ver pessoas, estar em vários lugares ao mesmo tempo, para se montar, ser homem, mulher, não ter gênero”, suspira. “A gente vivia para isso.”

Fã de John Galliano, de Alexander McQueen, da Dior (virou um colecionador de bolsas sela), de Margiela, dos belgas, hoje diz que mistura tudo. Como sempre, aliás. “A gente faz pesquisa e acaba gostando de muita coisa.” Vai de Valentino a Balenciaga, Rick Owens. “A gente tem o pé na rua.”

Outro momento marcante foi a coleção do Baile de Máscaras, toda feita em jeans: sapato, bota, máscaras desenvolvidas pelo Walério Araújo. “Foi quando projetei o Walério. As modelos ficavam rodando.” Nessa coleção,  aconteceu a troca da marca Caio Gobbi para Gobbi Jeans. Outra antecipação de Caio Gobbi aos desejos do mercado, na onda global do jeanswear. E a coleção da Elvira, da coleção dos paetês, de corvo, no meio da floresta. 

Algumas montações eram babado mesmo, como quando ele usou um chifre de látex e lente de contato branca, o famoso look tranca-rua. Era meu aniversário e o tema da festa (na BASE) era dourado. “Tudo era muito icônico. Na época, as pessoas não deviam entender nada do que estava acontecendo”, admite, rindo.

Caio Gobbi mantém viva a chama da moda e a pulsão pela própria vida. “E eu tenho até hoje a regata do Reinaldo. Está lá na casa da minha mãe.”

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