Na Tansu, roupas são como registros históricos que nos acompanham e evoluem com o tempo
Lançada em julho de 2021, marca da estilista Tate Wasabi se destaca pela produção responsável, bom acabamento e peças para durar e fazer diferença no seu guarda-roupa.
Tansu é um tipo de armário tradicional do Japão, feito artesanalmente de madeira e ferro. Utilizado ao longo da história, foi adaptado a diversas situações. No início, ficavam do lado de fora das casas e serviam quase como um depósito para guardar roupas, louças e outros utensílios. Alguns tinham rodas e eram transportados por longas distâncias. Conforme a sociedade mudava, o tansu se ressignificava. Tornou-se parte da mobília doméstica, assumiu ares decorativos e passou a ter uma outra conexão com seus donos.
Tansu é também o nome da marca lançada em julho de 2021 por Tate Wasabi. “Quando pensei no nome, fui muito inspirada pela minha avó paterna”, diz a estilista paulistana. “Sou descendente de japoneses e sinto que tudo que crio tem alguma conexão com isso. Muitas vezes eu nem percebo, é algo subjetivo.” Assim como o móvel, a etiqueta se propõe a criar uma moda versátil, atemporal, sempre em sintonia com a realidade e necessidade de seu tempo.
Um dos pontos de conexão com as demandas do momento aparece na seleção de materiais e na confecção. Os lançamentos são compostos de poucas peças, algumas únicas e a maioria limitada. Os tecidos se dividem entre novos, alguns de fibras naturais como o algodão, e descartes reaproveitados.
O mix de materiais faz parte de uma postura e pensamento mais responsável sobre como se faz moda. Tem a ver, entre outras coisas, com consumo, excesso de produtos e quantidades absurdas de lixo gerado em todo o processo de produção. “Aos poucos, dentro do que é possível para uma marca pequena, eu tento. Vou dando meus passinhos a caminho do que acredito ser ideal.”
Essa caminhada já tem uns 27 anos. Essa é a idade de Tate, mas ela não consegue lembrar exatamente quando se apaixonou por moda. Sabe, sim, que foi algo muito próximo de sua criação. “Minha avó materna foi costureira. Então sempre tive um pouco desse universo perto de mim”, afirma. Aí, é aquela história: brincadeiras com retalhos, acompanhamento e aprendizado do feitio e da técnica, desenhos próprios, alguns experimentos e roupas feitas para si mesma e para colegas da escola.
“Na época das festas de 15 anos, minhas amigas sempre pediam ajuda para fazer os vestidos. Eu desenhava, uma costureira próxima da família costurava (minha avó não fazia gala) e mandava a peça pronta para elas.” Criar para os outros era algo que lhe agradava muito. Acontece que o mercado de moda, então, era mais restrito do que agora. “Não se falava tanto sobre, então ninguém entendia direito todas as possibilidades existentes na área.”
Quando chegou a hora de escolher uma carreira, Tate sentiu medo. “Falava que queria fazer moda e as pessoas se espantavam, perguntavam o que eu ia fazer com isso.” Em busca de uma suposta segurança, escolheu arquitetura. Estudou quatro anos e, durante todo esse tempo, não parou de questionar se estava no lugar certo. Até que chegou num limite.
“Estava pegando muitas dependências, estava com psicológico esgotado e comecei a me perguntar se não deveria seguir minha paixão”, relembra. Decidiu que sim. “Para me formar em arquitetura, precisaria de dois anos para cumprir minhas DPs mais o ano de TFG. A faculdade de moda tinha três anos de duração. Fiquei na dúvida se terminava e, depois, mudava ou se ia logo. Mas senti que não conseguiria concluir o curso, não tinha estrutura mental.”
Em 2016, Tate ingressou na graduação de moda do IED (Istituto Europeu di Design), em São Paulo. Já no primeiro semestre, conseguiu um estágio com a stylist Clara Lima, na época responsável pelos looks de Ivete Sangalo. “Quando você está entrando no mercado, não entende os vários caminhos possíveis. Não é só ser um estilista, ter uma marca”, comenta sobre a experiência.
Na sequência, foi trabalhar como assistente para outros stylists até que, em 2018, foi para a marca de jeanswear Yes I Am. “Eu sabia que queria criar coisas para as pessoas vestirem. Isso sempre foi um sonho, desde quando desenhava os vestidos para minhas amigas”, diz a estilista. A migração de área foi muito pautada por isso, Tate queria entender como funciona uma empresa de moda por dentro. “Foi uma escola. A marca era superpequena, era eu as duas donas. Por ser só a gente, fazia um pouco de tudo e isso foi bom para aprender várias etapas do processo, da inspiração à confecção da peça.”
Em 2019, deixou a etiqueta de jeans para focar no TCC e pensar mais seriamente na criação de sua marca. Queria terminar a faculdade e abrir o próprio negócio. Por isso, não tardou a correr atrás da parte burocrática e administrativa. “Foi um ano mais de planejamento, de pensar na identidade visual e como faria tudo acontecer, porque não tenho sócio, sou eu sozinha e estava bem perdida sobre como dar os primeiros passos”, fala.
No ano seguinte, a estrutura já estava minimamente montada e o planejamento traçado. A estilista estava desenhando e pesquisando tecidos para a coleção de estreia quando chegou a pandemia. Morando com os pais, ambos com comorbidades, Tate passou boa parte de 2020 confinada, com pouquíssimo contato externo. “Comecei a ficar meio desesperada com a pesquisa de tecidos. É uma coisa que não dá para fazer pela internet, precisa de toque, precisa sentir, ver de perto.” E não teve jeito, os planos tiveram de ser adiados.
Quando a situação sanitária deu sinais de melhoras e foi possível retomar minimamente as atividades, a mãe da estilista contraiu Covid-19 e ficou meses sob cuidados da filha. Quando se curou, foi sua costureira a infectada. E dá-lhe mais atrasos. Com isso, o lançamento oficial aconteceu só em julho de 2021, com uma minicoleção de cinco peças, todas com design simples, construção elaborada e acabamento primoroso.
Essa última qualidade, aliás, é algo central na Tansu. Quando a marca chegou ao mercado, peças reaproveitadas estavam em alta, muitas delas feitas com retalhos ou patchwork. Tate não queria esse visual. Queria que suas roupas de upcycling fossem tão bem acabadas quanto uma feita do zero. “Como fazer isso foi um desafio”, diz ela. “Conversei com a minha costureira e fizemos uma série de estudos de encaixe com o que tínhamos no ateliê.”
O primeiro item foi a calça do primeiro lançamento. No segundo, no fim do ano passado, a técnica se expandiu para os acessórios, mais especificamente para bolsas. Atualmente, a marca segue com estudos para poder ampliar a linha REWORK e está em busca de materiais mais responsáveis e de boa qualidade. Segundo ela, essa equação é bem difícil, ainda mais para uma etiqueta iniciante e com recursos reduzidos.
Por ora, o que a Tansu consegue fazer é limitar a produção de novas peças e tentar criar uma maior conexão com o público. “Para que eles entendam quem está fazendo a roupa, conheçam a história da marca, criar uma espécie de apego ou afeto”, explica Tate. É que para ela, sustentabilidade vai além da fibra. “Tem a ver com a sua ligação com o produto, quando você vai usá-lo, quanto ele vai durar.”
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