Nu com a mão no bolso: o que há por trás das estampas de corpos pelados
Estampas trompe l'oeil estão em alta e dão novo significado ao famoso naked dress.
Quem acompanhou a série Sex and the city deve lembrar do episódio em que Carrie Bradshaw escolhe um naked dress para seu primeiro encontro com Mr. Big. O mesmo look, um vestido-camisola da marca DKNY, num tom próximo ao da pele da atriz Sarah Jessica Parker (daí a ilusão ou aparência de nudez), também foi a escolha da personagem para a foto promocional de sua coluna num jornal local..
Durante os anos 1990, o naked dress foi um hit, símbolo da sensualidade minimalista da moda daquela época. De lá para cá, não faltaram novas interpretações do visual. Kim Kardashian, por exemplo, usou um vestido exatamente do tom de sua pele, no baile do MET de 2019. Parecia que estava nua e molhada. Beyoncé, Rihanna e Kendall Jenner, em situações variadas, optaram por se apresentarem com apenas uma fina camada de seda ou tule transparente, com alguns tantos ou poucos cristais bordados para esconder “suas vergonhas”, como diriam os portugueses pudicos, ao se depararem com os povos originários do Brasil, lá em 1500.
Em tempos digitais, a superexposição é uma constante. Intimidade virou algo raro, um luxo ou bem salvaguardado à sete chaves. Nada a ver com nudez. O corpo pelado é coisa normal, cotidiana. Quase não tem mais a ver com privacidade (para o bem e para o mal). Não choca ou, pelo menos não deveria. E a moda, claro, acompanhou o movimento.
Com isso, a transparência completa já não é tão interessante. Não tem nada de novo ou de chocante. E isso traz novas formas de representação do corpo.
Durante as últimas semanas, deve ter pipocado no seu Instagram diversas celebridades vestindo roupas na qual supostamente estariam nuas. Os vestidos utilizam a técnica de trompe l’oeil (ou em bom portugês, engana olho). Trata-se de um recurso técnico que tem como finalidade criar uma ilusão de ótica por meio de estampas ou padronagens têxteis.
A técnica cria, através de detalhes ou perspectiva, a ilusão de um objeto real tridimensional, sendo esse apenas uma representação. Engana-se quem acha que é um recurso inovador. Elsa Schiaparelli já o utilizava na década de 1920. Em 1927, ela apresentou um suéter com um laço bidimensional, desenhado na própria trama da peça.
Blusa de Elsa Schiaparelli, de 1927.Foto: Reprodução
Jean Paul Gaultier, inverno 1995.Foto: Divulgação
Porém, quem popularizou a técnica foi Jean Paul Gaultier, na década de 1990, com uma ajudinha das técnicas e conceitos da Op Art. Com a utilização de estampas geométricas, o estilista desenhou e ressaltou partes do corpo e silhuetas nem sempre reais.
Agora, a técnica parece estar passando por uma redescoberta. Na última temporada de moda de inverno 2022, diversas marcas trouxeram a experiência visual do trompe l’oeil em suas roupas.
Loewe, inverno 2022.Foto: Divulgação
A Loewe, sob a direção criativa de Jonathan Anderson, abordou o conceito fazendo alusão a própria Schiaparelli e outras artistas surrealistas, buscando o realismo extremo que engana o olhar. Sempre ligada à arte, a marca enquadra o corpo femino de forma lúdica, nonsense até.
O trompe l’oeil também esteve presente na Y/Project (numa homenagem à Jean Paul Gaultier) e na Balmain. Nesse último caso, o apelo visual para as representações corporais referem-se a arte e esculturas gregas. Porém, o que na Grécia antiga vinha da busca por um ideal de beleza, hoje abraça a pluralidade de corpos. Olivier Rousteing, diretor de criação da Balmain, retrata formas e curvas nos tons das esculturas da escola clássica ou das imagens de Helmut Newton e outros mestres da fotografia impactados pelo desenho e perfeição da silhueta humana a partir de um ponto de vista helênico, distorcendo suas formas e incluindo uma boa dose de realidade na coisa toda.
Y/Project, inverno 2022.Foto: Divulgação
Balmain, inverno 2022.Foto: Divulgação
Segundo a Federação Brasileira de Naturismo, o corpo conforme veio ao mundo incomoda, pois o maior problema é a base e cultura na qual estamos inseridos. “A nudez sempre foi encarada como vergonha e, essa associada a protestos para chocar o outro, sempre fez com que fosse mais criticada e mal vista.”
O designer espanhol Sérgio Castaño Penã, estilista por trás da Syndical Chamber, label usada por Luísa Sonza, Cardi B e Bella Thorne, traz uma representação da mulher quase como uma deusa grega do futuro. O efeito trompe l’oeil faz parte do conceito da marca, que une humor e surrealismo em contrapartida ao tabu e à censura. “Tento fazer roupas que empoderam, que façam você se sentir lisonjeado, mas também traz um sorriso sobre o lado engraçado da escolha gráfica. A moda tem muito a ver com ser capaz de rir de si mesmo.”
Como visto na Balmain e na Syndical Chamber, a falsa nudez é utilizada contra a distorção de imagem corporal e enaltece o público e a diversidade de corpos. Corpos que conquistaram seu direito de exposição e, agora, reivindicam sua representação.
Syndical Chamber, inverno 2022.Foto: Divulgação
Sérgio Peña entende que existem diferentes tipos de proporções corporais, e, para ele, há um lado divertido nisso, permitindo mais criatividade e modificações personalizadas. Suas criações são feitas a partir das medidas enviadas pelas clientes, e a estampa é confeccionada simulando o corpo real.
A tendência trompe l’oeil de agora não vem apenas como representação literal do corpo humano. De um lado tem a parte tecnológica, com os efeitos de que simulam as proporções de forma sutil, imitando o infravermelho, moldando o corpo de acordo com a temperatura corporal. Do outro, tem a influência surrealista, trazendo um respiro necessário com toque sarcástico para os dias atuais. Abre possibilidade, dá permissões, humor e novas interpretações sobre algo tão natural e tão vigiado.
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes