O que significa a doação da Patagonia em prol de causas ambientais
Entenda as razões por trás da decisão radical de Yvon Chouinard, que transferiu as ações de sua empresa para combater as mudanças climáticas.
Você provavelmente já se deparou com uma peça da Patagonia por aí. Uma jaqueta matelassê, um fleece básico ou uma camisa de flanela. A marca de roupas de aventura – ou dos esportes silenciosos de montanhismo, surf, ski e snowboard, como a própria se descreve – é uma das mais famosas do seu segmento e há tempos extrapolou seu nicho, tornando-se favorita entre os fãs do activewear.
Em 14 de setembro de 2022, a Patagonia virou manchete do The New York Times por um motivo totalmente diferente: a família do dono e fundador, Yvon Chouinard, doou todas as ações da empresa, avaliada em 3 bilhões de dólares e com lucro anual de cerca de 100 milhões, para lutar contra as mudanças climáticas e proteger áreas naturais. No site da marca, há uma carta aberta de Chouinard e uma mensagem: “A Terra é nossa única acionista”.
Mas como uma empresa que luta pelo planeta continua vendendo jaquetas? O esquema é inédito e foi criado especificamente para a família Chouinard. No dia a dia, o negócio fica como antes: a companhia segue usando sua receita para produzir, manter suas lojas e pagar seus funcionários e fornecedores. Já os lucros passarão por um conselho, o Patagonia Purpose Trust (que concentra as poucas ações com direito a voto). Eles ficam responsáveis por decidir quanto dessa quantia precisa ser reinvestida na marca. O restante – os dividendos anuais que antes iriam para o bolso da família – serão então destinados a uma organização sem fins lucrativos, a Holdfast Collective, que concentra todas as outras ações da empresa. Cabe a esse fundo a alocação do dinheiro nas causas selecionadas. Em resumo, a Patagonia é, a partir de agora, uma das grandes filantropas climáticas do mundo.
Ativista das antigas
Em termos de moda, a Patagonia nunca ditou tendências. É verdade que, nos últimos anos, algumas de suas peças entraram em ondas de consumo, como gorpcore, em 2020, que dava contexto urbano a roupas usadas em esportes de aventura, como o montanhismo. Ainda assim, esse nunca foi o principal objetivo da etiqueta. Pelo contrário. O conceito por trás das criações sempre foi oferecer peças básicas, duráveis e funcionais.
Chouinard começou o negócio meio sem querer, nos anos 1950, nos EUA, fabricando produtos que ele mesmo, um alpinista, andava precisando, como mosquetões de escalada e camisas. A coisa foi crescendo com o tempo até se formalizar em 1973.
Já em termos de responsabilidade com a cadeia de produção, a Patagonia esteve na vanguarda: foi pioneira ao usar algodão orgânico e a primeira Empresa B da Califórnia, além de oferecer garantia vitalícia e reciclagem para suas peças. Enquanto muitas marcas ainda tropeçam quando o tema é posicionamento, a Patagonia tem longa experiência no tema: doa 1% do valor de suas vendas desde os anos 1980, tem licença remunerada para voluntariado ambiental e até paga a fiança de funcionários presos em atos de desobediência civil.
“Não vejo esse 1% como filantropia, mas como o custo de fazer negócios. Somos poluidores e estamos usando recursos não-renováveis. Sempre tive um senso de responsabilidade em relação a isso”, explicou Chouinard, em 2021.
Foto: Divulgação
Em suas entrevistas ao longo dos anos, Chouinard repetia que era um empresário relutante, que ser um bilionário era estranho para ele, que o capitalismo enveredou por um caminho perigoso e que empresas públicas eram danosas devido à exigência do mercado financeiro por crescimento constante e lucros acima de tudo, em um planeta com recursos finitos. A questão do que aconteceria com a enormemente bem-sucedida Patagonia depois que ele deixasse o comando, portanto, era uma preocupação constante.
“Uma opção era vender a Patagonia e doar todo o dinheiro. Mas não podíamos ter certeza de que o novo proprietário manteria nossos valores ou nosso time”, escreveu Chouinard em sua carta aberta. “Outro caminho seria tornar a empresa pública. Que desastre teria sido isso”, continuou.
Com mais de 80 anos e perante notícias cada vez mais drásticas sobre a crise climática, ele decidiu traçar uma rota própria, seguindo essa estrutura sem precedentes, criada por contadores especializados em grandes fortunas, para satisfazer a vontade do fundador: manter sua empresa funcionando, sem transformá-la em uma fundação e garantir que parte de receita seja investida em causas que sempre lhe foram caras, mesmo sem sua presença.
Yvon Chouinard.Foto: Divulgação
“Vamos doar o máximo de dinheiro para pessoas que estão ativamente trabalhando para salvar este planeta”, resumiu Chouinard. Vale dizer que o casal Yvon e Malinda Chouinard tem dois filhos, Fletcher e Claire, que viraram assunto nas redes sociais: será que os coitados perderam a herança para ONGs, como o Greg de Succession? Segundo o The New York Times, as coisas foram mais tranquilas: os filhos concordam com os pais e aceitaram abrir mão das ações.
E assim, de um dia para outro, o bilionário relutante que fundou a Patagonia deixou de ser bilionário. “Sinto-me muito aliviado por ter organizado minha vida”, disse simplesmente. Com a nova trilha aberta, resta saber se mais algum entre os 2,7 mil bilionários do mundo vai querer passar por ela. E se o esquema, apesar das garantias legais, vai realmente vingar e ser eficaz.
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