Onde a paródia encontra a moda

Quem são os responsáveis pelos perfis de Instagram que brincam com moda fazendo paródias, colagens e trocadilhos e o que está por trás das piadas?


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A internet permitiu acesso irrestrito a quase tudo. Na moda, tornou de conhecimento público desfiles, campanhas, bastidores e até a vida de alguns de seus maiores nomes. Só que essa comunicação não é uma via de mão única, ela passa por referências pessoais, vivências e interpretações individuais de quem recebe esse conteúdo. Daí surge um fenômeno bastante interessante que une informação, humor e até uma dose de militância e posicionamento político. Você com certeza já deve ter visto, são os trabalhos de artistas que brincam com logos, looks e publicidades dos maiores players da indústria.


Já faz um tempo que isso existe, sabemos. Com a ascensão dos memes não só como humor, mas como forma de amplificar e democratizar discussões e opiniões, era natural a tendência chegar à moda. Começou lá por 2016 e 2017, quando dois perfis no Instagram começaram a postar colagens com looks de grifes de luxo em situações corriqueiras. Um dos pioneiros foi Sidney Prawatyotin, do perfil @siduations, que já colocou modelos da Balenciaga em salas de aula e looks da Margiela no supermercado, além de Rihanna recolhendo o lixo por onde Donald Trump passa. Seu trabalho ficou tão famoso que rendeu até contratos de parcerias com algumas empresas de moda. Contudo, em entrevista ao The Financial Times, disse que prefere saber pouco ou nada sobre as roupas que usa em suas colagens, para que nada fique óbvio ou entediante demais.

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Assim como o trabalho de Prawatyotin, as colagens de Benjamin Seidler também são referência. O esquema é o mesmo: looks de passarela em situações consideradas incomuns e modelos de alta costura em cenários cotidianos ou em cenas de filmes e séries de TV. Entre suas colagens mais famosas, estão a de Miranda Hobbes, de Sex and The City, usando Comme des Garçons e a das gêmeas de O Iluminado com looks da Rodarte. Apesar de muitos acharem que essas imagens tiram sarro da moda, na verdade, elas são uma celebração, como foi confirmado pelos dois designers em diversas entrevistas.

Mais recentemente, @crispino21, @gryffindior e @mystendhalsyndrome se lançaram como perfis de moda com toque de humor. Com montagens com Anna Wintour, Marc Jacobs, Harry Potter e até com obras de arte renascentistas, os designers desmistificam o imaginário fashion ao público que quer um conteúdo mais leve e divertido. “Começo minhas manhãs rolando o Instagram, em busca de imagens engraçadas. Não uso Photoshop, e sim um aplicativo bem simples para crianças no meu iPad. Faço os desenhos com os dedos, por isso o resultado não é perfeito, mas um pouco cru”, conta Crispino21 (ele prefere não revelar sua real identidade). Há trinta anos trabalhando como editor de moda, reveza seu tempo entre dar aula de Styling na Nuova Accademia di Belle Arti, em Milão, e alimentar o perfil de paródias.

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Tendo trabalhado tanto tempo na indústria, o italiano conhece alguns dos personagens que retrata em seu perfil. “Tenho grande respeito pelo que Anna Wintour fez para a moda em mais de trinta anos, mesmo que eu a coloque em situações engraçadas ou inapropriadas. Karl Lagerfeld, com quem já trabalhei, também virou um personagem do imaginário fashion – e ele sabia disso perfeitamente. Recentemente, um dos meus assuntos preferidos é o Marc Jacobs. Ele é inteligente, engraçado e nunca reclama – mesmo quando o coloco em um vestido da Saint Laurent”, brinca Crispino. “O Instagram é democrático, não só para a moda. Todo mundo pode postar suas ideias. Boas ou ruins. O segredo é escolher.”

JEITINHO BRASILEIRO

Mas aí veio a pandemia de COVID-19 e o que se postava nas redes ganhou mais uma camada de significados. Em 2020, com quarentenas e lockdowns ao redor do mundo, muitos artistas apostaram em paródias, colagens e memes de moda para passar o tempo – e comunicar mensagens pertinentes para aquele momento. Um dos primeiros foi Eve Barboza, que já no final de 2019 começou a explorar o jogo de palavras no perfil @evenotivy, e criou sua primeira arte: “PEDRA NØT PRADA”. “Sempre tive esse olhar para moda, que veio dos meus pais. Admirava como eles escolhiam o que vestir, porque vestiam aquilo, como combinavam as cores”, explica o designer.

Suas primeiras ilustrações surgiram como exercícios gráficos de imagem e tipografia – daí surgiu a ideia de associar marcas de high fashion, universo que ele sempre amou, com outros significados. “Acredito na democratização da moda, mas, como bom brasileiro, também acredito que o humor é sempre um bom caminho”, comenta ele, que já fez jogo de palavras com quase todos os grandes nomes do circuito, de Prada a Gucci, passando por Comme des Garçons, Margiela e Jacquemus.

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Na arte de Eve há também uma forte captação de momento. Durante a pandemia e com os absurdos diários do governo federal, muitas vezes suas ilustrações esbarravam na política. “Moda, para mim, sempre foi uma forma de expressão. Toda forma de expressão é política”, completa.

Vinicius Gonzaga, Lucas Amorim e Luiz Machado, o trio por trás do @breguissimxs, se conheceram através do Stardoll, um jogo de moda online, e criaram uma amizade muito forte em torno da paixão em comum. Apesar de cursarem faculdades completamente diferentes, com nada a ver com a área que dominam suas conversas e conteúdos online, decidiram criar o perfil no fim de 2020 para dividir com o mundo suas referências. “Com o tempo, nós paramos de jogar, mas continuamos querendo falar sobre moda, fazer nossas piadas e dividir opiniões sobre, já que esse é um assunto que nos interessa muito. Queríamos um espaço para falar de outras coisas também, músicas, filmes, memes. Tudo do nosso mundo de gayzinhas”, explica Machado.

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Você deve ter visto por aí as “campanhas” criadas a partir de fotos da série A Grande Família, com logos da Saint Laurent, Gucci e Miu Miu. O meme, que rodou a internet e os stories de quem gosta de moda, é de autoria do @breguissimxs. O processo de criação dos três é coletivo. “Primeiro falamos das ideias, depois partimos para o post em si. Vinicius e eu ajudamos com uma coisa ou outra nas artes, mas quem põe a mão na massa é o Lucas, que é especialista em design”, explica Machado. “Acho que o que nos inspira é tudo que acontece ao nosso redor, tudo que consumimos de cultura pop, seja música, desfiles, séries… E também abusamos dos nossos repertórios de moda e de memes”, completa Amorim.

Outro perfil de paródias que mistura de maneira única o universo das passarelas e grifes de luxo com referências brasileiras é o de Igor Frossard (@igorfrossard). Diretor de criação, ele fez mestrado em comunicação de moda em Madri, trabalhou como assistente de novos projetos na Vogue Espanha e voltou para o Brasil em 2016. Em seu Instagram, a memória pop brasileira é altamente explorada, com memes brincando com nomes como Carla Perez, Reginaldo Rossi e William Bonner. “Comecei pensando no perfil como uma valorização do nacional, mas hoje confesso que, hoje, ele está mais focado no humor. Não creio que tenha perdido o lance de despertar lembranças e a curiosidade das pessoas. Pelo menos espero que até quem não conhece as marcas ou não entenda, vá atrás.”

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Seja com humor ou posicionamento político, a moda e as suas histórias têm alcançado um público ainda maior por conta desses perfis. Ainda que nem todo mundo que vê o meme da Grande Família com o logo da Gucci e da Saint Laurent entenda esses paralelos e referências, as paródias acabam por democratizar a imagem fashion e ampliando seu imaginário para cada vez mais pessoas, diminuindo as distâncias entre o mundinho que um dia foi tão restrito e o público que gosta do assunto, mas nunca teve tanto acesso.

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