Os altos e baixos de Halston, nova minissérie da Netflix
Com estreia nesta sexta-feira, 14.05, a produção ficcional de Ryan Murphy relembra a vida e a carreira do famoso estilista estadunidense.
Halston foi o primeiro em muitas coisas: primeiro estilista-estrela e megaempresário da moda estadunidense, primeiro a alcançar o mesmo status e prestígio dos colegas franceses, pioneiro no negócio de licenciamentos, na ideia de democratização fashion e, provavelmente, precursor da figura do influenciador tal qual a conhecemos hoje.
A vida e carreira do designer já foram exploradas em diversas exposições, algumas biografias e dois documentários (Ultrasuede: In Search of Halston, de 2010, e Halston, de 2019). A partir desta sexta-feira, 14.05, poderão ser vistas também na minissérie Halston, da Netflix. Produzidos por Ryan Murphy e com direção de Daniel Minahan, são cinco episódios sobre os momentos mais marcantes e infames do estilista.
Além do próprio Halston, aqui interpretado por Ewan McGregor, a produção lança luz sobre outros nomes importantes e influentes que viveram ao seu redor: a cantora Liza Minnelli, a modelo e designer de joias Elsa Peretti, o ilustrador Joe Eula, a atriz e musa de Warhol Pat Ast e o artista e vitrinista Victor Hugo. “A ideia de estar sempre rodeado por uma entourage e mulheres lindas, todas vestindo Halston, mostra como o estilista entendia a influência da imprensa e da fotografia na moda e como isso podia ser usado a seu favor”, diz a figurinista da série, Jeriana San Juan, à ELLE estadunidense.
Ewan McGregor no papel de Halston.
Halston era obcecado por imagem. Pela sua principalmente. A maneira como ele construiu o próprio visual, mudou o sotaque e suprimiu partes do nome (ele nasceu Roy Halston Frowick), da origem e da infância no meio-oeste dos EUA é bem evidente na série. Sua preocupação sobre como suas criações e marca seriam vistas também envolveu uma meticulosa curadoria estética: da decoração de seu escritório a sua casa (desenhada pelo arquiteto Paul Rudolph), passando pelos amigos até qualquer photo op em evento social – tudo devidamente documentado pela imprensa ou por uma equipe de vídeo própria.
Reproduzir tamanho perfeccionismo foi um dos principais desafios da produção. No figurino mais ainda. Em entrevista a ELLE Brasil, Jeriana conta que sua pesquisa foi intensa. O primeiro passo foi entrar em contato com pessoas que tiveram contato direto com Halston: amigos, modelos, musas, assistentes e até o alfaiate que fazia suas calças. “Pude ouvir muitas histórias, saber de pequenos detalhes sobre o que ele usava, como se portava. Isso é importante para ir além dos momentos do tapete vermelho e das fotos de impresna”, diz a figurinista. Ela ainda orientou alguns atores sobre o gestual e, no caso de Ewan McGregor, como segurar a tesoura, vestir e virar modelos e até costurar.
Falando em costura, algumas peças usadas na minisséries são modelos originais, emprestados de museus ou de colecionadores, porém a grande maioria precisou ser criada do zero. Para isso, Jeriana analisou a fundo (e do avesso) tudo a que teve acesso. A figurinista conseguiu ainda recriar um dos tecidos mais importantes da carreira do designer, o Ultrasuede, uma espécie de camurça resistente à água.
Cena de Halston (Ewan Mc Gregor) provando vestido em Elsa Peretti (Rebecca Dayan).
Joel Schumacher (Rory Culkin), Elsa Peretti (Rebecca Dayan) e Joe Eula (David Pittu).
Foi com esse material sintético que Halston percebeu o potencial da democratização da moda. A peça, um trench-coat, se tornou hit absoluto de vendas, e a ideia agradou tanto o estilista que serviu de embrião para sua parceria com a rede varejista JC Penney, anos depois. Provavelmente, foi a primeira vez que uma marca de luxo se associou a uma grife popular, daí o ultraje da parte tradicionalista do mercado.
Nas passarelas, as roupas de Halston eram famosas pela simplicidade. Elas eram feitas com uma quantidade mínima de costuras, com o tecido modelado e cortado diretamente sobre o corpo. Seu processo de construção e modelagem é, até hoje, visto como revolucionário. Justamente por isso, o designer ficou conhecido por liberar os movimentos e sensualidade da mulher estadunidense. “Suas modelos eram quase dançarinas”, comenta Jeriana. “Quando você vê Pat Cleveland nos desfiles, ela parece dançar e não caminhar com aquelas peças.”
Não à toa, Liza Minnelli só vestia Halston em suas performances. A dançarina e coreógrafa Martha Graham encomendou diversos figurinos para o estilista, que encontrava nesses pedidos uma abertura para criar livremente, sem barreiras e pressões comerciais. E, bom, não precisamos falar do Studio 54, né? Looks assinados pelo designer eram recorrentes no clube mais famoso da história. (A festa de aniversário de Bianca Jagger, aquela com o cavalo branco, foi organizada por Halston).
Liza Minnelli (Krysta Rodriguez) e Halston (Ewan McGregor).
É uma pena, porém, que boa parte da minissérie se prenda aos momentos de loucurinhas, regados a vinho, champagne e cocaína. É verdade que eles foram muitos, mas as causas de tais excessos não devem ser ofuscadas nem ignoradas pelo potencial polêmico das consequências. Ninguém precisa de mais um dramalhão estereotipado sobre a guei fashionista, que se permite uma vida de sexo, drogas e disco music, e morre por complicações causdas pela AIDS, quase como uma punição por suas indulgências libertinas.
Uma das cenas mais interessantes de Halston é a do estilista observando as mulheres à sua volta, nas ruas de Nova York. É que ele não criava no vácuo nem em um tubo de ensaio. Tudo o que fazia era informado e influenciado pela vida lá fora, pelas pessoas. “Ele criou sua própria tribo de criativos, com Andy Warhol, Victor Hugo, Joe Eula, Elsa Peretti”, explica Jeriana. “Era um grupo de artistas cheios de energia que trabalhavam juntos e se alimentavam criativamente.” A famosa Batalha de Versalhes, uma competição entre estilistas estadunidenses e franceses, só foi vencida pelos norte-americanos devido à confluência de ideias e sintonia com o que havia de mais relevante e atual em termos socioculturais.
Elsa Peretti (Rebecca Dayan), Halston (Ewan McGregor), Joe Eula (David Pittu) e Victor Hugo (Gian Franco Rodriguez).
Retomando os pioneirismos, Halston pode ter sido uma das primeiras vítimas de burnout causado pela comoditização da moda e por um sistema explorador e obcecado por lucro. Em 1973, o estilista vendeu sua marca para a Norton Simon, Inc. O negócio resultou numa considerável injeção de dinheiro na empresa, possibilitou a expansão da grife, mas implicou em novas pressões e cobranças. Dez anos depois, a label foi vendida (sem a participação ou conhecimento de seu fundador) para Esmark Inc., com pouco know-how em moda. Foi então que os atritos internos se intensificaram. O verbo criar foi substituído por produzir, o sucesso numericamente quantificado cancelou a emoção e o que era alimento criativo virou válvula de escape. Em 1984, Halston foi demitido e nunca mais conseguiu recuperar o próprio nome.
A história não é muito diferente daquela vivida por outros grandes nomes, como Yves Saint Laurent e Alexander McQueen. Infelizmente, a imagem vendida, com mais likes e melhor audiência, também não. Sabe, até quando?
Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes