Preview SPFW: Isa Isaac Silva, nós de cultura e caju hipnótico

Coleção da grife Isaac Silva homenageia designers mais velhas e criações diaspóricas.


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Isa Isaac Silva Foto: Divulgação



“O dia tá lindo, as pessoas querem aproveitar.” É 15 de novembro na loja-ateliê de Isa Isaac Silva. Depois de uma série de provas de roupa matinais, as costureiras já estão na rua, talvez indo para casa sob o céu azul. Um casal prova roupas à venda no andar de baixo, enquanto por todos os lados símbolos e representações dos orixás enfeitam o ambiente com sua proteção.

Isa me chama para subir e começamos um papo meio tímido, enferrujado. Acho que nunca conversamos muito, e é sempre delicado pra mim conhecer alguém com uma agenda prévia, esse ar de entrevista.

Digo que só vou observar e perguntar umas poucas coisas, que podem seguir o curso das atividades, mas aos poucos vamos falando de muita coisa: amigos em comum, Salvador (onde vive a mãe de Isa e onde ela planeja ter uma pop-up store de verão), moda e São Paulo Fashion Week. 

Bordadeiras e assistentes se apresentam, acomodo minhas coisas sobre a mesa de corte enquanto mexo em uma peça de laise azul royal. A peça faz parte da nova coleção da marca Isaac Silva, que estará hoje na passarela da SPFW.

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Isa Isaac Silva e Aline Carvalho. Foto: Vivian Whiteman

Na sala de criação-escritório, um mural dá conta das inspirações da vez, duas mulheres importantes para a marca e para a trajetória de Isa. As fotos das designers Diop Soda (a “Mama”) e Marisa Moura são dois continentes povoados, cercadas de texturas e imagens que falam da riqueza da África diaspórica, um lugar em todos os lugares, sementes de beleza e resistência que germinaram em diferentes solos, apesar e acima de todo o terror colonial.

Mama é grande pesquisadora de tecidos africanos; Marisa, uma alquimista de elementos culturais. “Eu faço meu nó”, diz Isa. Esse nó é ancestral e presente, refaz grandes navegações e recria o Brasil.

Algodões, texturas de fibras, laise colorido, no chão, cestos, bolsas de palha, cabaças.

“Nessa foto aqui é um desfile do Jacquemus. Adoro essa França do litoral, da praia, tem tudo a ver com a gente. Ficamos as duas nos imaginando nos looks do designer francês, o mais tropical deles. Esse gosto em comum faz entender melhor o nó, que inclui essa capacidade de enxergar pontos de irmandade até mesmo nos clubes fechados da Europa.

A coleção não tem estampas, a estampa é o corte, os vazados, as texturas e seus volumes. Terra e arco-íris, búzios cobertos de dourado desenhando decotes, curvas. É tudo bem bonito e convidativo.

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Marcia Pantera no desfile da marca Isaac Silva na SPFW N53. Foto: Agência Fotosite

Falamos de Neon Cunha, ativista e sua parceira criativa na grife. Envio uma foto pra ela, que não pôde estar lá nesse dia. “Neon, além de parceira, me cobra, porque eu vou levando os atrasos, sou bem tranquila. Ela me bota no ritmo”, diz sorrindo. Neon Cunha é, para mim, um caso de amizade e amor muito sincero. 

Falamos de novo dela com carinho e tom de fofoca chic, comentando o merecidíssimo prêmio Milú Villela, que ela recebeu neste ano, e de seus expressivos 35.111 votos para deputada estadual, depois de uma campanha brilhante, construtiva e solidária. 

Isa me mostra um tecido engomado que julgo ser plástico, mas é de algodão e goma com efeito empapelado, uma coisa muito bonita, sofisticada. Esse veio com Mama de suas viagens. As coleções da marca estão cheias dessas surpresas, pedem proximidade, materializam sutilezas políticas diante dos olhos.

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Isa Isaac Silva. Foto: Divulgação

Na história da Casa de Criadores e SPFW, a marca Isaac Silva tem funcionado como ponto magnético. Para discutir cultura, racismo, para exaltar ícones, movimentos, tecnologias ancestrais, para lutar a luta com muita beleza, com companheirismo. 

Chega Aline Carvalho, nail designer que vai fazer as mãos do desfile. Ela parece uma princesa pop com suas unhas prateadas e seu saltinho de cristal. Isa e Aline vão do Kemet ao backstage, passando pela roupa ritual de candomblé, outra referência importante da coleção. Os dois combinam detalhes e falam do desfile-homenagem.

Por um momento, me ocorre a presença de tanto colorido em volta, eu que sou uma apaixonada da roupa preta. Mas me sinto bem, o clima é todo bom naquele momento, fico à vontade. Falamos de unhas, famílias, coisas da vida. 

É feriado e hora de fechar a loja, experimento todos os acessórios, peço para me reservarem, quando vier, uma pulseira de Iemanjá.

Isa convida Aline para um acarajé, me estende o convite, que logo aceito. No caminho, vejo que o entorno abraçou essa estilista. Ela conversa com vizinhos, comerciantes, crianças, recebe elogios, notícias, mimos, beijos soprados no ar. De vestido estampado e turbante, uma risada tão aberta, tão boa de ouvir,  ela fica de olho em tudo. Tomamos um hipnótico caju. E a tarde cai bonita nas ruas do centro, com o desejo de novas proclamações e mais doces repúblicas.

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