As mil e uma referências de Daniel Roseberry para Maison Schiaparelli

Com homenagens à fundadora da marca e outros criadores, a coleção de inverno 2021 de alta-costura é uma das melhores apresentadas pelo estilista estadunidense.


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Fotos: Divulgação



Em março, durante entrevista para o Volume 3 da ELLE impressa, o diretor de criação Daniel Roseberry contou que estava apenas começando a se sentir à vontade no ateliê da Maison Schiaparelli e na alta-costura como um todo. Fazia pouco mais de dois anos que ele assumira o cargo. Ainda assim, já havia muito para comemorar: uma coleção de alta-costura (verão 2021) extremamente bem recebida pela crítica, um vestido feito sob-medida para Lady Gaga se apresentar na cerimônia de posse do presidente estadunidense Joe Biden e outro usado por Beyoncé na premiação do Grammy.

Sua interpretação não só da estética, mas principalmente da filosofia e estilo por trás do trabalho de Elsa Schiaparelli se mostraram extremamente pertinentes para o momento – até quando tudo em que conseguíamos pensar (e usar) eram calças de moletons e camisetas velhas. Agora, com parte do mundo ressurgindo após meses de quarentenas e lockdowns, a extravagância (quase) sem limites da maison se apresenta mais interessante do que nunca. E por vários motivos.

Vamos começar pelo óbvio: a exuberância, o excesso e a elaboração da coisa toda. Não faz muito tempo, a alta-costura havia adotado um estilo mais low-profile. O foco estava numa alfaiataria milimetricamente cortada ou em peças de aparência simples (apesar da construção intricadíssima e de extrema precisão). A última vez que se viu algo tão ornamentado, foi na década de 1980 e, em menor grau, durante parte da de 1990. Até Daniel chegar na Schiaparelli. Ou melhor, até o inverno 2021 de alta-costura da Schiaparelli.

Antes, em fase de adaptação, o estilista se concentrou nas formas, cores e acessórios. Agora, é tudo-junto-e-misturado mais toda uma profusão de bordados, patchwork, estampas, texturas e construções bem menos presas aos arquivos da marca. Não que Daniel estivesse muito preocupado com isso. Desde sua estreia, as referências ao trabalho de Elsa Schiaparelli foram muito bem destiladas, moldadas às demandas do presente. No entanto, desta vez, há mais do próprio diretor criativo em evidência.

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Ou pelo menos mais de suas paixões. Por exemplo, tem um vestido de chifon inspirado em um modelo criado por Azzedine Alaïa para Tina Turner. Outro, um longo em preto e branco, faz referência à elegância do estilista e conterrâneo de Daniel, Charles James. Elementos, a princípio, desconectados do universo da maison, mas perfeitamente assimilados pelo estilista.

Já mais próximo do legado da fundadora da marca, tem uma jaqueta – aquela com várias rosas bordadas nas mangas – que é uma reedição de um vestido feito a quatro mãos por Schiaparelli e Jean Cocteau. Os bordados dourados sobre a jaqueta do primeiro look são originais da fundadora, guardados desde os anos 1930 pelo atelier Lesage. O famoso sofá em forma de boca de Salvador Dali, amigo e colaborador da estilista, virou vestido – um longo preto, com cauda e decote laranjas. Sem contar nas joias, quase que uma coleção a parte de tão exuberantes. Entre os destaques, estão o colar em forma de árvore invertida (ou seria um pulmão?) e o corset com rosas douradas, feito por um artesão de 80 anos, aprendiz do artista e escultor François-Xavier Lalanne.

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Na verdade, a coleção é um grande caldeirão de referências e influências. Não houvesse limite (de palavras e tempo), poderíamos passar horas só analisando cada uma delas. Para fins práticos, vamos nos ater às mais emblemáticas: o look de saia azul e bustiê de veludo, é uma clara inspiração e homenagem a Jean Paul Gaultier. Os bordados de espelhos eram favoritos de Yves Saint Laurent A jaqueta toreador? Mais Christian Lacroix impossível.

Vale ressaltar que todos esses nomes foram fortemente influenciados por Elsa Schiaparelli. Não são raras as entrevistas nos quais tais criadores falam da importância da estilista em suas criações. Agora, é Daniel quem reconhece a exposição e assimilação de tais conteúdos. Em depoimentos à imprensa internacional, o estilista chega a falar sobre como o conceito de colagem é algo que sempre esteve presente na produção artística e cultural. Hoje nem se fala.

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Alguns meses atrás, Daniel foi alvo de acusações de plágio nas redes sociais. De fato, a semelhança entre suas peças e a do designer apontado como o real autor eram impressionantes. Contudo, a similaridade entre aqueles itens e desenhos ou peças da própria Schiaparelli não foi tão repercutida. Muito menos como se parecem com obras de alguns dos maiores colaboradores da estilista, como Salvador Dalí, Alberto Giacometti, Jean-Michel Frank e Man Ray – artistas também bastante expostos a toda uma outra leva de influências criativas.

Se autoria e originalidade já eram assuntos complexos entre os anos 1920 e 1930, anos antes do bombardeio de informações da internet, imagina agora.

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