Streetwear, sustentabilidade e economia

Matthew M. Williams na Givenchy, Emma Watson na Kering e o chamado apocalipse do varejo, que afeta Zara, H&M, Sies Marjan, entre outros. Toda segunda-feira, a redação comenta as principais notícias de moda da semana.


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  • O que Matthew M. Williams na direção criativa da Givenchy fala das casas tradicionais europeias? Nesta semana, o Pivô analisa a relação entre as grandes grifes de luxo e o streetwear.
  • Lucas Boccalão, editor de moda da ELLE Brasil, sobre os três anos no qual a antecessora, a estilista Clare Waight Keller, esteve no cargo.
  • Vivian Whiteman, editora especial de moda, fala da desconexão entre criador e criatura nessas investidas das casas de luxo em streetwear.
  • O chamado apocalipse do varejo que tem afetado Zara, H&M, Diane von Furstenberg, Sies Marjan, entre outros.
  • A aposta do grupo Kering na atriz Emma Watson para práticas mais sustentáveis em suas marcas.

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Na última segunda-feira, a Givenchy anunciou a contratação de Matthew Williams como o mais novo diretor criativo da marca. Dono da Alyx, o designer é um dos nomes mais desejados entre os aficionados por streetwear, ainda que ele mesmo não curta muito essa descrição para o seu trabalho.

Matthew assume o cargo que desde 2017 era de Clare Waight Keller, na grife francesa. E embora essa dança das cadeiras entre estilistas seja frequente, principalmente nos últimos anos, a contratação dele fala de um movimento específico, que é a investida de casas tradicionais em streetwear. E ela acontece, entre outros motivos, numa tentativa de aproximação destas marcas a um público jovem e ligado às ruas.

Neste episódio a gente analisa o que esse tipo de estratégia fala da moda tradicional europeia. Este movimento faz sentido para as marcas de luxo? E, principalmente, ele faz sentido para o próprio streetwear?

Eu sou Patricia Oyama. E eu sou o Gabriel Monteiro. E você está ouvindo o Pivô, podcast que reúne as principais notícias de moda da semana, comentadas pela equipe da ELLE Brasil.

[Áudio de Matthew Williams]. Quem você acabou de ouvir é o próprio Matthew Williams. A declaração em áudio foi a maneira como o designer assumiu publicamente a direção criativa da Givenchy, em um post na conta de Instagram da marca.

Matthew conta que é o sonho de uma vida inteira estar nesta posição, que é surreal estar ali. Ele diz ainda que apesar de honrado este é um sentimento ambíguo, em função do momento em que vivemos. E que espera de alguma maneira trazer esperança, ao lado de seus colegas e de toda a sua comunidade, contribuindo com mudanças positivas.

O grupo LVMH, por sua vez, que detém a Givenchy anunciou que a singular visão de Matthew da modernidade é uma grande oportunidade para a Givenchy escrever um novo capítulo com força e sucesso. A primeira coleção do estilista é esperada para estrear em outubro, em Paris.

Quem curte streetwear sabe que as iniciais MMW já são suficientes para fazer uma peça esgotar. As colaborações de Matthew Williams, para além da sua marca própria, são sucessos de venda. Mas para quem não conhece o designer, vale aqui uma breve biografia. Ele nasceu em Chicago, mas foi criado na Califórnia, onde cursou belas artes por menos de um semestre. Apaixonado por nomes como Dries van Noten, Martin Margiela e Helmut Lang entendeu que sua paixão era moda.

Em Nova York, tentou entrar na Parsons mas foi recusado. Rejeitado por uma das faculdades de moda mais estreladas do mundo, ele foi aceito por outra estrela: a cantora Lady Gaga, com quem teve uma breve parceria de vida, mas manteve grandes colaborações profissionais. Ele assessorou a artista na direção de videoclipes, como o da música Alejandro, além de criações para shows e figurinos no laboratório criativo da cantora, a Haus of Gaga.

Esta parceria o levou a conhecer os estilistas Nicola Formichetti, Hedi Slimane e, principalmente, o fotógrafo Nick Knight, com quem trabalha até hoje e foi um de seus padrinhos na moda. A rede que ele firmou ali no final da década de 2000 era realmente poderosa, mas o nome que mais o impulsionou, sem dúvida, foi de outro gigante da música e da moda: Kanye West.

Durante quase oito anos Matthew dirigiu as artes das turnês e das capas de Kanye West. E foi trabalhando com o rapper que ele conheceu Virgil Abloh, o estilista hoje à frente da direção criativa da linha masculina da Louis Vuitton. Com Abloh e outros nomes hoje consagrados do streetwear, como Heron Preston e Justin Saunders, Matthew criou a Been Trill, um coletivo que organizava festas e lançava drops de peças, durante a semana de moda.

Em 2015, Matthew estreou a marca própria, a Alyx, homenageando o nome de sua filha. Em 2018, o título cresceu para 1017 Alyx 9SM, mas ainda hoje a etiqueta é conhecida apenas como Alyx.

Sem minimizar o mérito de suas criações, o histórico do designer ajuda a entender como em apenas um ano depois do lançamento da marca ele foi finalista do prêmio LVMH, e recebeu elogios de estilistas consagrados como Marc Jacobs e Karl Lagerfeld. Menos de dois anos da estreia da marca também já tinha notoriedade o suficiente para assinar com a Nike, sua parceria mais famosa e que ele mantém até hoje.

As criações de Matthew, seja na Alyx ou em colaborações para outras marcas, são um híbrido de streetwear, sportswear e alfaiataria. Monocromáticas, as peças têm modelagens utilitárias, uma pesquisa de imagem que vem sobretudo da juventude, da rua e da noite. Os bestseller são os acessórios, como o cinto rollercoaster, que tem uma fivela que lembra o fecho de um cinto de montanha russa. E as suas roupas acumulam fãs. Entre eles, inclusive, Drake, Bella Hadid e Young Thug.

Todas estas conexões com o universo do streetwear, no entanto, não deixam o estilista confortável com o título de um designer de streetwear. Em entrevista para o jornalista e crítico de moda Tim Blanks, em novembro do ano passado, ele negou essa tag, afirmando que streetwear é um termo carregado. Matthew afirma que ele tem interesse em criações contemporâneas, e como um designer acredita que é seu papel propor como o futuro será.

É inevitável, no entanto, o contraste das criações de Matthew Williams com as de Clare Waight Keller, que esteve nos últimos três anos na direção criativa da Givenchy. Keller ficou conhecida pelo olhar mais generoso para o arquivo da marca, além da mão mais clássica, que a levou inclusive a assinar o vestido de casamento da duquesa Meghan Markle, em 2018, e a alçar como uma das preferidas do tapete vermelho. Quem comenta um pouco do período da estilista na marca é Lucas Boccalão, editor de moda da ELLE Brasil:

“Aparecer no tapete vermelho para uma marca como a Givenchy é bem importante e ela conseguiu isso logo de início. Mulheres icônicas usavam com frequencia, como a Cate Blanchet, Julianne Moore, Rosamund Pike, Gal Gadot, Meghan Markle com quem acabou virando amiga e teve uma parceria muito importante. Eu acho que ela não teve tempo de fazer um desenvolvimento de marca. O trabalho dela não tinha nada a ver com o que o Tisci tinha feito antes. E são momentos de mercado muito diferentes. O suposto motivo deles [Givenchy] não terem renovado o contrato dela foi o sucesso comercial, que ela não teve tanto sucesso comercial quanto o Tisci. O mercado é completamente diferente do mercado que ele estava e quando ele começou a fazer sucesso. Ele começou a fazer sucesso nos anos 2007, 2008, quando a moda estava bombando. O Nicolas Ghesquière, na Balenciaga, e ele no auge do amor das pessoas por ele na Givenchy. Ele ficou anos na sombra com as pessoas comentando que ele não pegava no tranco até que foi. E ficou com aquela estética meio dark, sexy, com as referências de religião, do streetwear. Ele soube muito bem usar o pico da influência do Hip Hop e das culturas negras e da estética do streetwear no mercado de luxo. Ele foi quem mais soube explorar isso e por isso fez tanto sucesso.”

Como Lucas observa, a escolha por Matthew se assemelha muito mais com a do antecessor de Clare Waight Keller, o italiano Ricardo Tisci, que hoje é diretor criativo da Burberry. A fase Tisci, que durou 12 anos ficou famosa pelas referências street na passarela, além dos bons resultados dessas peças em loja.

“Eu acho que o problema ali, além da falta de tempo para desenvolver o próprio trabalho, foi a falta de sucesso comercial. Ela de fato não teve, ela não criou nenhum hit. Ela não teve um sapato que virou icônico, uma bolsa que fez sucesso comercial. Ela tinha algumas peças que ela repetia, mas que não viraram um hit como ele [Ricardo Tisci] fez. Ele foi um boom comercial de muitas coisas, como as camisetas de rottweiller, a bolsa pandora, os moletons, os vestidos de alta-costura que misturavam os zíperes das roupas de mergulho que era super revolucionário. Ela não teve este impacto, como ele teve. Não dá para comparar neste sentido.”

Além da Givenchy, o grupo LVMH é também detentor da Christian Dior, cujo o masculino é comandado pelo designer Kim Jones, nome igualmente famoso pelas criações streetwear, além da mais recente Fenty, comandada por Rihanna. Não se trata de coincidências. Vanessa Friedman, do New York Times, afirma que a contratação de Matthew neste contexto reforça como o futuro do luxo tem muito menos a ver com o corte de um estilista e mais sobre a sua capacidade de interpretar e criar em cima de uma abrangência cultural.

“Eu acho a ideia muito parecida com o Virgil [Abloh] na [Louis] Vuitton e o Kim Jones na Dior. A estética dele é bem parecida com o que estes outros dois fazem. Ele já fez sucesso com os sneakerheads, tem as parcerias com a Nike. Ele tem muita ligação com a roupa de performance, inovação tecnológica. Essa geração mais jovem ama ele. Os tênis são hit e os acessórios também. Ele tem até as parcerias com a Dior Homme e outras casas de luxo que deram muito certo. Ele é exatamente o que a Clare não conseguiu fazer. Ele tem códigos bem definidos e muitos acessórios que viraram hits. E para estas marcas de luxo geralmente é o que mais importa: acessórios rápidos e comerciais.”

Segundo a empresa de consultoria Bain & Company são as gerações millennial e Z que irão comprar ao menos metade dos bens de luxo do mundo até 2025. Fora isso, um report da Price Waterhouse Cooper levanta que o mercado de streetwear é estimado hoje em 185 bilhões de dólares. Logo, não é uma surpresa que grupos de marcas persistam neste tipo de criação.

O jornal The Guardian em reportagem recente, no entanto, lembra como o termo e esta indústria streetwear tem sido cada vez mais questionados nos últimos anos. As críticas levam em consideração que tanto o termo quanto o mercado que se cria ao seu redor são um eufemismo se não um apagamento de uma moda que tem as suas origens e suas influências vindas das periferias dos centros urbanos, sobretudo das comunidades negras. E quem comenta esta desconexão entre o real criador e a criatura é Vivian Whiteman, nossa editora especial de moda:

“Eu acho que tem uma ideia interessante nesta questão da juventude. [A marca] que procura se rejuvenescer buscando esta referência do streetwear, porque o streetwear é de um lugar que não é a Europa — o grande centro irradiador de moda que a gente ainda considera. O streetwear não vem de lá. Ele vem do que antigamente seria o novo mundo, que no caso é a América do Norte. E um lugar muito específico da América do Norte, a periférica dos grandes centros urbanos. E, portanto, a América do Norte da população negra que tem ali nas suas raízes, as raízes africanas. E elas são relidas de certa maneira, são repensadas junto dos códigos de status daquele momento, nos anos 1970. O streetwear é todo muito novo. Ele é novo cronologicamente. Ele é novo porque ele nasce de uma necessidade de afirmação desta juventude, destas comunidades periféricas que são atacadas e esquecidas pelo Estado. E lidam com a história de apagamento, violência e uma série de opressões. E, ao mesmo tempo, criam uma estética muito rica, muito particular, muito interessante e que tem sido usada nas últimas décadas e, principalmente na última década com todo o vigor por marcas que são marcas das grandes casas, das grandes maisons europeias. Elas se unem a estas marcas de streetwear, sendo que estas [próprias] marcas também alcançam um certo status de luxo. Então você tem as marcas de luxo tradicional, que é o luxo europeu, das maisons francesas, das casas italianas recorrendo a este repertório do streetwear ligado ao hip-hop, que é o streetwear na sua gênese. [O streetwear] de Nova York e de outras cidades grandes. O da costa leste, da costa oeste, das cantoras de rap, dos artistas de rua, dos jogadores de basquete e que são todos negros. Levanta uma questão interessante. Por que é que a gente continua dizendo que a moda mais interessante é esta que vem da Europa se esta moda que vem da Europa não consegue se atualizar e se manter relevante sem fazer uso do repertório do streetwear? Será que não está na hora de dar crédito a esta moda que vem da periferia e que tem raízes africanas? Acho que é uma questão bem pertinente para o mercado, para gente mudar este aforismo da moda europeia como a moda que importa.”

E o que os analistas chamam de “apocalipse do varejo” continua a dar mostras de que não vai acabar tão cedo.

Na semana passada, o portal Business of Fashion noticiou que Diane von Furstenberg vai fechar 18 das 19 lojas da marca. Aproximadamente 75% do staff da empresa foi demitido. Criadora do wrap dress, o vestido envelope, Diane é um ícone da moda americana, apesar de ter nascido na Bélgica. Agora, tudo indica que a grife caminha para um modelo de negócios baseado no digital e com foco no mercado chinês.

Quem também centra fogo no online é a Inditex, que comanda a Zara. A gigante do fast-fashion registrou uma queda de 44% nas vendas no primeiro trimestre, em relação ao ano anterior. No último dia 10, a empresa anunciou que vai fechar entre 1.000 e 1.200 lojas pelo mundo ao longo de dois anos. Em compensação, a Inditex pretende investir 1 bilhão de dólares para impulsionar o seu e-commerce nos próximos três anos.

O reforço no digital já estava nos planos da empresa, mas a pandemia do novo coronavírus mostrou que esse caminho pode ser fundamental pra sobrevivência dos varejistas de moda. De acordo com uma pesquisa realizada pela empresa de consultoria McKinsey, 40% dos consumidores que nunca haviam feito compras online anteriormente começaram a usar esse recurso durante a pandemia. E 26% dos consumidores acreditam que vão fazer menos compras em lojas físicas quando a crise do coronavírus passar.

As vendas online da H&M, por exemplo, tiveram um acréscimo de 36% no segundo trimestre. O resultado geral desse período, no entanto, não foi nada bom pra maior concorrente da Zara. A H&M registrou uma queda de 50% nas vendas em relação ao ano passado.

No Brasil, a situação das redes de varejo não é melhor. A Guararapes, dona da Riachuelo, fechou o primeiro trimestre com um prejuízo de 47,5 milhões de reais. Para a Renner, o tombo no lucro líquido foi de 93,6%: passou de 161,6 milhões para 10,4 milhões de reais.

Segundo um relatório do portal Business of Fashion e da McKinsey, a indústria da moda no mundo deve ter uma redução de até 30% nos lucros este ano. O instituto de pesquisas Coresight prevê que cerca de 25 mil lojas vão fechar as portas em 2020 nos Estados Unidos. Para citar dois nomes conhecidos, Guess e Victoria’s Secret já anunciaram o fechamento de 100 e 250 lojas respectivamente.

E se as perspectivas pros grandes players do mercado não são boas, imagine pros pequenos. Na semana passada, a marca nova-iorquina independente Sies Marjan encerrou as operações depois de cinco anos. A grife, comandada por Sander Lak, já havia sido duramente afetada pelo fechamento da Barneys New York, com quem tinha um contrato de exclusividade, e não aguentou o impacto da pandemia da covid-19 nas finanças.

Tanto lá fora quanto aqui no Brasil, grifes pequenas e médias têm sofrido para sobreviver à crise. Sem um capital de giro que segure as contas na pandemia, elas enfrentam ainda a dificuldade em conseguir boas linhas de crédito. Outro obstáculo é competir com os valores praticados por grandes varejistas. Ao contrário de empresas que produzem em larga escala, as independentes não têm poder de barganha com fornecedores, o que eleva o preço final do produto.

Na reportagem Pequenos Notáveis… Por quanto tempo?, publicada no site da Elle, nosso editor Luigi Torre traça um panorama completo da luta das marcas independentes pela sobrevivência nesse período crítico. Vale a leitura!

Seja qual for o caminho que as empresas escolherem seguir para continuar no jogo, uma coisa é certa: ele necessariamente vai ter que passar pela questão ambiental. Para Eva Kruse, CEO da organização sem fins lucrativos Global Fashion Agenda, a Covid-19 elevou a importância da sustentabilidade. “Agora”, disse Eva, “cabe aos líderes das indústrias agarrarem as oportunidades de avançarem com um modelo sustentável de negócios em um ambiente que se tornou ainda mais volátil”.

E para muitos analistas não basta apenas que as empresas invistam em métodos mais sustentáveis. É preciso diminuir o ritmo de produção. E aí, Gabe, entramos naquela questão do fast-fashion e de repensar o número de coleções por ano, que a gente vem falando há tempos.

Um dos sinais recentes de que o mercado do luxo já entendeu o recado foi a entrada da atriz britânica Emma Watson na Kering, grupo que detém as marcas Gucci, Saint Laurent e Balenciaga, entre outras. Aos 30 anos, Emma já é quase tão famosa por seu ativismo na causa ambiental e na defesa dos direitos das mulheres quanto pelo seu papel como a bruxa Hermione, em Harry Potter. Na Kering, a atriz vai integrar o conselho de diretores do grupo e também presidir o comitê de sustentabilidade da empresa. Vamos torcer para ela conseguir implantar melhores práticas no mercado!

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