Priscilla Beaulieu era uma estudante de 14 anos que morava em uma base aérea estadunidense na Alemanha Ocidental, onde seu padrasto servia como capitão, quando conheceu Elvis Presley, em 1959. Aos 24, ele já era um rockstar e um dos nomes mais conhecidos do showbiz, convocado pelo exército. Apesar dos anos e universos que os separavam, começava ali a história de 14 anos do casal.
Mais do que repassar a trajetória de altos e baixos entre os dois, Sofia Coppola reconta a história do casal sob a perspectiva dela em Priscilla, que chega aos cinemas brasileiros em 4 de janeiro. Escrito e dirigido por Sofia, o longa é baseado em Elvis and me (1985), livro de memórias de Priscilla. “Nós sabemos muito sobre ele, mas nunca ouvimos a história dela”, disse a diretora em uma mesa redonda com a participação da ELLE. “Sempre podemos aprender sobre as experiências de outras mulheres, especialmente da geração anterior.”
A diretora conta sentir falta de um reenquadramento dessas histórias com o olhar das mulheres. “É nisso que estou interessada. Precisamos ter perspectivas diferentes.” Priscilla desconstrói o conto de fadas da jovem escolhida pelo rockstar e retrata, além do amor dos dois, a solidão dela em Graceland e o relacionamento, que hoje seria considerado abusivo.
Coube a uma atriz ainda pouco conhecida, Cailee Spaney (da série Mare of Eastown, HBO), interpretar Priscilla, hoje com 78 anos. Cailee chegou ao Festival de Veneza, em setembro, como uma novata e saiu com o prêmio de melhor atriz. Com todo o fascínio que desperta, Jacob Elordi (de Euphoria e Saltburn) foi escolhido para viver Elvis.
Priscilla, em sua jornada de autodescobrimento, acaba por dialogar tanto com a Charlotte de Encontros e desencontros (2003), interpretada por Scarlett Johansson, quanto com a Maria Antonieta, vivida por Kirsten Dunst, do filme homônimo de 2006 de Sofia. Depois de On the rocks (2020), uma comédia morna com Rashida Jones e Bill Murray, a diretora emociona contando uma história tão feminina.
Na conversa com Sofia, ela falou sobre como o filme a ajudou a entender melhor a geração de sua mãe.
Priscilla Presley é produtora executiva do filme. Como ela se envolveu no projeto?
Ela me apoiou muito. Priscilla gosta dos meus filmes e disse que confiava em mim para fazer o trabalho, e sempre esteve disponível para tirar dúvidas. Ela não foi ao set porque não queria deixar os atores nervosos. Foi muito gentil, nos deu espaço. Cailee se encontrou com ela, o que acho que a ajudou muito a incorporar as suas caraterísticas.
Qual foi o maior desafio do filme?
Para mim, foi contar a história de alguém que está vivo. Foi ótimo poder fazer perguntas a Priscilla, mas era também uma responsabilidade expressar o que eu queria levando em conta como ela se sentiria a respeito. Queria que ela ficasse feliz com o filme, respeitando sua experiência. Foi desafiador também equilibrar o lado sombrio e o iluminado dessa história. Como balancear os dois para que ele não fosse apenas um vilão, para que sentíssemos os altos e baixos desse relacionamento complicado e encontrássemos o tom certo? Houve momentos realmente difíceis, mas eles também se divertiram. Havia alegria e romance.
“Foi desafiador também equilibrar o lado sombrio e o iluminado dessa história.”
Como foi retratar Priscilla, uma mulher de outra época, com uma concepção de casamento e independência feminina bem diferente da que temos hoje, sem julgá-la?
Era importante para mim mostrar a perspectiva dela. Apenas tentei me colocar no lugar dela, experimentar o que Priscilla estava experimentando e não olhar muito para isso de nossa perspectiva. Isso refletiu muito sobre como algumas coisas são tão diferentes hoje e como outras não mudaram. Ela tinha tanta pressão para ser a mulher ideal daquela época, com o cabelo e a maquiagem perfeitos, e não conseguia expressar suas necessidades. Acho que é sempre uma história inspiradora quando alguém supera esses desafios e encontra o seu verdadeiro eu.
Lisa Marie Presley, filha de Priscilla, lhe enviou um e-mail e foi crítica em relação ao filme.
Algumas semanas antes das filmagens, recebi um e-mail dela e fiquei muito surpresa porque achei que eles haviam discutido isso (em família). Foi complicado porque eu estava muito focada em contar a história de Priscilla e não falei com o restante da família. Apenas presumi que a história era conhecida, já que o livro dela foi lançado 20 anos atrás. Acho que não sabia muito sobre o relacionamento deles (da família). Realmente, tentei me concentrar na história de Priscilla e garantir a ela que eu trataria isso com sensibilidade. E entendo que ela (Lisa Marie) estivesse preocupada, sendo uma família tão pública, tendo pessoas contando histórias sobre ela. Mas senti que isso era entre Lisa e Priscilla. Lamento que ela não tenha conseguido assistir ao filme. (Lisa Marie morreu em janeiro passado.)
Depois de ler as memórias de Priscilla, quais foram suas impressões de Elvis?
Entendi melhor, ao conversar com Priscilla, suas frustrações como artista e o desejo dele se tornar um ator sério. Não quero rotulá-lo, mas percebi que ele tinha falhas, lutava com problemas, era humano.
“Acho que o fato de ela colocar cílios postiços para dar à luz, ao entrar em trabalho de parto, disse muito para mim sobre ela e aquela época.”
Qual foi a descoberta mais impressionante de Elvis e Priscilla durante a pesquisa para o filme?
Essa é uma boa pergunta. Sinto que a história dela é tão reveladora, com tantas coisas que eu não sabia. Havia pequenos detalhes. Acho que o fato de ela colocar cílios postiços para dar à luz, ao entrar em trabalho de parto, disse muito para mim sobre ela e aquela época. E era algo que eu nunca imaginaria. Adoro isso.
O que a levou a escolher Cailee Spaney e Jacob Elordi para interpretar Priscilla e Elvis?
Era preciso escolher atores que não fossem uma caricatura, que realmente incorporassem a essência deles. Encontrar uma atriz que pudesse interpretar Priscilla dos 14 aos 28 anos foi um desafio. Quando conheci Cailee, ela parecia tão jovem, mas tinha 24 anos. Então, senti que o público poderia acreditar nela em todas essas fases. Quando a vi interpretando Priscilla aos 14 anos, fiquei impressionada com a maneira como ela falava e se comportava, com o quanto poderia mudar. E me perguntei: “Como vou encontrar Elvis?” Ninguém se parece com ele, mas um amigo sugeriu Jacob. Quando o conheci, senti que ele era tão charmoso e carismático como Elvis. E isso é muito importante para que você não odeie o personagem, porque Priscilla aguenta muitas coisas dele. Fiquei muito feliz que eles tiveram uma química juntos.
No filme, você trabalha novamente com a figurinista Stacy Battat, com quem colabora desde 2010. Com um longa ambientado nos anos 1950 e 60, vocês recriaram essas décadas por meio dos figurinos. Além disso, o que vocês queriam para Priscilla? Você tem, por exemplo, uma paleta de cores para cada filme que faz.
Acho que os figurinos são um elemento muito importante para retratar o mundo daquela época, mas também para mostrar como o personagem se desenvolve. O figurino ajudou muito a mostrar Priscilla à medida que ela fica mais velha e mais independente. Ela começa usando roupas de menina, em tons bem pastel. Então, vai para Graceland e as cores se tornam mais vibrantes. Ela está no mundo de Elvis. Quando chegam os anos 1970, seu cabelo está mais natural. Ela está mais parecida com o seu verdadeiro eu, ela veste jeans. Nós tínhamos muitas fotos dela e pesquisamos revistas e roupas da época. Stacy tem o talento de torná-las precisas para o tempo retratado, mas também filtrar o que é atraente aos olhos modernos, para que não pareçam estranhas. Acho que cada departamento (de produção do filme) ajuda o público a sentir o estado emocional do personagem.
Pessoalmente, o que você espera de Priscilla?
Sinto que é simplesmente satisfatório e desafiador contar histórias. Foi interessante para mim conversar com minha mãe sobre essa história, e ela compartilhar algumas de suas experiências. Acho que aprendi mais sobre a geração dela. Estou nesse lugar geracional entre minha mãe e minhas filhas.
Fotos: Divulgação