Carta do editor

Drama ao fim de cada ato

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O álbum Drama é o meu favorito da Maria Bethânia. Na verdade, são dois discos. Um de estúdio (Drama, de 1972) e outro ao vivo (Drama – Luz da noite, de 1973). No entanto, são três atos: o lado A do primeiro disco é o primeiro, o lado B, o segundo e o disco ao vivo é um apêndice, um terceiro ato, que mistura teatro, poesia, música e magia. “Mostra para ela que tu é intenso”, diz a personagem da Sônia Braga, em Aquarius, filme de 2016, sugerindo ao seu sobrinho na trama que ouvisse Bethânia com seu crush da época. Até hoje, fico pensando que sorte desse menino que precisa mostrar que é intenso. Que essa intensidade não se extravasa pelos poros e rende incontáveis constrangimentos. Choro no trabalho, choro em desfile, choro olhando pela janela. A vida sempre me emocionou demais. Talvez seja essa conjunção bizarra de planetas em Escorpião sob os quais eu nasci (Sol, Mercúrio e Marte em Escorpião). Talvez seja a Vênus em Libra, talvez seja tudo isso. Fato é que escrevo esta carta quase chorando também. Ouvindo um cafonérrimo Luis Miguel, cantor mexicano, favorito da minha mãe. Herdei dela o gosto pelo vibrato acentuado e pelo romance desavergonhado. E um pouco dessa intensidade toda, claro.

E o que será que tudo isso tem a ver com beleza, com ELLE View etc.? Bom, para escrever a carta, fiquei pensando nesse aspecto dramático que tem a beleza na contemporaneidade. De minha parte, às vezes tenho a sensação de que ela é o assunto mais importante do mundo e que todos os problemas e soluções do mundo estão escondidos nela. Em outros momentos (menos intensos), passo a achar que, na verdade, não. Que a beleza não é nada, não importa, não deveria importar, é só um devaneio narcisista. Tenho dificuldade com o caminho aristotélico, a medida certa, o caminho do meio, o equilíbrio (acho que já deu para notar). Essa dramática dicotomia, é óbvio, transparece nas páginas digitais, interativas, maluquinhas, desta edição, na qual você está prestes a mergulhar.

Tem crítica, tem força e tem inconformidade frente a um tipo nocivo de tendência de beleza na reportagem “Clean look para quem?”, da repórter Bárbara Rossi, e na coluna tão sagaz quanto profunda, tão assertiva quanto dolorosa da nossa editora especial, Vivian Whiteman, na página a seguir. Mas há também escapismo, delírio e sonho: nas fotos lindas que fizemos dos perfumes com oud (o ouro líquido da perfumaria, mais em alta do que nunca), ou no ensaio de beleza “Romance atualizado”, que resume muito bem essa nova onda mezzo rocker, mezzo glam das maquiagens e dos cabelos dos últimos tempos.

Fora isso, tem conversas com pessoas que vivem nesse drama da beleza, do autoamor, dos pincéis… Conversei com o maquiador global da Yves Saint Laurent, Tom Pecheux (queridinho de estrelas da moda, como Carine Roitfeld e Mario Testino). Quem também está nesta edição é Jonathan Van Ness, o ícone não binário que rouba os holofotes no Queer eye, da Netflix, com suas estratégias gentis e amorosas para revelar a beleza dos personagens do reality. Para fechar, ainda batemos um papo com Mikayla Nogueira, a estadunidense que mais bomba no #BeautyTikTok. Dizem que, depois que ela indica um produto em seus vídeos, ele esgota em questão de minutos. Ainda assim, ela não vai se mudar para Califórnia e está decidida a não se entregar à inautenticidade do jogo de cartas marcadas do mundinho “influencer”.

Convido vocês a ler esta edição especial de beleza (que, segundo Susana Barbosa, agora tem lugar fixo aqui na ELLE View todo janeiro) com intensidade: entregando-se ao ódio e ao amor engendrados nas conversas que propomos aqui e que também vemos e vivemos fora destas páginas. O bem dentro do mal, o mal dentro do bem. O drama que é existir e, de vez em quando, olhar para o espelho.