Já faz alguns meses que circula nas redes sociais uma tendência batizada de “clean look”, ou “visual limpo”. No TikTok, são centenas de vídeos – geralmente de tutoriais – de como conseguir fazer o visual, que somam quase
30 milhões de visualizações. A trend vem geralmente associada à palavra “expensive” (“caro”) e toda a ideia é conquistar um suposto “rich girl look” (“cara de garota rica”), como as próprias internautas colocam. Para entender do que se trata a tendência, basta pensar no visual de celebridades como Hailey Bieber e Bella Hadid. O movimento resgata toda aquela ideia de it-girl que vivemos no auge dos anos 2000, que, nessa nova atualização, vem rebatizada de “that girl” (“aquela garota”).
Quando o assunto é maquiagem, o clean look é bem parecido com a já conhecida “no make-up make-up”, a famosa “maquiagem nada”. Ele consiste em uma pele bem natural, feita apenas com um bom skincare, além de um pouco de corretivo, blush e iluminador (todos cremosos). Fora os produtos para o rosto, são usados apenas máscara de cílios, lip balm e gel para pentear as sobrancelhas para cima. O cabelo é preso, geralmente dividido ao meio e puxado para trás com um gel.
Porém, diferente da sua tendência-irmã, o clean look vai além de produtos para o rosto e aborda aparência geral, moda e até comportamento.
Em um dos vídeos mais curtidos, uma tiktoker faz uma lista de como conquistar o look. Nela, estão: deixar os dentes sempre limpos e brancos, ter boa postura, passar perfume (de preferência algum doce, como coco ou baunilha), transmitir “vibes positivas”, usar joias pequenas e roupas passadas e bem alinhadas.
Essa nova tendência entrega, na verdade, uma obsessão por um visual completamente inalcançável, conquistado apenas com genética, dinheiro ou filtros das redes sociais. Ainda, a ideia de fazer um look “limpo” para se parecer com uma garota rica é, por si só, elitista e preconceituosa.
Apesar de, em teoria, a tendência parecer inofensiva, como tantas outras que vemos na internet, existe um padrão que levanta muitos alertas: a maioria esmagadora dos conteúdos criados sobre o tema nas redes sociais é produzida por pessoas extremamente padronizadas. Leia-se: brancas, jovens, com cabelo liso, magras e com a pele lisa. Nesse último ponto, aliás, vale ressaltar que praticamente nenhum vídeo mostrava mulheres com acne, rosácea, melasma, rugas, flacidez ou manchas. O clean look, então, é basicamente um visual como outro qualquer, mas usado por pessoas que já estão dentro de todos os padrões de beleza socialmente aceitos.
No começo do ano, outra trend associada ao clean look viralizou. Nela, os usuários gravavam vídeos perguntando se eles aparentavam estar limpos ou sujos. Nos comentários, havia um padrão muito claro: pessoas não brancas, com olheiras ou espinhas recebiam “suja” como resposta, enquanto aquelas que se encaixavam no padrão descrito acima eram categorizadas como “limpas”, em uma evidente demonstração de racismo e etarismo.
Aqui, então, essa ideia de limpeza está claramente associada a um padrão de beleza, e não a um visual que pode ser feito por qualquer um. A verdade é que (quase) ninguém precisa assistir vídeos nas redes sociais para saber como aplicar hidratante no rosto ou lip tint nos lábios, como mostram esses tutoriais. Não é por isso que as pessoas estão consumindo esse tipo de conteúdo.
Essa nova tendência entrega, na verdade, uma obsessão por um visual completamente inalcançável, conquistado apenas com genética, dinheiro ou filtros das redes sociais. Ainda, a ideia de fazer um look “limpo” para se parecer com uma garota rica é, por si só, elitista e preconceituosa, reforçando automaticamente a ideia de que a pobreza e a sujeira estão naturalmente associadas. Isso evoca, inclusive, o conceito higienista de limpar a sociedade de tudo aquilo que não serve ao status quo.
Enquanto o movimento “skin positive” fala sobre não necessariamente precisar esconder, com maquiagem, acne, rugas e manchas, o clean look reforça a ideia de que só peles lisinhas e uniformes, consideradas perfeitas, podem dispensar a base pesada. Aqueles que lidam com problemas dermatológicos ou que não têm condições financeiras de fazer tratamentos estéticos ou comprar cremes caríssimos estão automaticamente fora do que propõe a tendência.
Em contrapartida, e em um lampejo de esperança, apesar de ainda usarem esses termos e serem poucas nas redes sociais, existem algumas criadoras de conteúdo que fogem do padrão “that girl” ao fazer suas próprias versões do clean look. Nelas, mulheres negras ensinam como fazer baby hair e aquelas que têm manchas mostram suas makes levinhas favoritas – todas muito mais inclusivas e, portanto, muito mais bonitas.