O relacionamento de Zendaya e Law Roach sempre foi mais do que apenas a união profissional entre stylist e celebridade. O autoproclamado arquiteto de imagem mapeou a trajetória da atriz quando ela estava se formando na Disney, aquela escola da fama para jovens artistas. Law, porém, também não possuía ainda todas as portas abertas para ele. Antes de ter seu primeiro sim, ouviu respostas negativas à exaustão. Agora, ela aos 25 e ele aos 43, a dupla se encontra em um estágio luminoso de estrelato.
“Quando eu tinha 14 anos, encontrei alguém que viu o que eu vi e mais do que eu jamais poderia ter visto sozinha. Ele é Law Roach, minha alma gêmea da moda”, disse Zendaya durante o seu discurso no CFDA Fashion Awards, em novembro deste ano. A atriz se tornou a pessoa mais jovem a ganhar o prêmio de ícone de moda na premiação do conselho estadunidense. Esse é um momento marcante tanto para ela quanto para ele, que é muito mais do que um stylist. É também mentor e, acima de tudo, amigo.
Após dominar os tapetes vermelhos dos últimos dois anos, a nomeação de Zendaya não é nenhuma surpresa. O seu look esvoaçante, no Oscar de 2021, em referência a Cher, o Saint Laurent de quase 40 anos atrás, usado no evento Black Women in Hollywood, e o vestido escultural da Balmain que se confundia com a pele da atriz, em Cannes, são todos frutos do olhar e criatividade da parceria entre eles.
A atriz, porém, não é a sua única cliente. Embora, diariamente, receba ligações de diferentes celebridades, Law escolhe a dedo quem irá atender. É que, para ele, não basta ser um grande nome. A tal artista precisa estar disposta a fazer uma declaração estética. Quando o fenômeno do TikTok Addison Rae estava pronta para se apresentar a um público além de sua base de fãs da Geração Z, o stylist deu a ela um upgrade com peças de Tom Ford e Versace. O mesmo aconteceu quando, aos 50 anos, Céline Dion decidiu reinventar o seu estilo.
Depois de anos ajudando outras pessoas a compartilhar suas histórias, Law Roach compartilha a sua própria com a ELLE Brasil. A caminho do aeroporto para a sua enésima viagem do mês, o stylist conversa abertamente sobre tudo o que foi necessário para que, hoje, tivesse uma agenda mais parecida com a de um rockstar.
Recentemente, Zendaya disse que foi você quem a ensinou a não dar a mínima ao que as pessoas pensam sobre suas roupas. Quem ensinou isso a você?
Boa pergunta. Nunca pensei sobre isso exatamente, mas acredito que tenham sido os meus avós. Fui criado no South Side, em Chicago. Era um bairro muito difícil. Desde cedo, meus avós me convenceram de que eu deveria sentir orgulho de mim e do meu estilo. O meu avô era o mais elegante. A minha avó assistia comigo as fitas de Dynasty e Charlie’s angels. Tudo isso era muito inspirador. Sentia que conhecia o glamour, embora tivesse, sei lá, 5 anos de idade.
Então a moda sempre esteve presente em sua vida. Quando virou trabalho?
Ainda muito cedo. Na adolescência, a minha mãe me falou “se você não trabalha, você não come”. Eu já tinha a ética do trabalho e a empolgação para ser independente dentro de mim. Os meus avós sempre me levaram em brechós e liquidações, daí comecei a vender o que eu garimpava, de um jeito bem informal mesmo. Fui crescendo até que, em 2009, abri uma pequena loja de revenda (chamada Deliciously Vintage) com um amigo.
Eu ouvi falar sobre isso. A loja estourou quando recebeu uma visita inesperada do Kanye West, certo?
Exatamente. Acabou se tornando notícia: o dia em que Kanye West entrou em uma loja vintage de propriedade de duas pessoas negras e gastou uma grande quantia de dinheiro. Lembro que, após a visita, durante dias, formaram-se filas pelo quarteirão só para conhecer nossa loja. Foi depois disso que conheci Zendaya. Uma mulher que nos visitou era amiga íntima do pai dela. Nunca vou me esquecer: Zendaya ia para a estreia de
Never say never, de Justin Bieber, e não tinha nada para vestir, até que essa cliente me indicou. Desde então, trabalhamos juntos e passei a me dedicar inteiramente à carreira de stylist.
Nessa época, Zendaya ainda não era a grande estrela que é hoje. Como você conseguia ter acesso às marcas?
Eu não conseguia. As garotas da Disney não eram respeitadas. Ninguém queria vesti-las, muito menos as garotas negras da Disney. Tive que lutar por Zendaya, mas não foi fácil. Eu não tinha grandes contatos. Não havia sido estagiário de ninguém, não estava no sistema, não sabia o que era certo e errado. Apenas entendi o que eles ainda não haviam percebido, que ela era uma das garotas mais lindas do mundo.
E em que momento finalmente entenderam isso?
Preparei um plano de ataque. As colunas semanais de celebridades, com quadros tipo “quem vestiu melhor”, estavam no auge. Elas eram gigantes. Então, ia aos showrooms e, intencionalmente, escolhia roupas que já haviam sido usadas por outras artistas. Toda semana, Zendaya estava nesses tabloides. O público passou a ver o seu nome com uma frequência cada vez maior na mídia. Depois, vieram os sites e essas colunas passaram a ter votação. Não importa contra quem fosse, Zendaya sempre venceria. De repente, várias marcas já estavam prestando atenção. Gastei muito tempo pensando em como alcançar a sua aceitação na moda.
“Tive que lutar por Zendaya, mas não foi fácil. Eu não tinha grandes contatos. Não estava no sistema, não sabia o que era certo e errado. Apenas entendi o que eles ainda não haviam percebido, que ela era uma das garotas mais lindas do mundo.”
Foi aí que surgiu o termo arquiteto de imagem?
Sim, o que eu estava fazendo era muito mais próximo ao que um arquiteto costuma fazer. Pesquisando a terra, fazendo o projeto, obtendo materiais, contratando empresas. É assim até hoje. Não é que não aceite ser chamado de stylist, não é isso. Mas gosto de me intitular como arquiteto de imagem. É o que acredito fazer mais sentido para o trabalho desenvolvido por mim, que é muito cerebral. Nem todo stylist trabalha assim.
Anos depois de todo esse trabalho, Zendaya acaba de ser nomeada como ícone de moda pelo CFDA Fashion Awards. A categoria já premiou Rihanna, Beyoncé e Naomi Campbell, entre outras. Como foi receber a notícia?
Foi emocionante. Me fez lembrar das nossas primeiras conversas, quando ela desejava se tornar uma estrela de moda, enquanto eu sonhava em ser considerado o melhor no que faço. A gente conseguiu. E a melhor parte é que nos mantivemos como uma dupla durante todo esse tempo. Alcançamos esse marco juntos, a partir de um trabalho colaborativo e incansável. É mágico.
No início de sua carreira, você tinha alguma referência profissional?
O meu ponto de referência costumava ser a Rachel Zoe, mas ela não é de onde eu sou e não teve a vida que eu tive.
Hoje, você pode ser a referência para pessoas com histórias semelhantes à sua.
Todo meu trabalho é baseado nisso. Existem muitos meninos negros que nunca se veem representados na moda e não sabem que podem criar um negócio de sucesso. Quero mostrar às pessoas que um homem negro pode chegar a um certo nível sem ser, necessariamente, um jogador de basquete ou, sei lá, um rapper. Nós também existimos na moda, na arte, na política. As pessoas tentam nos dizer que não somos bons o suficiente, mas trabalhei para ser levado a sério com orgulho de quem sou e de onde vim. Quero que olhem para mim e vejam que há um lugar para nós nesta indústria.
No ano passado, o WWD publicou um artigo criticando a falta de estilistas negros nos looks do Golden Globe. Você e Jason Bolden responderam em uma live conjunta, afirmando que essa cobrança não cai nos stylists brancos como cai em vocês. Um ano depois, você ainda se sente assim?
Pensei muito sobre esse artigo. Sentia que ele insinuava que o peso da inclusão deveria estar apenas nas nossas costas. Mas isso é injusto. Não somos nós os que detêm o poder. Não é nossa responsabilidade assumir um problema criado por pessoas brancas. Esse espaço de opressão foi criado por elas e elas precisam resolver isso.
As grandes marcas de luxo só começaram a vestir artistas negras há pouco tempo. Acabamos de abrir essa porta e vamos aproveitá-la. Até porque nunca tivemos as mesmas oportunidades que os nossos colegas brancos. Quando comecei a ser contratado para grandes trabalhos, olhava em volta e eu sempre era a única pessoa negra ali. Não quero que seja assim. Desde que passei a ter poder e influência, luto diariamente para que outras pessoas tenham mais oportunidades. Mas, o ponto é que as pessoas brancas também deveriam fazer isso, mas esse ainda não é um esforço geral da indústria.
Você acredita que algum dia será?
Acredito que a indústria tem um racismo velado. Ninguém precisa apontar ou falar nada. Você apenas sente assim que entra na sala. A energia muda, a conversa muda, o olhar é diferente. Vou lidar com isso por toda a minha vida, não importa o quão reconhecido eu seja.
Recentemente, você foi anunciado como jurado de um concurso da Shein, empresa de fast fashion não muito clara sobre seus processos de produção. A notícia não foi bem recebida por todos. Como você encarou as críticas?
Toda a minha carreira tem sido baseada em encontrar, promover e orientar designers emergentes. É por isso que fiquei tão animado em estar envolvido nesse projeto. A quantidade de vidas que a Shein tocará será incrível. Não acho que as pessoas entendam a mudança que esta empresa vai fornecer a marcas menores. Podemos ter muitas conversas, mas você impulsiona a transformação quando dá o escopo completo de como é administrar um negócio para as marcas que estão chegando. Isso realmente significa algo para mim. Trabalho com o que faz minha alma se realizar e, independentemente do que as pessoas pensem, essa parceria foi assim.
Essa discussão é muito complexa. Redes de fast fashion podem não ser sustentáveis, mas indiscutivelmente permitem acesso.
Sim. Eu vou ser honesto com você, eu cresci muito, muito pobre. Não tinha nada, mas queria parecer com os meus amigos. Eu adoraria estar na moda. O movimento da sustentabilidade ainda é um processo lento e, claro, precisamos trabalhar juntos para consertar isso e sermos mais gentis com o planeta. Mas as marcas de fast fashion estão dando acesso às pessoas coisas que elas desejam por um preço que podem pagar. Isso não é pouca coisa.
Constantemente, você faz referência a grandes momentos da cultura pop em seu trabalho. Por que isso é importante para você?
O meu trabalho não é e nem nunca será sobre colocar roupas bonitas em garotas bonitas. Quero criar momentos e seria desrespeitoso da minha parte não referenciar quem veio antes. Me lembro da primeira vez que vi Cher, percebi ali que eu era diferente dos outros meninos. Então, tenho que representar Bob Mackie porque isso faz parte de quem eu sou. E Zendaya me deixa assumir a liderança. Ela não tem medo, ela quer correr riscos. Trabalhar com alguém assim muda tudo.
“O meu trabalho não é e nem nunca será sobre colocar roupas bonitas em garotas bonitas. Quero criar momentos e seria desrespeitoso da minha parte não referenciar quem veio antes.”
Você parece ser bem seletivo quanto às celebridades que atende. Qual é o seu critério?
Quero ser necessário, quero fazer parte de algo. Recebo ligações o dia todo, seria inviável atender todas as artistas que me contatam. Mas, quando percebo que alguma está entusiasmada com a moda, aceito. O meu objetivo não é transformar ninguém, é ajudá-las a encontrarem o seu melhor. Só que eu desejo criar momentos icônicos, então, a artista precisa estar disposta a ousar. Quando visto alguém e percebo a nova persona que se assume e a nova caminhada que se cria, fico louco. É como minha droga.
Você também pensa dessa forma sobre o seu estilo pessoal?
Estaria mentindo se afirmasse que é totalmente assim. Gosto de reservar a minha criatividade para as minhas musas. Mas, também não sou básico. O meu estilo tem se tornado mais neutro em relação a gênero. Me lembro quando Marc Jacobs começou a usar saias e achei tão legal, isso ressoou em mim. Adotei essa parte do meu estilo pessoal de Marc. O estilo dele é um dos que mais admiro. No fim do dia, é sobre fazer por você, não dar ouvidos ao que as pessoas dizem. Se eu gostei, eu compro e uso.
“A moda precisa ser polarizada, deve haver tanto pessoas que amam quanto odeiam. Caso contrário, aquele look não está evocando nenhum tipo de emoção.”
E mesmo que falem, isso pode representar algo bom, não? Se algum look está agradando a todos, ele, provavelmente, é bem tedioso.
Exato, também penso assim. Não pretendo deixar todos felizes com o meu trabalho e nem com o que eu visto. A moda precisa ser polarizada, deve haver tanto pessoas que amam quanto odeiam. Caso contrário, aquele look não está evocando nenhum tipo de emoção. Quero tirar o fôlego, quero arrepios. É para isso que vivo.
Esta reportagem foi publicada originalmente em novembro de 2021, na ELLE View, nossa revista digital mensal. Para fazer sua assinatura, clique aqui.