O comeback da pele matte?

A pele matte está ensaiando um comeback em versão mais delicada. Depois da supremacia glow, será que o acabamento mais popular dos anos 2000 vai recuperar o seu lugar ao sol?

Em 2014, surgiu a Glossier, empresa de cosméticos (atualmente avaliada em 1,2 bilhão de dólares) da blogueira de beleza estadunidense Emily Weiss. Tudo começou com uma bruma para o rosto, uma base iluminada de cobertura radicalmente leve, um balm para lábios e unhas e um hidratante para o rosto. No entanto, o sucesso instantâneo da marca – até então, “indie” – apontava para uma mudança de mentalidade que polarizou o mercado de beauté nos anos seguintes. De um lado, estavam youtubers gigantes, como Nikkie Tutorials e Jeffree Star, carregando o rosto com bases ultramatificantes de longuíssima duração em seus vídeos. Do outro, despontava uma nova geração de influencers e maquiadoras apaixonadas pela pele o mais natural possível, realçada apenas pelo brilho de uma hidratação intensa.

A crítica feita por parte das apaixonadas pela tal da “pele glow” é a de que você não precisa construir outro rosto em cima do seu para se sentir bonita. O hype durou um bom tempo, mas, em dado momento, algumas implicações desse discurso começaram a ficar evidentes. Um bom exemplo eram as campanhas da Glossier que, de maneira contraditória, pregavam a ideia de conhecer e revelar para o mundo a sua própria pele, mas só veiculavam imagens de mulheres jovens, ricas em colágeno e livres de qualquer tipo de acne, manchas ou rugas. Ou seja, quem é que pode viver só de “pele glow” em uma sociedade obcecada pela juventude?

A briga é boa. Enquanto o pessoal do contorno tinha do seu lado a praticidade de uma maquiagem que dura no rosto, capaz de resistir a uma caminhada no deserto sem perder o glamour, a galera glossy começou a popularizar o termo “autocuidado” que, apesar de ter sido devorado pelo ritmo capitalista da indústria de cosméticos, tem um fundo de verdade e importância que, nos tempos duros que vivemos atualmente, parece ganhar ainda mais relevância e significado.

Não à toa, muito se fala sobre o movimento “skin-positive”: a proposta de que é, sim, possível ter uma relação honesta com a sua própria pele que não seja pautada pelos padrões de beleza e pelo ódio a si mesmo decorrente dessas comparações indevidas, idealizadas, impossíveis. Ainda assim, as redes sociais, de algum jeito secretamente maligno, têm a capacidade de desviar o foco desse que é um debate que merece atenção. O buzz virtual, não raro, faz com que a insistência nessas pautas soe como “positividade tóxica” que, de fato, é outro problema a ser evitado. Ninguém precisa ser obrigado a sair com as olheiras ou espinhas à mostra se não se sentir confortável com elas. Ninguém é obrigado a nada, na verdade.

 

244593048 167299248912273 3140960369935343715 n 1

Na marca estadunidense Starface, surge uma nova maneira de lidar com espinhas. Em vez de escondê-las, cuidar delas com adesivos calmantes.Foto: Divulgação

 

Aliás, esse parece ser o lema da geração Z quando o assunto é beleza. Os nascidos depois de 1998 não estão nem um pouco interessados em comprar qualquer angústia frente ao espelho nessa fase efervescente da vida. “Para eles, maquiagem é uma questão de autoexpressão. Se surge uma espinha, eles não necessariamente vão ficar felizes, mas estão mostrando que podem lidar com elas de uma maneira mais leve”, explica a pesquisadora de tendências Nina Grando antes de citar o surgimento da Starface como exemplo desse novo jeito de pensar. “É uma marca que vende adesivos calmantes e cicatrizantes divertidos para colocar em cima das espinhas. Você não está escondendo nada. Está cuidando delas”, continua.

 

pele matte

Nos últimos desfiles da Chanel, a antiga maquiadora-global da casa Lucia Pica apostava em uma pele que ela chamava de “imaculada”, que se traduzia para um matte delicado.Foto: Divulgação / Chanel

 

No meio disso tudo, um alerta de tendência: nas últimas temporadas, marcas de luxo (em especial Chanel e Dior) têm investido em uma pele de acabamento aveludado. Algo como a proposta de um novo matte, mais leve, mais delicado, menos “máscara”. De acordo com Nicolas Berreteaga, maquiador da Dior na América Latina, a maison aposta em duas peles que, dependendo da direção de Peter Phillips (maquiador-global da mesma etiqueta), se alternam nos desfiles da casa. “A primeira é mais iluminada mesmo, como tem sido mais comum. A outra, que está aparecendo nas apresentações mais recentes da Dior, é matificada, mas passa longe de algo carregado ou pesado”, descreve. Segundo ele, o objetivo nesse caso é chegar a um resultado natural sem brilho, mas não 100% opaco.

 

pele matte

Na Dior, o diretor de maquiagem da maison, Peter Phillips, flutua entre o glow e o matte para as peles desfiladas nas apresentações da marca. Foto: Dior / Divulgação

 

“Quando a gente fala de um possível retorno da pele matte, não estamos mais falando daquela que fazia sucesso nos anos 2010. É um matte 2.0, muito mais leve, muito mais delicado, e que leva em consideração todos os debates acerca de pele que se desenrolaram desde então”, pondera Grando. De acordo com a trendhunter, essa retomada do acabamento mais seco tem também a ver com as mudanças climáticas que temos vivido. “As temperaturas tendem a aumentar cada vez mais nos próximos verões. A ‘pele glow’, apesar de muito bonita, não tem longa duração no calor. Nesse contexto, ela tende a ficar mais de escanteio em comparação a esse novo matte.”

A questão é que a guerra entre esses dois acabamentos representa apenas a superfície de uma investigação pessoal, que precisa acontecer para que, optando pela pele opaca ou com brilho, a gente possa se sentir feliz com a própria imagem. “As duas coisas podem coexistir”, defende Berreteaga. “Até porque, estamos falando de uma pele matificada que preserva as características da sua pele natural, o formato do seu rosto, a sua beleza de verdade.” Seja qual for o acabamento de sua preferência, vale sempre adicionar à maquiagem uma boa dose de generosidade. Em um mundo que se pretende mais skin-positive, liberdade de escolha e autoconhecimento é que devem guiar nossas escolhas de beauté. Os padrões impositivos, podemos deixar no passado.

Esta reportagem foi publicada originalmente em novembro de 2021, na ELLE View, nossa revista digital mensal. Faça a sua assinatura e tenha acesso a todas as edições.