Nascida e criada na Brasilândia, Zona Norte de São Paulo, Jal Vieira descobriu a moda por acaso, mas permaneceu nela por escolha. Quando criança, sua mãe, Maria Inêz Vieira, foi quem incentivou o seu contato com as artes nas formas mais variadas, na música, em atividades artesanais ou na pintura. “Quando meu olhar se interessou por isso, eu tinha 11 anos, já desenhava e era autodidata. Vi um desfile na televisão, achei que seria legal desenhar e fui tomando gosto pela coisa”, conta ela, hoje com 32.
Decidiu, então, estudar moda na graduação. Tentou uma bolsa de estudos por meio do ProUni, na universidade Belas Artes, em 2010. Conseguiu. Quando soube, ela estava em uma lan house e ficou um pouco chocada com a notícia, mas não tanto quanto sua mãe. “Ela saiu enlouquecida pela casa. Gritava, pulava em cima de mim. ‘Você tem noção de que é a primeira pessoa da nossa família a entrar na faculdade?’, ela me disse”, relembra a estilista. “Eu tinha noção, mas não tinha compreendido a problemática.”
Na instituição, pensou em desistir já no primeiro dia. Sentia muita disparidade entre a sua realidade social e a daqueles que frequentavam as aulas na Belas Artes – instituição cuja mensalidade para o curso de moda, hoje, beira a soma de dois salários mínimos. O elo fundamental para que Jal não abandonasse a graduação foi sua mãe, que lhe recordava a importância de ocupar um espaço como aquele.
Ainda nesse período, a estilista conseguiu um estágio em uma marca que, na época, fazia parte do line-up do São Paulo Fashion Week. Permaneceu lá por seis anos: “Aprendi muito do que não queria vivenciar na moda”. Após a experiência, resolveu sair da indústria para trabalhar com audiovisual e descobriu a paixão pela fotografia. “Migrei para essa área, pois a moda ia contra o que eu pensava. Às vezes, é muito duro ser a primeira em um espaço.”
Em 2019, Jal retornou. Não porque a moda havia mudado, mas porque viu uma possibilidade de mudá-la. Foi convidada por André Hidalgo para um projeto na Casa de Criadores e, desde então, integra o line-up do evento, que semestralmente apresenta o trabalho de diversos criadores autorais brasileiros. No caso do seu, como ela descreve, é “olhar nos olhos”. É assim que ela consegue exercer sua humanidade e incentivar que isso seja a regra no sistema. É fácil de entender por que suas roupas tocam tantas pessoas. Afinal, os olhos não mentem.
Sua última apresentação na Casa foi digna de uma pessoa brasileira em 2021: protesto, indignação e revolta. As vestes reforçaram o recado de Conceição Evaristo: “Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer.”
“Acho que minha proximidade com as pessoas que trabalharam comigo é a troca de afeto, escuta. A gente se ouve. No casting, não falo apenas para desfilarem. Eu converso com a pessoa, tento entender sua história, no que ela se conecta com o que quero falar na coleção, pergunto o que ela acha, se gosta, por que veio naquele dia, de onde vem”, explica sobre a experiência de escolha de modelos. “Os castings são demorados, pois fico horas conversando com as pessoas. A importância do afeto é escutar o outro e querer saber como ele está. A roupa é um resultado desse processo.”
Esse amor que ela demonstra não surgiu no vácuo. Amar é algo que se aprende, e sua melhor professora foi sua mãe. “O afeto dela foi fundamental para que eu chegasse aqui hoje. Ela vê em mim a continuação dela, já que sempre diz que, por meio do meu trabalho, é possível mudar a história da minha família. Todas as mulheres trabalhavam como empregadas domésticas. Eu fui a primeira que não”, diz.
Hoje, é esse sentido que Jal vê na moda. Se amanhã for diferente, por enquanto, não importa. Sua saudação é para todas as pessoas que cruzaram seu caminho e permaneceram nele. Amigos, amigas, sua tia Maria de Lourdes Vieira Silva, conhecida como Lulu, e sua mãe, Maria. “Acredito em conexões com as pessoas, e no dia que eu não sentir mais que eu deva falar, não tem razão para estar nisso. Agora, existe muito o que falar. A gente enfrenta um sistema que enfrenta a gente”, finaliza.
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