A era da desinfluência

Dos mesmos produtores de “você tem que comprar”, vem aí o “não gaste seu dinheiro com isso”! A nova moda entre influenciadores é pautar o que “não precisa entrar no seu nécessaire”.

Seguindo o caminho de influenciadoras como Boca Rosa e Niina Secrets, Virginia Fonseca – que tem mais de 40 milhões de seguidores no Instagram – abriu a sua marca de beleza: a WePink. Em uma entrevista recente, ela e sua sócia – a empresária Samara Pink – disseram que a base da marca, que custa surpreendentes 200 reais por unidade, havia vendido 1,5 milhão de reais nas primeiras oito horas depois do lançamento. Pouco tempo depois, a internet provou que o mar não estava para rosas…

“A nova base da Virgínia Fonseca não vale 200 reais e eu vou analisar a fórmula para te provar isso”, começa a jornalista Nyle Ferrari, especialista em beleza, no vídeo que publicou em seu perfil no Instagram. Ali, a criadora pontua que a concentração de ativos como vitamina E, ácido hialurônico e niacinamida na base vendida pela WePink é, na verdade, muito baixa e que, portanto, os efeitos prometidos pela marca não se sustentam. “Como maquiagem, há bases que prometem menos e entregam tudo. Como skincare, há produtos com um valor mais alto, mas que trazem mais benefícios para a pele sem tanto silicone”, arremata. 

Depois dela, a recém-descancelada youtuber de maquiagem Karen Bachini também publicou um vídeo bombástico testando a base da WePink. O resultado catastrófico do teste viralizou nas redes e é mais um exemplo da tal da “era da desinfluência”: um novo momento no ambiente digital em que a estratégia dos influencers deixa de ser o “você precisa comprar isso” para ser substituído pelo “não gaste seu dinheiro à toa”.

Reflexo da crise

O valor da cesta básica na cidade de São Paulo subiu 14,62%. O item cujo preço teve maior crescimento foi a cebola, que, de acordo com o Procon-SP, ficou 184,42% mais cara. Se está tão difícil fazer o mercado da semana, fica fácil entender que as pessoas estão preferindo não fazer compras consideradas supérfluas. E, claro, quando as fazem, elas precisam ser certeiras. Os usuários mais ávidos do TikTok já têm até um termo para definir a estética sisuda que reflete os efeitos da crise econômica: “recession core”.

“Esses vídeos desmistificando produtos são uma das manifestações mapeadas como uma forma de se reaproximar um pouco mais do real e de conteúdos genuínos.”
Juli Soares, diretora de insights da cool.lab

E é por isso que surgem os “genuinfluenciadores”. Apontados como uma das tendências de influenciadores para 2023 pela Wunderman, esse tipo de criador é conhecido por… falar a verdade. Nua e crua. Sem deixá-la bonita para o Pinterest. Segundo Juli Soares, diretora de insights da cool.lab, uma agência de previsão de tendências, o jornal britânico The Guardian resumiu bem o que os consumidores de conteúdo pensam: “Ser muito aspiracional agora é repelente”.

Para a especialista, a desinfluência é um desdobramento disso. “Tem a ver com resgatar esse lugar de influência mais gente como a gente, principalmente no segmento de beleza. Ali, já está muito claro que é para lá que caminhamos”, aponta. 

O fato de que as principais influenciadoras do setor estão criando suas próprias linhas de produtos também está deixando os seguidores com a pulga atrás da orelha – o que provocou o crescimento da audiência de microinfluenciadores, que não têm tantas amarras comerciais. “Então esses vídeos desmistificando produtos são uma das manifestações mapeadas como uma forma de se reaproximar um pouco mais do real e de conteúdos genuínos”, argumenta.

Acordo de confiança

Um levantamento feito pelo portal ReclameAqui, de 2019, mostra que a maioria das pessoas confere diferentes comentários e análises sobre um produto antes de comprá-lo. De acordo com a pesquisa, 74% dos consumidores brasileiros têm esse hábito. Além disso, 62% dos entrevistados disseram que o conteúdo dessa perscrutação foi fundamental para a decisão de comprar ou não. Levando isso em conta, quando um influenciador decide fazer uma crítica negativa, isso ajuda em sua credibilidade. 

“Não é só falar bem das coisas. A gente também pode e deve falar sobre aquilo que não gostamos. Não com deboche, mas com argumentos”, diz Ana Paula Passarelli, cofundadora da Brunch, uma agência de influência digital. Ela também assegura que esse tipo de abordagem – calcada em fatos – prova que o comprometimento do influenciador é com seu público e não com as marcas. “Estamos ficando mais maduros a respeito do peso da influência digital.” 

Há quem evite a sinceridade extrema em suas estratégias, e, de modo geral, isso pode soar como se o influenciador em questão estivesse “com um pé em cada barco”. 

“A autenticidade e a autoexpressão estão cada vez mais fundamentais nos novos espaços bombados das redes (TikTok e Discord são os melhores exemplos). Esses são os pilares que vão moldar o futuro da beleza no mundo digital nos próximos anos”, finaliza Juli.