O que há por trás da febre dos falsificados?

O boom dos itens de luxo fake fala sobre hábitos de consumo, superexposição nas redes sociais e um novo jeito de pensar da Geração Z.

Em um episódio da terceira temporada de Sex and the city, as quatro amigas deixam Nova York rumo a Los Angeles por alguns dias. Em terras californianas, Samantha vai às compras e é abordada por um homem com um porta-malas cheio de bolsas falsificadas. “Fendi por 150 dólares”, anuncia ele. Horas depois, em um restaurante, ela mostra sua nova it-bag para Carrie e revela não ser um modelo original. “Só dá para saber ao olhar o forro. É perfeita!” Dias mais tarde, as duas se deslocam para um bairro afastado para garantir mais réplicas. Olhando para aquele carro velho, repleto de itens plastificados, Carrie diz: “Elas parecem tristes nesse cenário”.

Hoje ninguém precisa mais ir a bairros distantes ou lojas escondidas para encontrar o acessório do momento em versão fake. Na verdade, não precisa nem sair de casa. Se antes quem consumia esse tipo de artigo escondia a todo custo sua procedência, jurando sua autenticidade de pés juntos, atualmente há milhares de vídeos no TikTok mostrando os detalhes, a caixa e, claro, o preço dos itens falsificados adquiridos nos sites especializados nesse mercado. E não são apenas acessórios clássicos, como a Speedy, da Louis Vuitton, a Chanel 2.55, e a sapatilha com tachas da Valentino. Tem de tudo, em todas as cores, estampas e designs possíveis.

“Esses sites conectam os consumidores diretamente com os fabricantes de falsificações. Pensando que antes os rolês de comprar falsos eram supercomplexos, tinha que ir em lugar escondido e fazer uma grande treta, isso faz diferença”, diz Cássio Prates, pesquisador de tendências e diretor da agência de consultoria criativa GID. “O acesso facilitado também fez com que a percepção de qualidade do luxo original diminuísse, já que as pessoas ficaram cientes de que a maioria das bolsas é feita na China, e às vezes com os mesmos fabricantes”, argumenta ele.

É um assunto complexo e bastante polêmico. Frequentemente se esbarra em questões éticas e morais, sem falar no aspecto jurídico da coisa, ainda que sejam poucas e brandas as leis que protegem os direitos autorais de produtos de vestuário e acessórios. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Suprema Corte entendeu que, por serem objetos extremamente utilitários e ligados ao dia a dia das pessoas, não faz sentido estabelecer uma espécie de patente para eles. 

Voltando… Para além do julgamento de caráter sobre quem compra e vende réplicas, há um ponto quase sempre deixado de lado: o desejo sobre determinado item ou tendência atravessa a vida de muita gente, mas a realização dessa vontade não é tão democrática assim. Custa caro, é para poucos. 

Segundo uma pesquisa feita pelo Business of Fashion e divulgada no relatório A nova era das bolsas de designer, o valor desse acessório aumentou 27% desde 2019. E há a projeção de mais elevação de preços. 

As tendências também estão mudando cada vez mais rápido. Se você quer ter a peça do momento, precisa comprar (e postar) imediatamente. A urgência, combinada ao valor da peça, faz com que muita gente veja nos falsificados a possibilidade de suprir os desejos do momento por menos dinheiro. 

Em uma pesquisa feita pelo Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia em junho de 2022, mais de 50% dos consumidores entre 15 e 24 anos admitem ter comprado réplicas no último ano.

Quem decide quem pode ou não ter um produto? É justo deixar que o sonho de consumo só seja realizado por quem tem dinheiro? Por outro lado, as etiquetas que criam o design do zero, pesquisando materiais e silhuetas, trazendo sua assinatura e empregando toda uma cadeia de produção artesanal, não merecem respeito e compensação? São muitas questões e poucas respostas.

Novas formas de consumir

No TikTok, a hashtag #dupe (o apelido para produtos falsos) tem mais de 3 bilhões de visualizações. São vídeos de unboxing, de comparação entre originais e falsos e de criadores de conteúdo relatando onde adquiriram suas “relíquias”. Um dos sites mais citados é o chinês DHGate, no estilo marketplace. Nele, não é possível pesquisar pelo nome das marcas, então são necessários alguns truques para achar a cópia perfeita.

Só sabe a procedência quem compra – e, muitas vezes, sua base de seguidores. Na plataforma de vídeos, há dicas de como encontrar o melhor vendedor dentro do DHGate, quais palavras-chave usar e como saber se aquela cor existe de verdade e não foi criada pela indústria das réplicas. 

No começo de março, realizamos uma pesquisa de opinião no Instagram da ELLE para saber o que nossos leitores acham do fenômeno e se já haviam comprado algo falsificado. Das 1.457 pessoas que responderam, 32% disseram que sim e 68% que não. É importante considerar que nosso público é bastante nichado, ainda que amplo na faixa etária e de renda. Entre os que afirmam já terem comprado produtos fake, a grande maioria coloca o valor como a principal razão. “Para me sentir incluído em um grupo”, “para representar um status” e “jamais poderei pagar o preço original” são outras respostas frequentes.

Em um mundo onde todo mundo parece ter dinheiro para comprar acessórios e roupas de luxo, é fácil entender por que algumas pessoas compram peças falsas. Ainda mais entre membros da Geração Z, que cresceram em um período de escassez maior. A taxa de crescimento econômico médio do mundo na época da geração anterior, a milênio, era de 4%, hoje é de 1,9% – a menor em três décadas, segundo a ONU.

“A escassez deu um comportamento mais pragmático a essa geração, quase como se ela fizesse um rebrand do ‘tô me dando bem’. Os millennials iam para os outlets de Miami e ostentavam, dizendo que pagaram muito menos do que o valor cheio. A geração mais nova aposta em cópias e usa o consumo de cópia dentro da lógica de performance”, diz Michel Alcoforado, antropólogo e sócio-fundador do Grupo Consumoteca, que lançou recentemente um relatório chamado Geração ctrl-Z.

“Os millennials iam para os outlets de Miami e ostentavam, dizendo que pagaram muito menos do que o valor cheio. A geração mais nova aposta em cópias e usa o consumo de cópia dentro da lógica de performance.”
Michel Alcoforado, antropólogo

O estudo analisa os comportamentos de consumo dessa fatia da sociedade, com foco na América Latina. Nele, foram entrevistadas 2,5 mil pessoas, nascidas entre meados dos anos 1990 e 2010 no Brasil, na Argentina, na Colômbia e no México, os maiores mercados do continente.

Na nossa pesquisa, quem afirmou nunca ter comprado e que nunca compraria um produto falsificado apontou a ética como justificativa principal, seguida de trabalho análogo ao escravo e qualidade. Cerca de 30% dizem não conseguir viver com o fato de que estão usando uma peça falsa por respeito à marca, sua história e à consciência de que fizeram algo “errado”. 

Alcoforado, no entanto, argumenta que a Geração Z não se importa tanto com isso. “A questão de falso e verdadeiro é uma dicotomia que não faz mais sentido para eles. O que faz sentido é até que ponto o produto tem performance e até que ponto aquela marca me obriga a comprar o verdadeiro, no sentido de só o original ser capaz de entregar essa performance. Se o produto não for capaz de atingir tal meta, a marca pode ser comprada no mercado popular”, diz. 

Prates concorda. A lógica da falsificação que está em alta não se limita ao produto. Tem a ver com a imitação de comportamento. “Informações culturais também podem ser copiadas e transmitidas de um indivíduo a outro, como costumes e tecnologias. A lógica de ter e mostrar a última bolsa, ou usar tudo de grife, é o que impulsiona esse hype. De tanto se copiar o comportamento de compartilhamento excessivo do consumo, a lógica evolui para o hype da falsificação. Afinal, é impossível comprar tudo ao mesmo tempo para a maioria das pessoas. Postar e criar conteúdo é mais importante do que o produto ser original”, completa.

Hackeando o sistema?

Não dá para apontar apenas um motivo para o fenômeno de as peças falsificadas ganharem tanta audiência no TikTok. São vários os fatores e demarcadores sociais, econômicos e comportamentais que contribuem para a exposição e o compartilhamento do consumo de falsificados. Em um vídeo, por exemplo, uma influenciadora diz que, com o preço de uma autêntica, comprou cinco bolsas iguais de cores diferentes. Porém fake.

A título de comparação, uma bolsa Gucci Diana Mini custa 3,3 mil dólares no site estadunidense da marca. No DHGate, ela sai a partir de 37 dólares. A diferença de preço entre a Dior Saddle original e a falsificada no site chinês é de 4.163 dólares. 

A pergunta que fica é: quanto esse boom de réplicas afeta a indústria de luxo? “Não tem mais o que fazer com as cópias, o que não significa que as pessoas vão deixar de comprar originais. Como é impossível comprar tudo que o mercado de luxo oferece – a não ser que você faça parte daquele 1% da população –, a cópia passa a ser vista de outra forma e começa a conviver conjuntamente, não só como oposição às marcas de luxo ou ao consumo”, fala Prates. 

Vale dizer que, apesar do boom dos produtos falsificados, as vendas das maiores marcas de luxo não caíram. Pelo contrário. Nos últimos anos, os resultados financeiros dessas empresas superaram quase todas as expectativas. E, se serve de consolo para os criadores, a corrida dos fakes é sinal de que o capital cultural de algumas grifes está mais valorizado do que nunca, fixado com destaque no imaginário de muita gente.