O show da moda

Cher, Elvis, Halston e Fleetwood Mac brilham nos anos 1970 de Daisy Jones & The Six, da Prime Vídeo, e a costume designer da série, Denise Wingate, nos ajuda a mapear esse pout-pourri de referências icônicas.

O figurino de Daisy Jones & The Six, série que estreou este mês na Prime Vídeo, é uma espécie de jogo de adivinhação de referências a grandes cantoras dos anos 1970, num patchwork costurado – às vezes literalmente, já que muitas peças foram feitas para a série – pela figurinista estadunidense Denise Wingate. Para quem gosta de moda e música, talvez essa seja a grande diversão da série filmada como se fosse um documentário e que narra a trajetória de uma banda fictícia, inspirada no Fleetwood Mac. 

Um dos grupos de maior sucesso comercial da história do rock, o Fleetwood tinha sua própria estrela e ícone de estilo, Stevie Nicks. Mas, se a composição (três homens, duas mulheres) e os conflitos envolvendo drogas, sexo e disputas de poder na Los Angeles dos anos 1970 são bem parecidos na realidade e na ficção, incluindo um álbum produzido em meio a brigas (Rumours, de 1977, do Fleetwood Mac, e Aurora, na série), no caso do figurino, Nicks é uma das muitas inspirações da personagem Daisy, vivida pela atriz Riley Keough. “Para a versão da Daisy mais jovem, usei muitas imagens de Linda Ronstadt, que naquela época era uma rock star. Ela vestia shorts curtinhos com tops e botas caubói. Também mandei fazer um casaco do tipo Navajo (povo indígena originário do México) que vi Cher usando numa foto desse período”, conta Denise em entrevista à ELLE View.

 

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Daisy Jones (Riley Keough) usando o casaco de patchwork jeans, feito especialmente para a série por uma ex-costureira de macacões do Elvis e a capa feita a partir de um vestido vintage Halston Divulgação

 

É claro que o estilo fada-feiticeira de Stevie Nicks também está presente nos looks de Daisy Jones, ainda mais considerando que a série é baseada no livro homônimo de Taylor Jenkins Reid, abertamente inspirado na história do Fleetwood Mac (leia mais sobre a série nesta reportagem da ELLE). Quem é fã da banda, portanto, identificará Nicks em cenas como a do show em que Daisy veste uma capa esvoaçante dourada, originalmente um vestido vintage Halston, desmanchado e recosturado a pedido de Riley, que sugeriu um figurino mais fluido para a cena. “Vi muitos filmes dos anos 1970, alguns bem edgy, como Taxi Driver, e tive muitas ideias assistindo ao documentário The Last Waltz, dirigido pelo Martin Scorsese, sobre o último show do grupo The Band. Além disso, pesquisei os vários documentários sobre o Fleetwood Mac (há cerca de uma dezena deles), especialmente Rumours, que mostra o processo de produção do álbum mais famoso do grupo”, diz a figurinista, que forrou as paredes de seu escritório com fotos dos integrantes do Fleetwood em sua formação mais célebre (Lindsey Buckingham na guitarra e no vocal, Stevie Nicks como vocalista, Mick Fleetwood na bateria, John McVie no baixo e Christine McVie no teclado e no vocal), misturadas a imagens de bastidores e palco de outras bandas, cantoras, peças de roupa, estilistas, night clubs, street style e muitas outras referências da época.   

O cruzamento de grandes personalidades dos anos 1970 na construção do figurino inclui até metamorfoses de estilo de alguns dos personagens principais, especialmente as femininas. A costume designer conta que Camila, interpretada pela atriz Camila Morrone, por exemplo, começa a série encarnando Ali MacGraw (a atriz de Love Story, ex-assistente de Diana Vreeland e rosto da Chanel nos anos 1960) e se transforma numa Bianca Jagger. 

 

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Camila (Camila Dunne), em look inspirado em Bianca Jagger, e a tecladista Karen (Suki Waterhouse), um mix de astros do rock, incluindo Patti Smith. Divulgação

 

Para contextualizar, Camila é, na série, a mulher de Billy (Sam Claflin), o band leader com quem Daisy (Riley Keough) vai antagonizar. Karen, a tecladista da banda, vivida por Suki Waterhouse, é um mix de Patti Smith com a cantora, baixista e atriz Suzi Quatro, com um toque glam rock do cantor Marc Bolan, da banda T. Rex, e elementos de Joan Jett, da banda The Runaways. Já Nabiyah Be, atriz e cantora brasileira, filha do músico jamaicano Jimmy Cliff, interpreta Simone Jackson, cantora negra em ascensão da era disco e melhor amiga de Daisy, com figurino inspirado na cantora Chaka Khan.

“Usava-se muita peça vintage nos anos 1970 e, em especial os músicos, porque eles não tinham dinheiro, então compravam roupas em brechós.”
Denise Wingate, figurinista

Por causa da pandemia, a produção da série acabou durando dois anos, o que deu tempo à figurinista para fazer uma extensa pesquisa. Uma das principais preocupações era que o figurino não ficasse estereotipado, tipo festa à fantasia. “Usava-se muita peça vintage nos anos 1970 e, em especial os músicos, porque eles não tinham dinheiro, então compravam roupas em brechós. Por isso, usei peças dos anos 1920, 30, 70 e até roupas novas, contanto que parecessem da época. É como se você estivesse assistindo ao programa e pensasse: ‘Uau, pode ser de qualquer época, pode ser de agora’.” 

E alguns itens são mesmo. Denise conta haver muitas roupas contemporâneas da Levi’s e da também americana Free People, que lançou, inclusive, em meados de março, uma coleção-cápsula com peças vestidas na série e outras inspiradas no figurino

 

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Simone Jackson (Nabiyah Be), com figurino inspirado na cantora Chaka Khan Divulgação

 

Embora não faltem grandes estilistas que marcaram a década, que pode ser considerada a mais rica quando a gente pensa em variedade radical de tendências (os anos 2020 e o ecletismo de modas gerado pela internet estão no páreo), tirando o vestido Halston que virou capa, não há exemplares de nomes como Saint Laurent, Missoni, Diane von Furstenberg, Pucci e Stephen Burrows (estadunidense do color blocking e dos looks da cena dancing de Nova York) no figurino da série. Denise diz que, além das peças serem raras, eram muito caras para uma produção que envolveu mais de 1,5 mil trocas de roupa só nos cinco primeiros episódios. 

Em compensação, há uma seleção de itens de couro comprados ou encomendados especialmente para o show em lojas que criavam roupas para roqueiros da época, e uma homenagem subliminar a Elvis Presley, o avô de Riley (ela é filha de Lisa Marie Presley e a única neta do astro): Denise encomendou dois longos casacos, um de patchwork jeans e outro de couro desgastado, a uma artesã que fazia macacões para Elvis. As duas peças podem ser vistas em Riley nas cenas de Daisy Jones & The Six

Em termos de conexão com a moda atual, se a temporada internacional recém-desfilada não traz muita inspiração setentista para o inverno 2022/23 europeu, o street style, de famosos e anônimos, está cheio de pantalonas, calças flare e referências tanto boho, em peças de crochê (Hermès, Isabel Marant, Marine Serre) e franjas (Michael Kors, Alaia, Givenchy), quanto glam e disco, nos macacões brilhantes de Stella McCartney e Valentino para a primavera/verão 2023, que está chegando às lojas da Europa e dos Estados Unidos este mês.

 

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Daisy e um dos muitos casacos setentistas do figurino da série Divulgação