O mercado de beleza brasileiro está ficando mais plural

Cinco gigantes concentram 47,8% da indústria de cosméticos no Brasil, mas essa realidade está mudando com a chegada de empresas independentes e inovadoras.


toOrANWU origin 151
Camila Pitanga usa produtos de beleza MoNA Foto: Cai Ramalho (Reprodução)



Qual a sua marca de xampu preferido? Qual hidratante não sai da sua bolsa? Tenho certeza que você tem o nome da marca de maquiagem que mais gosta na ponta da língua. Dá para contar nos dedos das mãos as empresas que geralmente são lembradas quando se fala em mercado de beleza no Brasil. Isso não acontece à toa. De acordo com o provedor de pesquisa de mercado Euromonitor International, cinco gigantes concentram 47,8% do mercado brasileiro. São elas: Natura &Co, Boticário, grupo Unilever, grupo L’Oréal e Colgate-Palmolive Co. João Carlos Basilio, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Abihpec), acredita que essas empresas são importantes e representam a principal fatia do mercado, “mas boa parte da força e do dinamismo da indústria se deve à frequente abertura de novos negócios e ao bom trabalho desenvolvido por pequenas marcas”. As pequenas e novas marcas são maioria entre as 3.148 registradas na Anvisa em 2020, de acordo com dados do Caderno de Tendências 2019-2020 (material elaborado pela Abihpec em parceria com o Sebrae).

Firmar-se nesse mercado não é tarefa simples. “É mais difícil convencer a pessoa de que o seu produto é bom quando ele não tem um nome conhecido. Para defender os cosméticos naturais (ainda mais de uma marca nova), você precisa bater muito forte nos benefícios, ingredientes e no que está por trás da produção”, afirma Daiane Alaniz, cofundadodora da Bioneví. A marca de cosméticos naturais foi criada em 2016 a partir do incômodo da empresária, que sofria com irritações na pele após o uso de fórmulas convencionais. Formada em Engenharia de Bioprocessos e Biotecnologia, ela contou com a ajuda apenas do sócio e hoje marido, o administrador Thiago Corazza, na pesquisa e produção artesanal dos primeiros itens. “Hoje a gente tem uma equipe muito maior. Mas tivemos que fazer todo o trabalho sozinhos, do marketing ao atendimento. É muito difícil se dividir nessas áreas.”

” O que você propõe tem que ter um significado, uma identidade. Não adianta só fazer por fazer”, Julia Tartari, MoNA

Os bons resultados na pele de Daiane, o trabalho assertivo do casal e a demanda crescente de clientes fizeram com que a Bioneví ampliasse a oferta de itens e a escala de produção. Atualmente, a marca oferece de fortalecedor de unhas a desodorante natural, passando por tônico facial, argilas para o rosto e óleos essenciais. “Hoje eles são industrializados, mas ainda assim são feitos por uma indústria que em grande parte também é artesanal. Temos o selo ‘eu reciclo’, conseguimos atingir quase todos os estados do Brasil e já vendemos para Portugal. Cada vez mais pessoas chegam até nós em busca dessa alternativa natural”, comemora. Daiane acredita que o mercado de beleza está mais plural por conta de uma nova postura do consumidor, o que acaba criando oportunidades para novas marcas conquistarem seu espaço. “As pessoas estão mais preocupadas com pontos que antes não se preocupavam. Antes, elas falavam ‘eu quero um creme para o meu corpo para resolver os meus problemas’. Hoje elas pensam ‘eu quero um creme. Qual é o ativo desse creme? Qual é o produto que está nesse rótulo? Qual a visão da empresa sobre sustentabilidade?”

Novos diálogos

Camila Coutinho, influenciadora e CEO da GE Beauty, tem visão semelhante. “O consumidor está mais consciente. Hoje, ele tem acesso a todo tipo de informação. Se ele tem dúvidas sobre algo da empresa ou do produto, pesquisa e cobra. Por isso, é preciso ser muito transparente e sincero no conceito, no discurso, na entrega”, opina. Para a empresária, é fundamental que uma nova marca, independente do tamanho, entenda conceitos como “sustentabilidade, cruelty free, fórmulas limpas” para se tornar forte no Brasil. “Não apenas porque o consumidor está buscando isso, mas porque nós, como marca, precisamos ser os primeiros a fazer esse esforço”. Ela também considera fundamental “um canal de comunicação aberto e transparente com o consumidor”. “Precisamos ouvir muito o consumidor, entender que são eles que dizem o que precisam e não mais as marcas que ditam o que eles devem consumir.”

bioneviEsfoliante de quartzo da BionevíFoto: Reprodução / Instagram

A GE Beauty nasceu em 2020 com público consumidor cativo, resultado de uma década de trabalho de Camila como blogueira de moda. Nem por isso, a marca deixou de enfrentar desafios para se estabelecer em um mercado dominado por gigantes. Camila conta que um dos maiores desafios foi comunicar o conceito inovador da marca: de customização em haircare, inédito no Brasil, em que o próprio consumidor escolhe como e quando quer cuidar do cabelo. “Não dizemos o que a pessoa tem que fazer no cabelo dela. Não criamos problemas no cabelo para, então, dar a solução, como a maioria dos produtos fazem. A gente acredita — e incentiva — cada um a se conhecer melhor, conhecer seu cabelo e decidir o que ele precisa em cada momento: quer mais hidratação, quer mais definição, quer proteção, precisa de força? A partir dessa necessidade, a pessoa escolhe o booster para misturar no shampoo, na máscara condicionadora ou no leave-in”, explica. Por conta desse desafio, a marca escolheu como canais de venda iniciais o site e uma loja física localizada no Shopping de Recife. “A gente entende que é muito importante explicar o conceito da marca.”

“Precisamos ouvir muito o consumidor, entender que são eles que dizem o que precisam e não mais as marcas que ditam o que eles devem consumir”, Camila Coutinho, GE Beauty

Conceito bem definido também está presente em outra nova marca, a MoNA, criada pela maquiadora Julia Tartari em 2018 para oferecer maquiagens coloridas e cosméticos multifuncionais. “A gente propõe que a maquiagem seja uma coisa sem regras. Os produtos são multifuncionais, conceito que os maquiadores e todos os profissionais de beleza já trabalhavam. O batom pode ser qualquer coisa. Você usa os produtos a seu favor, como você quiser”, explica. “Eu quis trazer esse mundo para as pessoas não profissionais também, para maquiagem se tornar essa coisa que não é só correção. É sobre cor, se pintar e sobre essa pluralidade dos produtos e o que você pode fazer com eles”, completa Julia. Entre os muitos obstáculos enfrentados pela marca, a jovem empresária cita o mercado de fornecedores, segundo ela, voltado para as grandes empresas. “É bem difícil encontrar embalagens bonitas e todas as coisas que formam o produto. Não é o caso da matéria-prima porque o Brasil é muito rico, mas toda essa outra parte é realmente complicada.”

ge-beautyFamília de produtos GE Beauty.Foto: Reprodução / Instagram

Atenta às demandas do mercado, a MoNA tem todos os seus produtos feitos com matéria-prima natural, incluindo ceras, óleos e manteigas vegetais. “A nossa ideia é continuar como uma marca independente. Por mais que a gente cresça, queremos continuar a MoNA como ela sempre foi desde o começo: uma marca que se comunica diretamente com os clientes. Queremos manter essa identidade de marca que produz artesanalmente e de forma sustentável”, explica. “A gente pode sonhar grande, mas é importante que a empresa cresça de forma sustentável, respeitando as pessoas, os colaboradores, o meio ambiente, enfim, respeitando todas as cadeias”, completa a empresária.

A palavra-chave: wellness

Ao que tudo indica, Bioneví, GE Beauty e MoNA, são exemplos de novas marcas alinhadas com o que seria o resumo da grande tendência para o setor de cosméticos nos próximos anos: “sentir-se bem”, aponta o Caderno de Tendências da Abihpec. “A preocupação com estar e se sentir bem passou a ser prioridade na hora de escolher um produto. Sentir-se bem na própria pele, do seu jeito pessoal e único – e tendo opções de produtos que atendam às especificidades individuais e celebrem as diferenças”, lê-se no material.

E qual dicas essas empresárias têm para dar a quem pensa em empreender no mercado de beleza? “Estude muito e esteja sempre atento ao que está acontecendo no mundo. Você também tem que ter personalidade. O que você propõe tem que ter um significado, uma identidade. Não adianta só fazer por fazer”, aconselha Julia. Já Daiane, cofundadora da Bioneví, cita uma frase que ouviu de duas amigas que a guia desde então: “Todo problema é uma falta de conhecimento. Todo problema que o pequeno empreendedor enfrentar – seja com uma marca artesanal ou convencional – vai ser uma falta de conhecimento. Existem projetos na nossa vida que a gente tem que ser honesto e dizer ‘não funciona, não vai dar certo, eu tenho que desistir’. Mas a grande maioria não. Se estou enfrentando um problema, preciso pensar: ‘Qual é a solução para esse problema? Qual área eu preciso melhorar e aprimorar pra resolver isso?'”

“É muito louco ver que, até bem pouco tempo atrás, o Brasil, um país com uma diversidade enorme, uma pluralidade enorme de tipos de cabelo, praticamente não tinha produtos específicos para cabelos crespos e cacheados”, diz Camila Coutinho. “A mesma coisa com maquiagem para pele negra… Não é à toa que a maioria das mulheres optavam por alisar, porque não tinham produtos para cuidar do crespo. Só opções naturais. Olhar essa grandeza do país, prestar atenção nessa diversidade e acolher as necessidades de todos os grupos é um bom caminho para empreender na beleza.”

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes