A estreia de Pieter Mulier à frente da Alaïa
Com desfile nas ruas de Paris, novo diretor de criação da maison presta homenagem respeitosa ao fundador da marca.
Por aqui ainda falta um bom tempo para que possamos encontrar amigos e colegas de trabalho tranquilamente em eventos sociais. Em outras partes do mundo, porém, a situação é mais positiva. Com boa parcela da população vacinada, muitos países já suspenderam a maioria das medidas de restrições impostas para o combate à Covid-19. No último domingo, a temporada de alta-costura, em Paris, ganhou um começo bastante emblemático sobre este momento.
Tudo bem que desfile, no caso, era de prêt-à-porter, mas a ocasião era célebre e digna da pompa da couture. Até porque a marca em questão sempre esteve mais ligada aos princípios e funcionamentos sobretudo artesanais da alta-costura do que aos da produção massificada. Sim, estamos falando do retorno da Alaïa às passarelas. Ou, mais especificamente, à rua.
A estreia do diretor criativo Pieter Mulier (estilista que, por anos, foi o braço direito de Raf Simons na Jil Sander, Dior e Calvin Klein), se deu com os convidados sentados na calçada da Rue de Moussy, onde Azzedine Alaïa, em si, abriu sua primeira loja, morou e trabalhou por quase toda a carreira. E os simbolismos já começam aí.
Em vez de mergulhar de cara nos arquivos da maison, Mulier recorreu à própria memória. Ele se diz fã do estilista tunisiano radicado em Paris desde os anos 1980. Além do que lembrava, folheou alguns livros e publicações sobre o trabalho de Alaïa, quase sempre ilustrados por imagens do próprio ao lado de suas musas (Farida Khelfa, Grace Jones, Naomi Campbell).
O resultado é uma espécie de pot-pourri do que há de mais essencial ou característico na identidade esculpida por Azzedine: os tricôs ajustados ao corpo, o couro perfurado, o capuz drapeado, as capas de seda esvoaçantes, as camisas brancas, as saias com fendas. Tudo com um leve toque atual e um tanto simplificado. A ideia, segundo o novo diretor criativo, era essa mesma: um glamour fácil, possível.
As meias calças, por exemplo, agora mais parecem com leggings (ou vice-versa). Há um bom destaque para as bermudas ciclistas, mas de um jeito bem longe do que se entende da peça no sportswear clássico. As camisetas se ajustam e se alongam, meio transparentes, revelando estruturas internas inspiradas nas construções corsetadas do fundador. Os tecidos também chegam atualizados, com elementos aparentemente plastificados, emborrachados ou refletivos. A silhueta, 100% baseada na que deu fama a Alaïa no começo da década de 1980, aparece mais alinhada aos desejos do mercado por roupas de fácil entendimento e, mais ainda, vestíveis em qualquer situação.
Mulier nunca esteve à frente de nenhuma marca na qual trabalhou, o que torna difícil apontar traços estéticos ou estilos só seus. E numa grife com iconografia e memórias tão fortes como a Alïa, isso talvez nem seja tão desejável de imediato. Num ato bastante respeitoso, a primeira coleção do atual diretor criativo é quase como um olhar de fora para dentro, de quem passa na rua e só enxerga pela vitrine.
Depois de quase um ano e meio trancados ou isolados na medida do possível, a rua é de fato mais interessante e desejável. O contato físico nem se fala. Não à toa, esse ressurgimento pós-pandêmico de quem já tem vacina trouxe toda uma nova vontade de mostrar o corpo, sem vergonha, sem pudores.
Curiosamente (ou não), o termo bodyconscious foi cunhado na moda para descrever o trabalho de Alaïa há mais de 40 anos. Sua obsessão era a mulher, e suas roupas as vestiam de modo que elas se sentissem seguras, fortes e livres. Como Mulier traduzirá isso para os dias de hoje ainda não dá para dizer com certeza, mas os indicadores são bem promissores.
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