Upcycling Frankenstein
Em resposta a um mercado que superproduz para depois descartar, estilistas e marcas independentes estão mixando peças de várias etiquetas de luxo para criar um novo guarda-roupa consciente.
Entre outubro de 1999 e fevereiro de 2000, Miguel Adrover colocou em sua passarela um vestido plissado feito com um trench-coat da Burberry virado do avesso, uma minissaia criada a partir de uma bolsa da Louis Vuitton, uma camiseta “I Love NY” com mangas de tule, uma peça feita de bonés de baseball e duas calças transformadas em jaqueta, presas com um cinto da Hermès. Entre experimentações mil, o estilista espanhol ascendeu no mundo da moda tão rápido quanto foi engolido por um sistema que visa o lucro acima de tudo. Ganhou o Perry Ellis Award, desfilou em Nova York, recebeu investimento do extinto grupo Pegasus e, por meio de suas coleções, criticou o capitalismo e os calendários das fashion weeks (ele só participava delas uma vez por ano). Nas suas apresentações, sempre em lugares obscuros da cidade, ressignificou locais e peças de roup
Vinte anos atrás, era impensável que uma marca pegasse roupas de brechó ou de outra grife e as retrabalhasse para colocar em sua passarela. Adrover quase foi processado pela Burberry. Hoje, seria exaltado pela sua genialidade. Ele, no entanto, não foi o único a adotar esse processo criativo sustentável. Alguns anos antes, Martin Margiela já usara peças de brechós e figurinos de teatro para criar alguns looks. Em seu desfile de verão de 1991, cortou ao meio vestidos longos e plissados, encontrados em feiras de pulgas em Paris, e os combinou com calças jeans
De volta para o presente, hoje vemos novamente estilistas ressignificando itens de grife, recortando, colando e criando roupas novas a partir de outras antigas. Marine Serre é um dos nomes que sintetizam essa nova geração. Filha de um revendedor de peças de segunda mão, ela costura, borda e mistura jeans, tops de renda luxuosos e mais um tudo desde seus 14 anos. Marine ganhou o Prêmio LVMH em 2017, reforçando ainda mais a importância desse movimento, que, ali, apenas começava a ganhar fôlego.
Diferente do upcycling clássico, que se vale de intervenções em roupas vintage ou do uso de peças e tecidos descosturados e reconstruídos em um novo item, essas marcas estão literalmente costurando lado a lado labels que não costumam ser vistas juntas.
A crise desencadeada pela pandemia do novo coronavírus trouxe à tona novas questões ao mundo da moda. Ao mesmo tempo, reacendeu debates e a necessidade de mudanças que há muito se mostram urgentes. A maneira predatória, desumana e agressiva ao meio ambiente de se fazer moda precisa ficar pra trás – agora mais do que nunca. Xuan-Thy e Renée, da 1/OFF Paris, reforçam: “Acreditamos que, neste momento, cada vez mais pessoas vão começar a pensar sobre o que precisam e sobre o que é essencial – e a sustentabilidade é uma grande parte desse pensamento. Mas é uma mudança que não cabe só ao consumidor, empresas e governos precisam estar ativamente engajados.”
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