Conheça o estilo Japandi de decorar
Referências japonesas e nórdicas se abraçam em uma estética que privilegia as formas puras do minimalismo, o artesanal e a harmonia com a natureza.
Existe um ponto imaginário no planeta onde o extremo norte e o extremo oriente se encontram. Esse lugar se chama design. Nos últimos tempos tem se falado muito dos traços comuns entre o jeito de morar dos japoneses e o dos escandinavos e o amor que ambos cultivam pelas linhas simples que utilizam ao criar móveis e objetos para o dia a dia. A tendência ganhou até nome – Japandi ou Scanese, uma brincadeira com as sílabas das palavras japonês, dinamarquês e escandinavo – e virou sonho de consumo de quem ama decoração. Mas a história é mais profunda: tem suas raízes lá no final do século 19. Nessa época, artistas dinamarqueses estiveram entre os primeiros a se aproximar da arte japonesa e a usar alguns de seus elementos em seus trabalhos, desenvolvendo uma vertente particular dentro da arte decorativa nacional. Resultado: o japonismo moldou o modernismo na Dinamarca e tornou o país sinônimo de design. Mirjam Gelfer-Jørgensen mostra a evolução desse vínculo, primeiro nos motivos e temas, depois nos materiais e processos, no livro Japan in Danish Art and Design.
Em 1919, foi a vez da Finlândia iniciar relações diplomáticas com o Japão e ver essas afinidades brotarem. O centenário dessa colaboração foi comemorado em 2019, com uma exposição organizada pela Artek, uma das empresas finlandesas de design mais celebradas do planeta, fundada pelo arquiteto Alvar Aalto e sua mulher, Aino, nos anos 1930. Batizada de FIN/JP Friendship Collection, a mostra trouxe peças que exploram similaridades e diferenças entre os dois povos, frisando o apreço pela vida simples, a admiração pelo artesanal e a harmonia com a natureza, ou seja, a essência do Japandi.
“A conexão entre Finlândia e Japão é um relacionamento de alma gêmea, refletida por interesses, rituais e desejos semelhantes”, conta Marianne Goebl, diretora executiva da Artek. “Trabalhamos muito com os japoneses. Fizemos edições especiais da banqueta Stool 60 com as marcas de moda Comme des Garçons e Minä Perhonen, além de trabalhos com o street artist Yu Nagaba“. Segundo ela, o carrinho de chá de Aalto é apontado como a maior expressão de sua paixão pelo design japonês (veja a coleção FIN/JP na galeria abaixo).
Com design da Company, as figuras pagãs de cerâmica da coleção Secrets of Finland lembram os presentes que os finlandeses levaram aos japoneses em 1919. Foto: Divulgação
Tecido com estampa de flor de cerejeira, inspirado no lenço desenhado por Aino, mulher de Alvar Aalto.
Foto: Divulgação
Banquinho 60 Aizome (índigo, em japonês).
Foto: Divulgação
Os bancos Kiulu, com design Koichi Futatsumata, foram inspirados na cultura dos banhos japoneses e saunas finlandesas.
Foto: Divulgação
FIN/JP Friendship Collection, da Artek. Carrinho de chá 901.
Foto: Divulgação
Na Escandinávia, o hygge, que poderíamos traduzir como aconchego, está na base do morar e envolve tudo que traga acolhimento: receber os amigos, acender velas, deixar a casa à meia-luz no inverno, tomar um chá ou ler em um cantinho confortável. “Lá, o clima dita a forma de viver. O desafio é sobreviver no inverno extremo. Por isso, focamos no essencial. O design é puro, sem supérfluos, usamos apenas o que precisamos e o design é considerado um direito democrático”, conta o arquiteto dinamarquês Adam Kurdahl. Ou seja: peças de qualidade, duráveis, sustentáveis e com preço justo.
Já quando se trata de Japão, as crenças religiosas têm forte influência sobre o morar. “No Xintoísmo, acredita-se que tudo tem uma alma e uma relação estreita com a natureza. Uma cadeira, por exemplo, guarda a energia do material e do artesão que a moldou. Não se trata apenas de forma e função. Há uma carga espiritual”, explica Piti Koshimura, autora do blog Piti no Japão e curadora da plataforma de cursos Momonoki, sobre cultura japonesa. A resiliência e o respeito ao tempo pregados pelo confucionismo e a busca pela iluminação no zen-budismo também lapidam o interior das casas. Derivam do budismo a arte da ikebana, com seus arranjos delicados, e o wabi sabi, que propõe a aceitação da imperfeição e a importância da impermanência.
Um vaso, um arranjo
Cerâmica de Renata Amaral, com mentoria de Rachel Hoshino. Arranjo de Tamako Toshimoto.
Foto: Patricia Iketa
Projeto da AB Interiores, com aparador de Bruno Rangel e vaso da Marché Art de Vie.
Foto: Denilson Machado / Produção: Aldi Flosi
Vaso Mihana Koso, da Mihanaly Ceramics.
Foto: Divulgação
Vaso João de Barro, de Marcus Camargo.
Foto: Divulgação
Vaso de madeira torneado à mão Vessel 1, da Bruun Design.
Foto: Divulgação
A arquiteta e pesquisadora Marina Lacerda destaca a indeterminação dos espaços como um aspecto importante. Uma sala pode virar um lugar para comer e depois se transformar em quarto. “Os espaços da casa tradicional não têm divisão clara, são bem flutuantes. O que estamos fazendo durante a pandemia, ao atribuir funções diferentes aos mesmos cômodos, é um princípio do morar japonês”, afirma.
“O vazio e a indeterminação estão vinculados a uma forma estética que os japoneses chamam de MA. Não é um conceito lógico, racional, é um jeito de ver o mundo. Está na distância que duas pessoas mantêm ao se cumprimentar, no espaço vazio em uma obra de arte, nas passagens em silêncio dos filmes de Miyazaki. E reverbera na arquitetura. Quando um morador concebe um espaço na casa, ele não determina com antecedência o que vai fazer ali”, explica Marina.
Todos esses conceitos dão boas pistas de como podemos absorver o estilo Japandi. Por que é tão atraente? Porque as duas culturas carregam referências comuns que conversam com os tempos atuais. Estamos em busca de espaços de tranquilidade, onde menos de fato significa mais. Mais reflexão, mais qualidade, mais respeito.
Simples assim
Estante Bastone, com design de Antrei Hartikainen.
Foto: Divulgação
Sofá com design de Paola Navone para Ethimo.
Foto: Divulgação
Buffet Japandi, inspirado nos ryokans (pousadas tradicionais japonesas) e na estética hygge, com design de Adam Fergusson.
Foto: Divulgação
Armário Loop 88, da Swallow’s Tail.
Foto: Divulgação
Espelho móvel, do Kristina Dam Studio.
Foto: Divulgação
Chaleiras de porcelana produzidas na região de Hasami, no Japão, da Rikumo.
Foto: Divulgação
Poltrona Kite, design Nendo para Stellar Works.
Foto: Akihiro Yoshida
Mesinhas Haeru, da Nendo.
Foto: Alberto Strada
Luminárias Mel Kawahara.
Foto: Fran Parente
Luminária com design de Tom Rossau para Nordic Design Trace.
Foto: Divulgação
Luminária Li, de papel japonês, com design de Adriana Yazbek, à venda na Dpot Objeto.
Foto: Gabriel Chiarrastelli
Ambiente criado pelo estúdio Melina Romano.
Foto: Divulgação
10 passos para ter uma casa Japandi
Equilibre o minimalismo com toques calorosos e consiga o mix perfeito entre as culturas japonesa e dinamarquesa.
1. O desapego faz parte da fórmula. Nada de excessos. Tudo dentro de casa deve ter uma função.
2. Opte por cores suaves, que remetem à natureza (pense em crus, beges, brancos), inclusive no piso.
3. Use fibras naturais (sisal, corda, palha).
4. Integre a casa à natureza. Janelas amplas, que deem para um jardim, ou vasos em pontos estratégicos nos cômodos, para trazer o verde para dentro.
5. Aposte na madeira, de preferência em tons claros. Ela pode estar nos móveis, mas também no piso e em revestimentos das paredes.
6. Componha com texturas diferentes (tricôs e tecidos como linho e algodão em almofadas, xales e estofamentos).
7. Traga o artesanal em peças com significado (cerâmicas assinadas, por exemplo).
8. Utilize poucos e bons elementos decorativos (vasos, esculturas).
9. Mobiliário de design assinado, de qualidade e duradouro, é sempre bem-vindo.
10. Invista em iluminação natural ou suave. No inverno, velas são uma boa pedida.
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