Um toque do Oriente na Maison Cartier
Exposição no Dallas Museum of Art, nos Estados Unidos, revela a influência da arte islâmica no design da tradicional casa de luxo francesa.
No começo do século 20, o cenário cultural parisiense borbulhava com novas referências em todas as formas de arte. Além de uma gama de pintores vindos de diversos países, Paris era o epicentro do comércio de arte islâmica, chegando a ganhar uma exposição no Musée des Arts Décoratifs em 1903. Sete anos mais tarde, outra mostra, em Munique, Alemanha, foi considerada um marco ao apresentar a arte islâmica sem conotações exóticas, mas com a relevância merecida, reunindo obras representativas de outros cenários culturais.
O fascínio por essa arte conquistou gradualmente a Europa, e um dos colecionadores mais famosos foi Louis Cartier, neto de Louis-François, fundador da Maison Cartier. O avô começou o negócio em 1847, vendendo joias e obras de arte. Seu filho, Alfred, assumiu a gestão do negócio em 1874, e em 1924 o neto se juntou à empresa, liderando os negócios em Londres.
Na época, a Maison Cartier desenhava as próprias joias, ao mesmo tempo que revendia peças antigas. Uma das criações mais famosas foi o relógio de pulso Santos, feito para que Alberto Santos-Dumont pudesse olhar as horas enquanto voava, sem ter que usar o relógio de bolso.
Foi Louis quem passou a trazer as cores e formas da arte islâmica para as salas de criação da Cartier. O resultado está em colares, coroas e ornamentos que podem ser vistos na mostra Cartier and Islamic Art: In Search of Modernity, em cartaz até 18 de setembro no Dallas Museum of Art (DMA), no Texas, um dos dez maiores museus de arte dos Estados Unidos. “O elemento mais emocionante desse projeto para mim foi a forma de colaboração entre diferentes profissionais para traduzir a ideia de criatividade e inspiração do passado ao longo do tempo, da geografia e da mídia”, disse à ELLE Decoration Brasil Sara Schleuning, curadora sênior de artes decorativas do DMA. Ela sublinha que a mostra é o resultado de quatro anos de estudos entre os curadores.
Tiara Cartier, de 1936.Foto: Divulgação
Bandeau Cartier, de 1922.Foto: Divulgação
A exibição traz mais de 400 relíquias – incluindo peças feitas sob encomenda, documentos, esboços, desenhos, livros, ornamentos, fotografias e detalhes arquitetônicos. Inaugurada no ano passado no Musée des Arts Décoratifs em Paris, com colaboração também do Musée du Louvre, ela segue a ordem cronológica, é organizada por temas e dividida em duas partes: a primeira tem o pano de fundo cultural de Paris no início do século 20, explorando as origens do interesse pela arte e pela arquitetura islâmicas. A segunda ilustra o léxico de formas inspiradas nelas, começando naquela época e seguindo até os dias atuais. Ao longo dessas décadas, designers da maison passaram a criar peças com base no que eles chamavam de apprêts – pedaços de tecidos, cerâmica, amuletos, miniaturas tiradas de pinturas, placas esmaltadas.
Cigarreira Cartier, de 1930.Foto: Divulgação
Porta-maquiagem Cartier, de 1924.Foto: Divulgação
“Um dos meus favoritos é o bandeau de coral e ônix de 1922. Por meio dos Arquivos Cartier, descobrimos que a Cartier Paris foi inspirada por uma série de arcadas e janelas do pátio de uma mesquita, copiadas pelo designer Charles Jacqueau do Manual de Arquitetura Muçulmana, de Henri Saladin”, diz Schleuning. “Em parceria com o escritório de arquitetura e design Diller Scofidio + Renfro, conseguimos criar animações digitais imersivas, que, em poucos minutos, levam o espectador da fonte da inspiração ao momento da realização da obra.”
Além de famosa pela caligrafia, essa arte traz formas geométricas, naturalistas e desenhos chineses, que foram incorporados às terras islâmicas sob os regimes dos mongóis e timurides do Oriente Médio e da Índia a partir do século 13. A descoberta da Índia por Cartier começou em 1911, quando Jacques, irmão mais novo de Louis e explorador nato, viajou de Londres em caravana para participar da Delhi Durbar, evento que marcou a coroação do imperador Jorge V em terras indianas, ainda sob colonização britânica. Além das visitas oficiais, Jacques saiu às compras, descobrindo gemas e pedras locais. Ele também foi ao Bahrein, país no Golfo Pérsico, de onde trouxe esmeraldas lapidadas e outras pedras preciosas coloridas.
Jarro de cristal de rocha com detalhes de ouro, do início do século 11.Foto: Divulgação
Jarro sírio, de 1242.Foto: Divulgação
Esse material teve um impacto marcante no design de joias da maison, dando início ao estilo Tutti Frutti. Na mostra, as criações são colocadas ao lado de suas fontes de inspiração, deixando claro o peso da arte visual islâmica sobre a centenária marca de luxo. “Essa exposição explora com profundidade essa influência sob a perspectiva de quatro curadores, franceses e estadunidenses. Dois especialistas em artes decorativas e design e dois em arte islâmica”, explica a curadora.
Ela ressalta que o DMA está situado em uma cidade com uma crescente população de origem do Oriente Médio e de fé muçulmana. O museu tem construído constantemente sua representação das artes islâmicas por meio de exposições e incorporado obras de artistas contemporâneos dessas regiões e de sua diáspora. Um passo importante para a troca de conhecimentos entre culturas.
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