A Capela Negra de Theaster Gates

Em busca de quietude, um dos maiores nomes das artes plásticas da atualidade criou a Black Chapel, instalada no Serpentine Pavilion 2022. Nessa entrevista exclusiva à ELLE Decoration Brasil, ele fala sobre a relação entre a arte, a arquitetura e o sagrado.


origin 42



Templo sagrado da arte, do design e da arquitetura, o pavilhão da Serpentine Gallery abriga, até 16 de outubro, no Kensington Gardens, em Londres, a Capela Negra (Black Chapel), um delírio visual do artista Theaster Gates, estadunidense de Chicago, com o suporte do arquiteto e artista plástico sir David Adjaye, britânico nascido na África. O nome vem de uma obra que Theaster realizou para a Haus der Kunst, de Munique, criada a convite do curador Okwui Enwezor (que o tinha chamado para a Bienal de Veneza de 2015). Agora, a dupla retoma essa ideia original para traçar um paralelo entre a arte, a arquitetura e o sagrado.

Theaster Gates tem apenas 48 anos, Adjaye, 55. A união entre eles para levantar o pavilhão da Serpentine Gallery significa a continuidade de outras atividades nas quais já compartilhavam a defesa da revisão histórica e espiritual do legado do povo negro. Eles estão juntos também no conselho do International Slavery Museum, de Liverpool, na Inglaterra. A obra para a Serpentine, entretanto, é uma nova aventura artística. É a firma de arquitetura de Adjaye que dá suporte a Gates, cuja filosofia sintetiza o conceito de “redimir espaços que tenham sido deixados para trás”.

A proposta lembra uma catedral vista pelo avesso. Seu domo cilíndrico se enrola como se fossem mãos em oração, e o espaço se oferece mais à depuração do que à sublimação. Ao longo dos quatro meses que ficará no parque, ela acolherá shows da banda Black Monks, que tem o próprio Theaster à frente, nos vocais, invocando gospels e blues da cultura negra do Delta do Mississippi. A instalação terá no alto da fachada um sino de bronze resgatado da demolição de um antigo templo comunitário no sul de Chicago, a igreja católica de St. Lawrence, de 101 anos.

“Com o final da pandemia, pensei que seria bacana um lugar de quietude”, diz Theaster Gates sobre a sua capela a céu aberto, cuja programação cultural envolve também concertos de Corinne Bailey Rae, The Otolith Group e Phoebe Collings-James. Em entrevista à ELLE Decoration Brasil, Gates falou do sentimento de ter atravessado esse tempo tão obscuro de isolamento e doença mundiais. “Meu coração dói”, lamenta. “Devemos perseguir grandes declarações de amor. E quem melhor para amplificar o amor que os artistas?”

image 132

Theaster Gates em seu ateliê de cerâmica.Foto: Lyndon French


Seu trabalho revela a tentativa de abordar a espiritualidade e contém um movimento em direção ao desconhecido. Essas duas ideias são decisivas em suas investigações artísticas. Qual o sentido do sagrado em sua arte?

Tem sido uma sinuosa estrada transitar de uma educação religiosa para a pesquisa do invisível. Eu ainda estou nessa jornada. Quando penso sobre o sagrado da vida, e a sacralidade que a atravessa, isso ressoa de três formas diferentes: o jeito que eu amo a mim mesmo, o amor entre mim e os outros e a possibilidade de amar entre aquilo que sou hoje e aquilo que eu quero ser. Todo trabalho artístico, toda performance musical, toda escultura que eu fiz, tudo fala da tentativa de deixar uma marca mais intencional. Uma marca mais sincera. Uma marca mais perfeita.

A Capela Negra contém referências aos fornos de cerâmica de Stoke-on-Kent, uma reminiscência da arte de fazer potes. Você também foi um ceramista. Você acredita no valor intrínseco do trabalho feito artesanalmente, em oposição ao valor industrial?
Como escultor, a razão pela qual eu falo especificamente sobre ter sido treinado como um ceramista, um fazedor de potes, é porque eu acredito profundamente na pureza da forma plástica. A argila é uma filosofia que eu tento aplicar a outras formas de feitura, incluindo edifícios e objetos pequenos. Quando considero a dimensão das formas à minha disposição, eu retorno para a base, a esfera, o vazio, o quadrado, a têmpora, o forno, o útero. Essas formas, essas ideias, elas portam sentimentos puros. Os fornos de Stokeon-Trent, como história, constituem um link entre a necessidade humana e a habilidade humana. Entre a necessidade humana e a crença humana na beleza. Entre a sobrevivência humana e a inteligência humana. O pavilhão é meu elo entre o refúgio e Deus.

image 133

Vista externa: referência a fornos de cerâmica.Foto: Iwan Baan / Cortesia: Serpentine


image 134

Interior da Capela Negra.Foto: Iwan Baan / Cortesia: Serpentine

O trabalho da arquitetura tem muito a ver com a busca da funcionalidade, do conforto. Você é um artista visual trabalhando numa plataforma arquitetônica. Que pontes vê entre as duas atividades?
Eu sempre fui um construtor. Venho de uma família de construtores e de uma nação de construtores. O termo arquitetura surge de forma complementar a uma maneira de entender como o mundo se organiza. Porém, na história das edificações, a arquitetura é uma vocação relativamente nova. Eu sei de um mundo onde a resposta das pessoas a suas necessidades de construção não tem uma denominação. Não obstante, elas fazem uma coisa chamada arquitetura.

Quais perspectivas o afrofuturismo traz hoje para a história da arte e para as discussões artísticas?
Um dos princípios mais ambiciosos do afrofuturismo é a reivindicação do passado pré-colonial, a oportunidade de imaginar novos futuros que não estejam limitados àquela raiz, mas que aceitem que as pessoas têm produzido coisas admiráveis no continente africano, e além dele, durante muito tempo. E que talvez algumas das melhores experiências humanas venham sendo perdidas diariamente, substituídas por interesses menos sustentáveis, quando não altamente destrutivos.

Esta reportagem foi publicada originalmente no volume 1 da ELLE Decoration Brasil. Para comprar seu exemplar, clique aqui.

Para ler conteúdos exclusivos e multimídia, assine a ELLE View, nossa revista digital mensal para assinantes